terça-feira, 30 de junho de 2009

À sombra do Rio Branco

Dona Maria dos Remédios tinha sempre um sorriso guardado na manga. Uma simpatia desinteressada, de quem vive longe, muito longe mesmo, do cotidiano vociferante da cidade grande. Ela pôs oito filhos no mundo e a todos eles deu a incumbência divina de cuidar cada um de uma planta curadeira. Conhecimento e cura. Maria acredita de coração. Não tem quem não conheça ali aquela mulher de gestos largos, a embaixadora da natureza num local onde ser amigo da natureza é um mistério e uma obrigação. Dona Maria dos Remédios é uma mulher de Santa Maria de Boiaçú.

Santa Maria do Boiaçú é um pedaço perdido de civilização entre árvores gigantescas que formam o paredão amazônico em Roraima. Uma vila com pouco mais de 300 habitantes a 300 km de Boa Vista. O Rio Branco é o caminho que leva até lá. O barco e voadeira, os transportes mais comuns. O avião riscando e se arriscando no céu quase sempre carregado de nuvens negras a outra opção. As duas opções valem o encontro com aquela natureza arredia, valem o contato com a cidade e seus habitantes de olhos e dentes abrasivos. Estive lá e me perdi no encantamento daquele Brasil redescoberto.

Um povo à sombra do Rio Branco, as poucas centenas de moradores da cidade têm sangue índio, sangue denso e verde correndo nas veias. Os olhos são generosos, infinitos, quase sempre repousando em bolsas emoldurantes de carne, como se espragatados em redes preçuiçosas. Olhos que acompanham o Rio Branco soberano e as pessoas que passam na rua. Gente que vive sem sobressalto, que vive com pouco, sobrevivendo da agricultura parca e da pesca normalmente refém das intempéries do tempo. E que tempo rei aquele.

A água é companheira saliente, insubmissa. Corre incansável no rio que nunca se cala. Encharca o chão, os quintais e jardins que circundam casas de madeira ribeirinhas em tempestades imprevisíveis que transformam dia em noite. Vi uma manhã assim ameaçadora, mas antes vivi uma inesquecível tarde de sol, um sol luxuriante, ao lado de pessoas que não mendigavam sorrisos, que entregavam-se inocentes às lentes da câmera fotográfica do meu celular fajuto, iluminando tudo ao meu redor. Fotos sem muito contraste, que reproduzo aqui, mas que afagam meu coração selvagem sempre que as olho.

Tão longe de tudo, aquele povo passava as horas e os dias à mercê do que a natureza podia oferecer. Talvez não esperasse tanto dos homens. Talvez nem de Deus. Talvez esperasse um dia em que tivesse mais riqueza, aquela tilintante que a natureza não poderia oferecer para eles. Enquanto isso não acontecia, eles giravam a manivela do tempo a seu favor. Sem carros nas ruas, sem medo de assaltantes, sem grifes sobre a pele, sem a agonia dominadora dos computadores.

Talvez aquele povo quisesse até um pouco mais de adrenalina ou as benesses do mundo moderno que acompanhavam na televisão. Imagens de modernidade vertidas pela parabólica até a hora em que os geradores roubavam o último pingo de energia elétrica. Depois afogado no silêncio do verde amazônico com a trilha sonora de sapos barítonos, de grilos esfuziantes e a água que sempre lembrava sua pujança naquela região, talvez aquele povo pensasse em sair dali, seguindo o Rio Branco que apontava sua seta para a civilização.

Mas, se isso acontecesse, ou a civilização rompesse distancias e florestas, meu coração selvagem ficaria – mesmo entendendo tudo – entristecido. E eu perderia – talvez – o sorriso descompromissado de dona Maria dos Remédios. Mas, ficaria para sempre com a memória daqueles olhos e dentes sem fim.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Rock chá das cinco

A bela e invernosa ilustração da capa do disco nem de longe antecipa o conteúdo de Bandages for the Heart, segundo álbum dos suecos do Lacrosse. Não há choro nem vela neste trabalho alegre e sem firulas. Os seis integrantes do grupo abriram a janela de seu som e deixaram o sol entrar reforçando ainda mais, com composições “fofinhas”, a identidade com os indies de plantão.

Lacrosse
é assim mesmo, gracioso e pop. Estão mais enérgicos do que em This New Year Will Be for You and Me(2007), a estréia. Impossível não bater o pé no compasso, acompanhando a alegrinha “We Are Kids”, a música de trabalho do álbum e a mais bacana desse recente repertório do grupo. Tem leveza e levada rítmica. O grupo adiciona outras doses de açúcar e afeto, como em “All the Little Things That you Do”, com seu teclado envolvente e coro tribal. E também com a climática música que dá nome ao CD, que tenta pegar o ouvinte com sua arquitetura mântrica.

“I See a Brightness” vai na mesma toada indie ensolarada, lembrando Belle and Sebastian, com seus sininhos, utilizados, aliás, cansativamente em todo o álbum, e guitarras açucaradas. Feliz em sua caravana da alegria, o sexteto ainda chama para o clima de festa dominical na sugestiva “It’s Always Sunday Around Here”, com toda a delicadeza, no arranjo, que a título sugere. Haja mel na boca.

Ao final da audição, mesmo com toda boa vontade, Bandages for the Heart, a sensação que fica é que o Lacrosse pouco ou nada acrescenta ao indie pop que os amantes do estilo estão acostumados a consumir. A banda tem músicos competentes e uma boa cantora, Nina Wähä, com sua voz de menina tinhosa. Mas, não vão além daquela fronteira do rock chá das cinco, espertinho e feliz, mas sem grande “aproach”, sem grande pegada.

Lacrosse é sim legalzinho, como na já citada “We Are Kids” ou na pseudo punk “You are Blind”, mas desconfie quando alguém usa de muitos diminuitivos para traduzir o som de uma banda. Ainda mais quando a humanidade está precisando mesmo é de um rock mais superlativo.

