Mal se passou um ano depois do lançamento de um dos melhores discos brasileiros do ano passado e olha eles de volta. Tudo bem que retornam num projeto sem ares de novidade e lambendo a poderosa cria que agradou a crítica e arrebanhou uma batelada de fãs. Mas, é sempre bom ouvir novas versões de composições inventivas num formato lúdico e completamente despretensioso. Estou falando da banda gaúcha Apanhador Só, que, vergonhosamente, não ganhou espaço merecido entre as resenhas que escrevi na época, mas que pelo menos entrou na lista dos discos nacionais realmente tops de 2010. Aproveito agora para me redimir comentando o divertido Acústico Sucateiro(2011), álbum que traz a reconstrução de nove músicas do debut do grupo e mais uma inédita. O quarteto de Porto Alegre segue a linha criativa dos mineiros do Pato Fu no muito bom Música de Brinquedo(2010) e se utiliza de instrumentos feitos pra crianças e muita, mais muita bugiganga e inimagináveis objetos caseiros para gravar, em ritmo de confraternização, um CD admirável.
Veja o clipe de “Prédio”:
Acústico Sucateiro impressiona primeiramente porque é um trabalho apurado de produção em cima de uma proposta com cara e levada de brincadeira. E das mais divertidas. É possível sentir nas entrelinhas e vinhetas e conversas entre uma música e outra a despretensão do grupo em recriar as músicas do seu primeiro disco. O refinamento veio palpável com a pós-produção, que nem de longe, mascara a leveza desse belo produto. E surpreende também porque, mesmo sem o peso dos instrumentos e de arranjos mais elaborados, as músicas mantêm o carisma que conquistou tanta gente em 2010. Ou seja, não há aqui douração de pílula, gatilhos ou efeitos especiais tão comuns hoje em dia na gravação de discos, mas sim uma oferta sincera do que poderíamos chamar do Produto Interno Bruto dessa moçada do Rio Grande do Sul. E é por aí, acho: o impacto do trabalho vem das boas harmonias, belas melodias e alguns achados poéticos que fazem da curta obra do Apanhador Só uma das boas revelações musicais dos últimos anos. E tudo isso, diga-se de passagem, injetado de simplicidade e muita objetividade, talvez o pulo do gato de Alexandre Kumpinski(voz e guitarra), Felipe Zancanaro(guitarra), Fernão Agra(baixo) e Martin Estevez(bateria).
A reciclagem desse Acústico Sucateiro se sustenta assim na força das canções, mas também na curiosidade provocada pela “instrumentação” utilizada nessa vigorosa brincadeira. O quarteto gaúcho muniu-se de gaiolas, facas, conduítes, latas, panelas, aro de bicicleta, piano e violão de brinquedo, aqueles baratinhos mesmo, entre outras esquisitices, para impor uma sonoridade completamente desapegada na reinvenção das músicas gravadas anteriormente. A banda não buscou a fidelidade com o registro original nessa verdadeira festa entre amigos. E as comparações entre uma e outra versão são, obviamente, inevitáveis. Se no primeiro trabalho, que leva o nome da banda, os arranjos apóiam-se num instrumental cheio, em uma trama sonora bem engendrada na qual a guitarra se sobrepõe e empresta um ar mais rocker ao trabalho, no segundo, o que vale é a experimentação e o predomínio da poesia. Explico: o som minimalista e econômico das sucatas e brinquedos utilizados trouxeram à tona, realçaram a força e a beleza das melodias e letras criadas pela banda.
Ouça a linda "Nescafé":
Ainda prefiro o álbum lançado o ano passado, porque, mais inteiro, alternava zonas de tensão a momentos de leveza trabalhados com invejável equilíbrio nos arranjos inteligentes. Mas, é muito legal ver o talento de o Apanhador Só rebatizado em versões cujo grande mérito é a tentativa de serem diferentes, de causarem novas impressões. Não há preguiça na brincadeira proposta pelo grupo, e sim uma energia vital das releituras que dá frescor à obra. A ótima, e uma de minhas preferidas, “Baião de Vira Mundo”, por exemplo, que tem no álbum de estréia um apaixonado sotaque argentino, emprestado pelo tango que marca a harmonia, ganha tons regionais e vibração na percussão enxuta criada por tambores com batidas secas. E ganha também um andamento mais ligeiro, ao contrário da fantástica “Nescafé” que perde na claustrofobia incitada pela letra e muito bem aproveitada na primeira versão, mas mantém a dramaticidade e sua dolorida carga, aumentada pela ironia e artificialidade dos toques eletrônicos, de raladores e pianinho de brinquedo. Do mesmo jeito, “Jesus, o Padeiro e o Coveiro”, mais cadenciada, menos eletrônica, permite uma melhor leitura da poesia de viés concretista.
E, realmente, retirado um pouco o véu sobre as letras, podemos perceber melhor a sutileza e simplicidade das composições. Na já citada “Nescafé”, que meu amigo Thiago Vekanandry Bala de Icekiss acha de estrutura verbal surpreendentemente estranha, a explícita incomunicabilidade está exposta em signos fortes e cotidianos: “Eu cuspo Nescafé e você chora leite de manhã/Amarro o meu sapato e tu veste o sutiã”. Em “Prédio”, uma das criações mais poéticas do grupo, a acepção de nossas ilusões de óticas emocionais diante da vida: “Não é o prédio que tá caindo/São as nuvens que tão passando/Não sou eu que não tô sorrindo. É teu olho que, lacrimejando”. E na única inédita do disco, também de bela melodia, “Na Ponta dos Pés”, outra característica das canções do grupo, o texto direto e por isso, pegador: “Ei, você: você me deixa na ponta dos pés./E eu, que não sou besta, me estico todo e tento enxergar lá longe, onde tu costuma mirar./Lá longe, onde não consigo nem ver, mesmo que na ponta dos pés”. Acústico Sucateiro é reciclagem sábia que dá sustentabilidade aquilo que já vinha sendo usado e consumido por uma parcela de gente antenada com a boa música do Apanhador Só. Uma obra que apenas sublinha o talento de uma turma que merece ser ouvida. Diversão garantida e gratuita para quem acessar o site da banda: http://www.apanhadorso.com. Ah, e dá pra baixar também o primeiro álbum lá. Se aproxime. Caia nas graças desses gaúchos.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
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As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
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Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
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Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
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O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.