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A chuva faz a gente parar. E pensar. Refletir que somos reféns da natureza e que há um céu que desaba lá fora. Um céu tão imenso - maior do que o mar que nos aparvalha pelo gigantismo – e opressor que nos sentimos inexpressivos, prisioneiros inquietos nos pequenos e débeis espaços de concreto que nos abriga. A chuva que cai nos coloca em nosso devido lugar, seres humanos indefesos diante daquilo que é maior, incontrolável, sem qualquer poder de mudar paisagens e climas como fazemos em casa – senhores de si – com um controle remoto na mão. Não existe tecnologia que interfira no céu que desaba. Somos nós, sozinhos, e a água dona de tudo lá fora, ser e chuva em diálogo mudo.
Fui a uma festa num sábado. Chácara do Tomé a uns poucos quilômetros de Boa Vista. Lugar agradável, repleto de palhoças para abrigar os festeiros e festeiras espevitados, doidos para serem felizes naquela noite. E lá estava ela lá, intermitente. A chuva fremia a paisagem sem dó e descanso, desafiando a vontade de todos de se divertir. Mas, havia ali no fundo a complacência enraizada, a combinação tácita, subliminar, entre homem e água. E a cada segundo corrido ficava bem claro para mim: a enxurrada era mais uma convidada da festa, a mais comentada e reverenciada delas. Irmã fiel da lama e poças que adornavam toda a área da chácara, do estacionamento pastoso e escorregadio ao gramado quase invisível em volta da pista de dança.
E aí a festa se fazia desapegada. Entregues ao prazer das águas e dos risos, homens e mulheres caíam lúdicos no forró da chuva. Tiravam o excesso de umidade dos olhos para enxergar melhor a noite e o alvo escolhido, e, assim, como moleques brincando ao relento, perdiam a elegância sem culpa. Eles corriam de uma palhoça para a outra, pescando as gotas vadias ou andavam em passos lentos, deixando que a pele se banhasse frivolamente. Elas bailavam no meio da chuva, escorregadias, para se secarem depois resolutas e fingindo carência nos braços sempre abertos dos namorados e das amigas. Desse modo companheiro e compreensivelmente servil, eles e elas cortejavam promiscuamente a chuva, de bem com a vida numa Boa Vista chorosa, prenhe de água e promessas de felicidade.
Fotos de chuva em Roraima: Thiago Orihuela