Cotação: 3

Sua colherada de açuçar na boquinha:

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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Reciclagem mal feita

Gostinho requentado dos anos 80. Na receita, um rock misturado à eletrônica kitsh com um quê da guitarra displicente do Talking Heads e da alegria do Devo. Essa salada, algo estragada, é o Datarock, queridinhos da cena new rave. Os noruegueses Fredrick Saroea (vocal, guitarra, bateria e teclados), e Ketil Moses(baixo, teclados,programação eletrônica e backing vocal) lançaram recentemente o segundo álbum da carreira, o cansativo Red(2009).

Teve muita gente que elogiou o debut da banda, Datarock Datarock(2005). E foi mesmo legal ver a performática dupla fazendo um mix dançante de rock debochado com eletrônica e um teclado de churrascaria. Mas, o que era um revivalismo saudável se perdeu na repetição vazia de seu sucessor. E o disco já abre mal com “The Blog”, em um clima space rock, com aplausos, vocoder e tecladinho safado.

O teclado estilo anos 80, com uma pendência para o dance chinfrim do Erasure, o texto falado e o corinho, numa elogiável referência a Mr. David Byrne, se repetem durante todo o disco. Às vezes vão buscar inspiração nas texturas oitentistas criadas pelo mago Brian Eno, como em “Molly”. Essas fusões estão condensadas debilmente em “True Stories”, não à toa o título de um disco e filme dos Talking Heads. A dupla peca ainda pelos refrões fáceis, como em “Dance”, mas o eco logo desaparece de nossa memória.

E como se não bastasse esse claro mergulho de barriga naquela saudosa década, ainda tem a referência ao Style Council, na elegante “New Days Dawn”, umas das raras boas canções desse álbum que apenas ratifica a voz grave e bonita de Saroea. Com esse Red, o Datado rock, desculpe, Datarock com sua new raiva, quer dizer, new rave, aproveitou mal a tentativa de reciclar os embalos dos anos 80.

Cotação: 2

Veja se dá pé no controlCcontrolV:

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domingo, 7 de junho de 2009

Enfim, o disco prometido

A capa do disco é uma referência explícita a Their Satanic Majesties Request, disco buliçoso do Rolling Stones. O que talvez denote, subliminarmente(?), o propósito dos britânicos do Kasabian de fazer um álbum que os coloque na linha de frente do rock da terra da vovó Elizabeth. E eles dão um passo certeiro nessa direção com o excelente The West Rider Pauper Lunatic Asylum(2009), no qual finalmente acertam a mão, após alguns rascunhos musicais e muita expectativa.

Logo de cara que você percebe a intensidade da obra que tem em mãos. A primeira do disco que chega aos ouvidos, “Underdog”, é rockão dos bons com guitarras soltas e melodia redonda. Aí a coisa dá uma desandada com “Where Did All The Love Go?”, na qual a primeira parte da composição chama irresistivelmente o refrão do clássico rock baba “Sweet Child O'Mine”, do Guns N' Roses. Essa sensação se esvai depois, mas a música não convence, com seu arranjo de corda encorpado que, em certo momento, pega o caminho pra Índia, com uma citação escancarada à música tradicional daquele país.

A coisa piora com “Swarfiga”, uma canção curta – ainda bem – que desaba numa enjoativa cama eletrônica. Completamente dispensável. Um CD que começa, enfim, algo descompensado – como quem desperta de uma letargia momentânea – para ir se aprumando com firmeza logo depois. Os bons acertos vão acontecendo a partir da quarta música, a ótima “Fast Fuse”, que abre com um riff de guitarra poderoso e segue elétrica, arredondada por um coro que só reforça o clima dançante.

Já orientado em sua busca de fazer um álbum realmente vigoroso, Kasabian navega em músicas de melodias sedutoras. Caso de “Take Aim”, que flerta novamente com o oriente em sua introdução e belisca a eletrônica num bela e bem construída balada roqueira, e de “Thick as Thieves” música, que lembra o rock setentista de Beatles com seu apelo pop. Nesse ponto de disco não tem mais jeito: o ouvinte já está convencido do talento do grupo.

A maturidade de Kasabian, estabelecida em seu terceiro disco de estúdio, configura-se em cada detalhe. A levada progressiva e psicodélica se faz presentes em “West Rider Silver Bullet”, com sua texturas suaves, percussão marcial e interferência precisa dos teclados. E também na utilização pragmática da eletrônica – elemento que insistem em usar - na pegadora “Vlad the Impaler”, está última com refrão pegajoso e um vídeo meio trash rolando no You Tube. Ou ainda na lenta e reconfortante “Hapiness”, boa pra adoçar qualquer dia.

O fato é que, para nossa felicidade, depois da decepção que foi Empire(2006), o segundo disco da banda, os ingleses do Kasabian parecem ter se achado. The West Rider Pauper Lunatic Asylum é um disco para figurar fácil fácil entre os melhores do rock internacional. Ouça de com força.

Cotação: 5

Caia na rede:

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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Música de peito aberto

É interessante como a honestidade sempre ganha corações. Ser sincero num mundo tão cheio de falácias e abarrotado de tantas informações contraditórias é uma virtude extremamente louvável. Na música acontece o mesmo. Dois dos discos de MPB mais interessantes do ano têm aquele elemento como seu melhor e mais saboroso tempero. O primeiro, Sweet Jardim, da paulistana Tiê, foi comentado aqui neste blog. O segundo, São Mateus não é um lugar Assim Tão Longe(2009), de Rodrigo Campos, passo a comentar agora.

Assim como Tiê, o também paulistano Rodrigo Campos investe na criação de sensações e emoções cotidianas para elaborar o seu álbum de estréia. Bacana a entrega descompromissada desse rapaz que nasceu no interior e, aos 3 anos, mudou-se para São Mateus, bairro de periferia da Zona Leste da megalópole São Paulo. Tudo o que isso significou, e o posterior crescimento que o afastou de lá, estão lá vestido incisivamente de poesia no CD.

É incisivo o discurso musical de Rodrigo quando passeia nas memórias de infância e traz à tona velhos amigos ou conhecidos do bairro. Sua poesia despojada e elíptica, feita de frases curtas como nos contos do curitibano Dalton Trevisan, chega a ser tocante. Como na linda "Mangue e Fogo" em que lembra de duas crianças perdidas na cidade suja. Uma delas Marina: "A vida de Marina era no mangue atrás da escola militar/ Cresceu nos arredores do colégio catando caranguejo/ Vendendo no farol/ Chupando oficial por dez real". Mais cru, impossível.

O compositor passeia pelo seu antigo bairro de peito aberto e com uma linguagem poética que não mascara, mas também não escancara o mundo cão da periferia. Usa inteligente da sutileza para falar da violência, como em "Cavaquinho", onde pergunta pelos velhos amigos, que desapareceram. Fica a sugestão no ar de como estes deram um chá de sumiço. E puxa pela nostalgia como em “Rua Três”, onde conta a história de um velho morador que volta a São Mateus e, de repente, se vê emocionado com trinta anos, depois de rodar o filme de toda a sua vivência ali.

Essas crônicas poéticas do cotidiano, quase todas assinadas por Rodrigo, estão muito bem acompanhadas das melodias. Essas contaram com parceiros de fé do paulistano, gente competente de sua geração, como Beto Villares, João Taubkin e Curumim, que emprestaram ótimas texturas às composições. O baixo potente de João Taubkin esquenta a funkeada “Brother José”.

Metais e um violão melancólico emprestam beleza a "Califórnia Azul", num disco com vários batuques que ora vão em direção ao samba de quintal – escola pelo qual Rodrigo passou como cavaquinista - como em "Fim da Cidade" e em "Isac", ou rende-se ao sambinha mais leve, como na boa "Sem Estrela". Vale citar, ainda, a voz marcante e rouca de Luisa Maita, na foto acima com Rodrigo, intérprete de quatro canções do álbum, que logo deve estar despontando como uma boa surpresa.

Mas, São Mateus não é um Lugar Assim tão Longe, como seus arranjos corretos, não pode ser visto como um disco de samba, no sentido mais tradicional da palavra. É uma declaração de amor à vida feita com delicadeza e talento. Seja bem vindo, Rodrigo, ao mundo dos bons. Seja muito bem vindo.

Cotação: 4

Vá até São Mateus:

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quarta-feira, 3 de junho de 2009

Excesso de maquiagem

Quem viveu com vontade os anos 90 e mergulhou no rock visceral de bandas como Nirvana, Smashing Pumpkins e Sonic Youth, só para citar algumas das mais inquietas daquela década, sabe que havia uma entrega apaixonada naquilo que os músicos faziam. Quando o Silversun Pickups lançou Carnavas em 2006, muita gente viu respingos da honestidade e da energia daquelas ótimas bandas na bem intencionada turma californiana.

Meio shoegazer, na levada instrumental, e meio dream pop, na construção inteligente das texturas melódicas, o grupo norte-americano fez um promissor disco, atiçando a crítica e o público indie. O vocalista e guitarrista Brian Aubert, o baterista Chistopher Guanlao, a baixista Nikki Monninger e o tecladista Joe Lester acabaram criando uma grande expectativa para o definidor segundo trabalho. Swoon(2009), o dito cujo, apareceu mas... o ouro antevisto com a estréia se mostrou de tolo.

Talvez o grande pecado de Swoon seja o excesso de produção. Provavelmente, os elogios advindos com o primeiro trabalho devem ter mexido com a cabeça dos californianos. O que é muito normal. Quem, tomado pela bajulação e pelos louros de um bom trabalho não arriscaria um segundo passo estrategicamente cerebral para ratificar as expectativas? E é assim que soa o disco: racional em demasia na compreensível busca da banda em abocanhar uma maior parcela de fãs.

Aí então, aquilo que parece bacana e refrescante soa superficial. Você tenta até gostar de músicas como “There's No Secrets This Year”, que carrega a influência tão assumida pelo grupo do Smashing Pumpkins, mas não enxerga nela uma alma própria. É como se fosse um decalque incolor. Um revivalismo que se esconde atrás de uma produção impecável. Mas, todos sabemos, não é apenas o apuro técnico, amparado pelos botões mágicos de um estúdio de gravação, que faz um bom disco.

E olhe que há uns respiros criativos no álbum, a exemplo da intensa “Growing Old is Getting Old”, com um quê de U2 no uso das guitarras, e na esperta “Panic Switch”, a dançante música de trabalho de Swoon. A pesada carga de maquiagem termina por atrapalhar o produto final, como uma puta naturalmente bela que resolve exagerar no visual para chamar a atenção. Ainda acho que os Silversun Pickups podem fazer melhor. E, tenho certeza, ainda vão fazer mais lá pra frente.

Cotação: 3

Arrisque:

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Se quiser tentar o primeiro, Carnavas, vá de:

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domingo, 31 de maio de 2009

Saudades do Mato Grosso

Morei dois anos em Cuiabá. Lá aprendi, entre outras descobertas afetivas de um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, a respeitar e me emocionar com a natureza. Até então, natureza para mim eram as praias e a visão redentora do horizonte que separa tão definidamente o céu do mar. Percebi no Mato Grosso que havia mais verde no mundo do que pensava minha débil filosofia. Um verde gigante e desafiador, e aquela pressão constante no ar de um mundo sempre pronto a nos surpreender. Pelo bem, o cenário estonteante, e pelo mal, a ação irresponsável do ser humano.

Fico com a memória da parte boa. O pantanal com a bicharada sempre a espreita, jacarés, tuiuiús, pacas e antas em mergulhos estrepitosos nos rios. A Chapada os Guimarães, soberana com suas cachoeiras e rochas desafiando o tempo em equilíbrio mágico. Nos últimos meses tenho tido uma saudade medonha de lá, dez anos depois de minha última visita. Deixei amigos que aparecem em sonhos reclamando minha ausência. Desperto nesses dias com o coração apertado, com aquele sentimento incômodo de cobrança, vendo no reflexo do espelho o desejo do retorno brilhando na retina dos olhos de meu rosto ainda sonolento.

Por essa saudade que se avoluma, me vi pego pela emoção no show da mato-grossense Tetê Espíndola(na foto, chapada na Chapada), que assisti esses dias aqui em Brasília. Quando falei para alguns amigos que iria vê-la, alguns torceram o nariz e me ironizaram, respaldados por um preconceito velhaco e desrespeitoso. Nessa hora tocava mentalmente um foda-se e fazia movimentar aquele móbile nostálgico que há alguns meses habita minha cabeça. A apresentação de Tetê era mais uma chave daquele sentimento de retorno. Queria abrir aquela porta e mergulhar com tudo no espírito revivalista.

O espetáculo tinha uma proposta temática: a música pantaneira, das tradicionais guarânias às canções da geração mato-grossense que, na década de 80 do século passado, revelaram ao Brasil a nova música daquela região. O país conheceu Almir Sater e, principalmente, a família Espíndola, tendo a frente Tetê. Os espíndolas são como uma instituição musical no Mato Grosso. O patriarca e também músico Geraldo Espíndola é autor de um hino informal daquele estado, a bela “Quyquyho”, cantada com reverência pelos filhos (Tetê, mais Jerry e mais Alzira) no show.

Os irmãos espíndolas, acompanhados de Lucina, que fez dupla histórica com Luli e vive hoje carreira solo, cantaram a cultura pantaneira no espetáculo. Um mundo de lembranças, tão caudaloso quanto os rios que cortam o estado, me veio à cabeça. Na época, estrangeiro por lá, testemunhei o orgulho dos mato-grossenses de pertencer aquela cultura docemente servil à força da natureza. Gostava daquilo e a memória daquele tempo me veio avassaladora durante o show. Chorei por dentro um choro de cachoeira serena.

Tetê continua com seus trinados, continua imitando pássaros, e essa fidelidade me fez um bem enorme naquela noite. O bicho grilismo das mensagens pode até parecer brega e chato para muitos que preferem se esconder, em função disso, atrás do muro do preconceito. Aquele do qual falei nos primeiros parágrafos. Mas, há entranhado nessas loas da natureza uma entrega e paixão que os corações mais duros preferem fingir que não existe. Uma pena. Há um valor intrínseco em Tetê e sua trupe, um lastro cultural e telúrico que ela defende com abnegação e honestidade. Ela consegue ver o luar. E a gente precisa ver mais o luar. E em Mato Grosso, a lua tem uma luz especial que hoje ilumina minha saudade e alimentou essas linhas. Valeu, Tetê.

Vai o link do primeiro disco de Tetê com a família Espíndola, chamado Tetê e o Lírio Selvagem, de 1978, uma raridade:

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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Fartas doses de vigor e magia

Algumas companhias de dança tem o dom de iludir, de colocar o corpo em provação, levando-o a extremos surpreendentes. Foi com essa missão que surgiu a norte-americana Pilobolus Dance Theatre que, há 38 anos, vem embasbacando platéias mundo a fora. O grupo esteve em Brasília para apresentação única no dia 28 de maio, mostrando que de lá para cá não perdeu a mão e o fascínio. Estavam lá, o equilíbrio, contorcionismo e criatividade em coreografias vigorosas que hipnotizaram o público presente no Teatro Nacional.

Sete bailarinos subiram ao palco para criar esculturas humanas e provocar os sentidos dos espectadores. Em cartarse grupal ou em uma complexa apresentação solo, os dançarinos apresentaram coreografias extremamente técnicas que abarcam o repertório do Pilobolus de 1973 a 2008. Em todas elas, o elástico elenco traduzia harmonicamente o completo domínio que os coreógrafos da companhia tem do palco e do corpo.

A proposta de criar instantes mágica já pega pelo coração logo na primeira coreografia, a mais recente delas, Lanterna Mágica. Os bailarinos ilustram em slow motion a sedução imemorial que o fogo provoca na humanidade e também o seu poder transformador. No palco, um único elemento, uma lanterna, dá o tom e guia movimentos graciosos e oníricos. A luz se faz no trancilim de corpos que se juntam para ora virar um trono ora se multiplicar em uma fantástica ponte humana. Poesia em carne e osso.


Marca registrada do Pilobolus, os corpos conectados em transmutação criam situações inesperadas em Rushes, de 2007. A trilha, que mistura música circense e jazz, já anuncia o que viria. Mesmo utilizando-se de um elemento manjado na dança contemporânea, a cadeira, os dançarinos criam situações bem humoradas, reforçada pela trilha, como quando imitam um pêndulo de relógio. Provocam risos abertos, algo raro nesse tipo de espetáculo.

O gol de placa da companhia foi deixado para o final. Em Megawatt, de 2004, ao som do rock pesado do Primus, das texturas viajandonas do Radiohead e da eletrônica de Squarepusher, a trupe demonstra todo o vigor que tornou a Pilobolus amada em todo o planeta. Do início da coreografia, quando entram dançando colados ao chão aos aplausos finais, os sete artistas se movimentam freneticamente, como se estivessem levando choques imaginários. Uma peça alucinada e de tirar o fôlego que coroa um espetáculo inesquecível e só reforça a realeza da irretocável companhia.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Uma lição de concisão

A sangrenta segunda guerra mundial guarda histórias espantosas que a arte de tempos em tempos desvela para o público. É o caso de Os Falsários, impactante longa-metragem alemão que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro e que só agora chega às telas de Brasília. Dirigido pelo austríaco Stefan Ruzowitzky, a fita é um exercício cinematográfico enxuto, uma lição de como contar um impressionante drama com concisão, explorando inteligentemente os melhores elementos desse gênero.

Os Falsários é baseado em uma história real. Na segunda guerra, o judeu Salomon 'Sally' Sorowitsch, o falsário mestre da trama, interpretado pelo cerebral e excelente Karl Markovics, é obrigado a falsificar dinheiro para financiar as ações bélicas da Alemanha. Ao lado de outros judeus submetem-se a essa provação moral e à humilhação no campo de concentração de Sachsenhausen para não acabarem em uma câmara de gás.

Ruzowitzky, na foto dirigindo os atores, conta essa história mantendo o fio de tensão, sem nunca resvalar para a pieguice. A solidariedade entre os presos e o conflito ético imposto pelo roteiro, levado com sensibilidade e apuro, garantem emoção na medida e a atenção integral do espectador. O filme passa-se quase todo no campo de concentração, o que dá à obra um certo acento teatral, minimizado contudo pelo uso de uma câmara nervosa, que busca a constante inquietação dos personagens pressionados pelo medo.

Destaque ainda para o emprego preciso e surpreendente da trilha sonora, toda ela composta de tangos instrumentais, que constrastam com a cruel situação mostrada na fita, mas funciona à perfeição. O vencedor do Oscar não tem vocação nem provavelmente qualquer pretensão de virar um clássico do cinema, mas, seduz pela mão correta na direção, pela interpretação dos atores e, principalmente, pelo exepcional roteiro, que tem a assinatura do próprio Ruzowitzky. Vale o preço do ingresso.

domingo, 24 de maio de 2009

Balangandã moderno

A primeira vez que escutei a paulista Ná Ozzetti, além da voz linda e afinadíssima, me impressionou a escolha do repertório. O disco, o debut, de 1988, trazia alguns das versões mais bacanas e revolucionárias que já ouvi de clássicos da MPB, como “Sua Estupidez”, de Roberto e Erasmo, e “No Rancho Fundo”, de Ary Barroso, e até do cancioneiro brega italiano, a exemplo de uma inacreditável “Dio Come Ti Amo”, que fez sucesso no Brasil com a sussurrante e sedutora Gigliola Cinquetti.

A abertura de Ná Ozzetti para a desconstrução, com muito refinamento, diga-se de passagem, de composições clássicas é uma de suas marcas registradas. Para acentuar seu bom gosto e ousadia, ela sempre se cercou de músicos experientes e talentosos. Este lado desrespeitoso, no bom sentido, está presente em Balangandãs(2009), seu último trabalho, que homenageia Carmem Miranda no ano em que a portuguesa mais brasileira de todos os tempos completaria 100 anos.

Em Balangandãs, Ná chamou amigos e bambas, com quem já trabalhara em outras ocasiões, como o irmão Dante Ozzetti (violão) e o excepcional Mário Manga (guitarra, violoncelo e violão tenor), que dão o colorido e a classe que o projeto exigia. Não daria para esperar nada diferente desse bando virado pra lua. A velha Carmem ganhou aqui uma roupagem provocativa e muitas vezes pouco fiel ao estilo que a tornou conhecida no mundo inteiro, graças aos arranjos elaborados e inteligentes que orientam o CD.

Como exemplo do diferencial do projeto proposto por está “Disseram que eu voltei Americanizada”, que começa à capela para a entrada em seguida da guitarra distorcida e roqueira para cair num samba cadente, desacelerando o ritmo, no caminho inverso feito no original de Carmem Miranda. Reparem na desconcertante mudança de andamento da música.

Nessa linha estão ainda, entre outras, a pouco conhecida “Ao Voltar do Samba”, com a guitarra meio amaxixada e cuja introdução lembra o carimbó. Deliciosa e animada. E “Na Batucada da Vida”, de Ary Barroso, com arranjo elegantíssimo, com destaque para o contrabaixo de Zé Alexandre Carvalho em solo com a bateria em levada ora jaz ora afoxé de Sérgio Reze. , com sua voz inconfundível, conseguiu dar novas cores à batida composição já gravada por boa parte dos medalhões da MPB.

Mas tem um outro lado, mais reverente, que revela a influência que Carmem Miranda teve na vida de . São os casos de “Touradas de Madri”, “Diz que tem” e “A Preta do Acarajé” que usam a estrutura antiga dos sambas cantados pela pequena notável, com backing vocal masculino grave e com a paulista arrebentando na utilização de timbre e vocalises que a aproximam do mito. Tudo isso, é claro, com um toque de modernidade que sempre esteve presente na carreira da cantora que começou a carreira no estiloso grupo Rumo. Balangandãs honra, com sobras, a inesquecível Carmem. Discaço.

Cotação: 5

Vá de batucada moderna:


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Assista "Adeus Batucada" com Ná:


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Jogo empatado

As cordas de aço do violão em primeiro plano acompanhada da voz corpulenta e aveludada de Fin Greenall dão o tom do que o ouvinte vai ouvir a partir dali. A beleza soul e envolvente de “Sort of Revolution” que abre espetacularmente o disco de mesmo nome do britânico mais conhecido como Fink anima os neurônios. Aí vem a deliciosa “Move on Me”, com a participação na autoria e no piano do aclamado John Legend, com um arranjo classudo, e você fica de quatro com a espantosa melodia e a entrega emocionada do intérprete.

O acento soul e a indefectível classe da música de Fink, em seu terceiro registro fonográfico (os outros dois são Biscuits for Breakfast(2006) e Distance and Time(2007) permanecem impactantes nas músicas seguintes, a também bela “Six Months”, com seu violão minimalista, e a folk “Nothing is ever Finished”. Mas daqui por diante, ou seja, da metade até o final do CD lançado este ano, fica o desconforto de uma música que se perde na toada da repetição.

A levada soul, com um maneirismo às vezes funky, tenta manter o disco aceso, como na interessante “See it All”, que lembra as criações mais pops do gênio Thom Yorke, mas, em outros momentos, cai na modorra. São os casos da longa e chata “Q & A”, com uma irritante vozinha de background, e “Maker”, com uma programação eletrônica dispensável e melodia pouco inspirada. Fink também não é feliz na sua versão gospel do clássico “Walking in the Sun”, de Jeff Barry, que leva nota baixa no quesito reinvenção.

Entre mortos e feridos, fica a impressão de que Fink precisa acertar a pontaria. Fica também ecoando em nossos ouvidos a limpeza e elegância de arranjos – um dos pontos altos do trabalho – que poderiam ter rendido um álbum antológico. Mas, as bolas na trave deixaram esse jogo empatado. Ainda assim, um disco para se ter.

Cotação: 4

Ouça com carinho este “Sort of Revolution”:

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terça-feira, 19 de maio de 2009

Meio Chico meio Carvalho

O diretor Walter Carvalho sabia que tinha um trabalho hercúleo pela frente quando resolveu filmar Budapeste, de Chico Buarque. Afinal, o livro sobre um escritor em crise existencial com a profissão e relacionamentos amorosos, com sua narrativa entrecortada, não facilitava uma tradução para as telas. Em Budapeste, o filme, que estreia nesta sexta-feira, 22 de maio, nos cinemas, o cineasta respeita Chico, mas amplia o lastro subjetivo da obra literária buscando uma co-assinatura para a história.

O filme mergulha junto com o narrador, o ghost-writer José Costa, nas amplas possibilidades de reinvenção que o amor, o verbo e uma língua propiciam. O personagem empresta seu talento descomunal às pessoas que tentam a fama ou querem contar suas histórias em um livro. Ele próprio tem medo de expôr sua criatividade. Essa crise é bem resolvida no filme de Carvalho, que valoriza nas imagens o poder da palavra escrita, que domina e escraviza Costa, vivido magistralmente por Leonardo Medeiros.

O espectador não deve buscar no longa-metragem a similitude com o livro. Até porque a subjetividade deste não permite. A linha básica do romance é respeitada. Maior do que seus personagens, porém, é exatamente essa relação dual de Costa com a língua e de que forma ela molda comportamentos, cultura e alimenta paixões. É o verbo, mesmo em outra língua, a húngara, que faz o personagem se encontrar. E é essa vida desfeita e refeita pela palavra que vale a pena acompanhar no filme de Carvalho, na foto acima com o presidente Lula.

Budapeste não é um grande filme, assim como o livro de Chico também não é lá essas coisas. A narrativa monolítica cansa um pouco, mas há iluminuras que compensam, como a linda fotografia amarelecida da Budapest, a presença de Chico Buarque numa ponta bem humorada e as interpretações, a já citada de Medeiros, e da atriz húngara Gabriella Hámori. O resto é viagem. Você só precisa estar disposto a embarcar nela.

domingo, 17 de maio de 2009

Feijoada explosiva

Lembra Raimundos, da boa fase, e também Chico Science e um pouco os alucinados Móveis Coloniais de Acajú. Lembra, na verdade, aqueles grupos que, sem vergonha, liquefazem as influências hardcore num emaranhado musical que, ainda assim, trazem um carimbo próprio. Gilbertos Come Bacon vem de Planaltina, usando uma velha fórmula, para mexer, em seu disco de estréia, com o amuado rock candango.

Primeiro lançamento do ano da gravadora brasiliense, GRV Discos, Gilbertos Come Bacon(2009) veio ao mundo porque a banda homônima ganhou o I Festival Universitário de Música de Brasília. Foi o prêmio. Para o grupo e para os fãs de um rock mais veloz e, aqui, ponto pra lá de positivo, com tutano. Os sete meninos e a menina, uma baixista, da banda fazem um som urgente, com letras que investem no discurso social com o verbo solto, que beira em certo momento e sem pudor a escatologia.

Esse desapego ao hardcore tradicional é francamente assumido pelo grupo. Eles batizam sua música de “rabicóre”, que pode ser visto como uma mistura orgânica de guitarras pesadas e aceleradas com uma instrumentação sem amarras que têm a percussão e a levada rap – no diálogo dos vocalistas Eduardo e João – como elementos mais marcantes. Por isso é som para quem não está em dieta, com muito tempero. Uma feijoada explosiva.

No mar de influências em que a banda mergulha, é possível ouvir um Raimundos com neurônios na bacana “Minha Casa”, cuja letra faz uma comparação quase concretista do corpo humano com a casa. O mix radical de Chico Science e Nação Zumbi é visível em “Sorriso de Plástico”, com sua percussão esperta bem casada com o rap. O skacore que municia o Móveis se faz presente na ganchuda “Piolho”, que tem participação especial e bem humorada do imprevisível Tom Zé.

Gilbertos Come Bacon não tem a pretensão de inovar. A banda faz o que os grupos citados anteriormente exercitaram, mas com uma liberdade que leva a intervenções sonoras diferenciadas e produz um som que não soa como cópia. Mérito também das letras politizadas que escapam do panfletarismo, como em “Adulteraram”, que fala do mau uso do poder ou na bem sacada "Gilbertos", sobre um cara que para ser “considerado” tenta parecer com um gringo. Um boa estréia de uma banda que merece ser acompanhada com interesse.

Cotação: 3

Fico devendo o link para o disco, mas como aperitivo lambuze-se com esse torresminho:

http://www.myspace.com/gilbertoscomebacon

Ou para mais informação, vá em:

www.grv.art.br

Rock demolidor

Esse tal de rock and roll tem umas crias que enchem a gente de alegria. Desde que saiu do Pulp, banda que se tornou um dos ícones do britpop ao lado de Oasis e Blur, Jarvis Cocker vinha engrenando um pacto efetivo com a história. E fazer história nesse terreno musical com tantos pretendentes a ídolos e gênios, não é lá, convenhamos, muito fácil. E Jarvis se destaca no meio desse grosso caldo roqueiro com um dos discos mais instigantes e demolidores que ouvi este ano.

Further Complications(2009) vai um pouco na contramão do bom Jarvis(2006), o primeiro solo do artista britânico. É mais sujo e pesado, uma provável contribuição do produtor Steve Albini, de alma punk, que já colocou o dedo em álbuns do Nirvana e Pixies, só para citar dois gigantes. É mais coeso do que seu antecessor também, o que mostra uma bem vinda linha ascendente desse músico inquieto, que se distancia consistentemente da banda que o projetou.

O que mais agrada em Further Complications são os riffs e refrões pegadores, distribuídos generosamente por todo o CD, que tem no rock básico e direto a sua maior virtude. É isso mesmo, viúvos e viúvas do Pulp. É possível ver ecos a la Kinks em músicas como “Ângela” e de surf music, presentes na instrumental "Pilchard", onde a voz de Jarvis é apenas onomatopaica, e na balouçante “Homewecker”.

O vigor do rock, no que ele tem de mais direto, está ainda na música que deu nome ao CD, com baixo, guitarra e baterias matadores ancorando a voz mais encorpada(mais do que o normal, diga-se de passagem), do artista. E em “Caucasian Blues”, que de blues não tem nada. Rockões desbragados e com riffs arrepiantes, desses que ficam rodando ébrios em nossa cabeça por um tempo.

Mas, se você quiser um Jarvis mais calminho, escute com prazer as lindas “Leftlovers”, com uma levada que mistura a sonoridade gutural de Leonard Cohen e Lou Reed, e, principalmente, "I Never Said I Was Deep", cool e arrebatadora. Taí um discaço. Bom pra viagem, pra despertar da pasmaceira e até pra dançar coladinho. Dez de luxo.

Cotação: 5

Linke-se quem puder:

http://sharebee.com/9540f5d3

ou:

http://www.megaupload.com/?d=GV2Q6E6S

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Moderno e bem resolvido

Muito se fala da avalanche de boas cantoras e compositoras surgidas no Brasil nos últimos anos. Mas, a ala masculina da MPB também está na área mostrando seu valor, ainda que de forma meio tímida. Um dos maiores celeiros dessa nova e talentosa geração é São Paulo. É de lá que vem Rômulo Froes, de quem resenhei o ótimo No Chão sem o Chão, e seu companheiro de baladas Bruno Morais, que lançou o também notável A Vontade Superstar(2009), seu segundo trabalho.

Assim como Froes, Bruno Morais integra o grupo de modernos músicos paulistas que tem um pé no passado e o outro no futuro. Um voluntarioso equilibrista que quer ganhar o público médio, mas sem perder de vista a ousadia e o exercício de uma assinatura própria. Apropriando-se de metais vibrantes e coros despretensiosos de amigos em boa parte das músicas, o paulistano constrói em A Vontade Superstar um repertório que surpreende pela unidade e segurança.

Urbano até a tampa, Morais faz, com sua voz pequena, um discurso cosmopolita onde fala de amores perdidos, solidão e relacionamentos conflitantes. Casos de “ Do Inferno”, na qual um baixo marcante e pontual acompanha a letra direta que fala de pessoas que infernizam nossas vidas, ou da jazzística “Pode Morrer”, sobre uma separação premente descrita com poética objetiva, como faziam os velhos mestres da MPB: “Se você me der adeus, não pense mais em mim que eu ficarei com Deus”.

Como todo bom moderno, Morais não nega influências musicais, mas consegue dar a elas um sabor e frescor típicos daqueles que pensam a música com inteligência. Caso da bacanérrima “O Mundo é Assim”, onde um violão dedilhado compartilha o arranjo esperto com uma monocórdica bateria acendendo o interesse pela melodia. Ou da mais difícil “Bombeiro Vermelho”, onde os metais se contrapõem ao vocal, com sonoridade elaborada que resvala no reggae.

A dualidade entre o pop e a experimentação estão presentes na atonal música “Aparelho Sensível” e também na animadinha “Continuar”, que lembra o alagoano Wado com sua guitarra funkeada ou no trip hop que fecha o disco, com belas letra e música. O despojamento pop, se é que podemos chamar assim, pode ser visto aqui e ali, meio que embrionário, na sucinta “O Mito dos Corações Partidos” e seu corinho primaveril e no ótimo sambinha triste “Hoje eu vou te Acordar”.

A Vontade Superstar é um disco com vontade de ser marcante, uma clara evolução do que foi apenas pincelado no bom Volume Zero (2005), primeiro álbum do artista. E Morais chegou lá, com promessa de ir ainda mais longe.

Cotação: 4

Link solitário para ouvir o disco:

http://lix.in/-3da567

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Entre o céu e o inferno

Quando estreiou no Brasil, X-Men Origens: Wolverine dividiu opiniões. O longa-metragem dirigido por Gavin Hood (vencedor do Oscar por Infância Roubada) chegou cheio de marra às salas de cinema. E não era por menos, afinal, a pretensão do filme era conquistar corações e mentes com esse personagem deliciosamente irascível e amoral da trupe bacaninha dos homens “X”. Acabou ficando no meio do caminho nesta empreitada.

O longa-metragem de aventura é o que popularmente pode se chamar de um produto “meia boca”. Um dos grandes problemas do filme é carregar nas cores dramáticas em uma história que já tem, como agravante, um roteiro capenga. O cinismo de Wolverine (Hugh Jackman) vai perdendo a força já no moralismo das primeiras cenas, quando ele e o irmão Victor (Liev Schreiber), se desentendem pelo herói não aceitar os métodos virulentos do tresloucado parente de sangue.

Até aí tudo bem. Até porque o Loguinha “paz e amor” acaba perdendo, lá na frente, as estribeiras quando vê a amada, a bela Raposa Prateada(Lynn Collins), assassinada. E sua vingança, cheia de culpa, é o fio condutor dessa história. Mas, o confronto ético interno que o personagem desenvolve é tão débil quanto a intenção do filme de gerar empatia com o relacionamento de Logan e sua esposa.

Tudo bem que o Wolverine ácido só surge mais claramente – na história em quadrinhos – depois que o herói perde a memória. Mas que esse lado mais cínico faz falta no filme, faz sim. Até o próprio Jackman, pela terceira vez na pele de Logan, parece diminuído nessa sua cruzada moral.

A frustrada história de amor é explicitamente mal engendrada no roteiro, que tem a assinatura da dupla David Benioff e Skip Woods. Meia boca também é a inclusão de um bando de mutantes, muitos deles futuros X-Men, como um jovem Scott, que surgem do nada para fazerem absolutamente nada no longa de ficção. A valorização da vingança de Logan, e sua fúria animal, por sua vez, parece cair no vazio quando ele dá de cara com a dura verdade.

Se deixasse o drama de lado e se concentrasse na ação propriamente dita, talvez Wolverine fosse um filme mais excitante. Entretenimento é a proposta central dos quadrinhos mais comerciais, de onde, afinal, saiu o personagem. E ainda se concentrasse nos músculos do herói, o diretor ainda teria que ter cuidado com a previsibilidade das cenas e o excesso de efeitos especiais, esses sim – sempre eles – os grandes salvadores da produção hollywoodiana. Pena que isso seja muito pouco para uma obra que gerou tanta expectativa.

Faça o download aqui do trailer do filme ou assista clicando no link da barra de vídeos ao lado:

http://www.vuze.com/downloadapp/GQ3YAYZCQGION4BT2V46SJRU6RRIDAHE

domingo, 10 de maio de 2009

Pra que tanta festa?

Desconfio quando um álbum é incensado por todos, ainda que, deva alertar, não considero todas as unanimidades uma burrice, como bombardeou um dia o aloprado Nélson Rodrigues. Só desconfio e pronto. Por isso, ouvi com um pé atrás It’s a Blitz (2009), último da banda novaiorquina Yeah Yeah Yeahs. É o terceiro desse power trio, que resolveu trocar o rock por uma sonoridade mais dance e eletro. Cada um faz do seu som o que bem entende, e tentativas de mudanças são sempre elogiáveis, mas, nesse caso, pra mim, a novidade não desceu lá muito redonda.

“Um dos melhores lançamentos do ano”, como foi classificado em boa parte das críticas, sofre, a meu ver, de uma certa anemia e assepsia. Vá lá que a turma da ótima vocalista Karen O, mais afinada e potente que nunca, inspirou-se na dance music dos anos 70, mas a tecladeira presente em “Zero”, “Heads Will Roll” e “Soft Shock”, que abrem o disco, podem até ajudar a animar uma pista, mas soam como algo já ouvido antes e sem energia inovadora, ainda que essas músicas sejam executadas com eficiência.

Ou seja, faço parte daqueles fãs mais radicais da banda que preferiam a atitude e sonoridade mais sujas presentes nos álbum anteriores, principalmente no ótimo debut Fever to Tell (2003). Nada com a seqüência alentadora das explosivas "Tick", "Black Tongue" e "Pin". Talvez pensando nessas pessoas ranzinzas, é que o Yeah, Yeah Yeahs dá uma canja aos fãs de primeira hora e aumente o volume das guitarras nas precisas “Dull Life”, a melhor do álbum, que chega a lembrar os momentos mais inspirados da excelente Artic Monkeys, e “Shame and Fortune”, com sua batera e cordas dando o tom hipnótico da composição. Destaque ainda para a inesperada mas convincente balada "Runnaway".

Enfim, tenho saudade do trio quando usava o pedal da guitarra e o nervosismo rocker que conquistaram uma porrada de adeptos. E ainda que seja engraçado ser nostálgico com relação a uma banda que ainda está nos cueiros, alimento a esperança que o trio retorne às suas origens mais radicais para saciar essa nossa insaciável fome de adrenalina musical.

Cotação: 3

Cheque a mudança e tente um desses
:

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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ressaca dos bons tempos

Grandaddy está de volta, ou melhor, Jason Litle, o líder da banda indie que fez a alegria de muita gente de 1997, quando o grupo lançou Under the Western Freeway, até 2006, ano do adeus com o álbum Just Like The Fambly Cat. Litle volta a cena com seu primeiro álbum solo, o mediano Yours Truly, The Commuter(2009), produzido num esquema caseiro, no próprio estúdio do artista.

Yours Truly, The Commuter é uma espécie de continuação da música climática produzida pela banda que tornou Litle conhecido. A canção que batiza o álbum, “Brand New Sun” e “Ghost of My Old Dog” é Grandaddy puro. Aqui é possível ver aquele misto de folk music, teclado climático, vozes duplicadas e barulhinhos eletrônicos que deram uma identidade ao grupo. Caberiam tranquilamente em qualquer um dos discos de carreira dos músicos californianos.

A partir da quarta música, a bela e lentíssima “I Am Lost (And The Moment Cannot Last)”, a história muda um pouco de figura. Jason Litle traz de volta o som etéreo da antiga banda, só que numa levada ainda mais low-fi e preguiçosa. São mantidas as texturas eletrônicas e orquestrais, com muito piano, cordas e clima viajandões que lembram Radiohead, com quem aliás o Grandaddy foi comparado maldosamente no início de carreira.

Nessa linha emocional, o ouvinte tem a modorrenta “Fürget It”, onde um sussurrante Litle é acompanhado por coro angelical, e a intimista e envolvente “This Song Is The Mute Button”. Essas duas, aliás, dão o tom, do restante do CD, quebrado apenas pela mais animada “It's The Weekend”, com guitarras mais pesadas e refrão grudento.

É esse clima crepuscular que cansa em Yours Truly, The Commuter. É como se Jason Litle ainda estivesse vivendo a ressaca do fim do Grandaddy. Uma parcela dos velhos fãs vão até gostar da onda nostálgica proposta. O cara, contudo, já foi mais inspirado. Que o diga a obra prima do grupo, The Sophtware Slump(2000). Falta-lhe apenas o exercício para que as luminosas melodias de antigamente retornem. A gente espera.

Cotação: 3

Passe a régua:

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