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A brasiliense Fernanda Cabral faz sua conexão com o mundo |
Abraçar o palco, se entregar a arte, compactuar essa paixão com um público reativo, se aventurar. Não deve ser fácil vida de artista. Penso que há que se ter um brilho próprio, desses que faz faiscar os olhos, faz intumescer veias e poros na viagem da sintaxe perfeita entre alma e intenção. Há que se ter tensão, tesão. Quando a gente ouve pela primeira vez alguém cantar, a voz que entra pelos ouvidos da gente manda claras mensagens, faz conexões com aquela zona do cérebro que produz sensações de prazer. Tensão e tesão. E aí, tocado, você diz pra voz: muito prazer. Foi o que aconteceu quando entranhou em mim a voz doce e segura de Fernanda Cabral. Seu Praianos(2011), estréia em CD da artista, é um trabalho de fôlego por meio do qual essa moça tenta abarcar o mundo experimentando ritmos diferentes, um reggae aqui uma bossa acolá, sempre com uma reconfortante elegância e explícita disciplina vocal. Fernanda tem classe e faz de seu debut uma espécie de intersecção de sua contemporaneidade com o passado que produziu, não faz muito tempo, uma MPB consistente e radical. E é assim com um pé lá e outro cá que a bela tenta traçar seu bem trilhado caminho.
Assista clip de
"Roda Menino":
Ecos de Dorival
Caymmi, de Johnny Alf, de uma Joyce, com seu timbre de voz que até
lembra esta carioca, encantada pelo jazz e pelo refinamento, Fernanda Cabral entrincheira-se em
vários momentos em uma MPB de qualidade, vigorosa. Vide "Valentia",
um das canções mais bacanas do álbum com seu arranjo meio jazzístico e sua
letra praiana a falar de pescadores, veleiros e iemanjá. Uma maravilha. Nessa
mesma linha, "Monteiro Lobato" navega em uma bela harmonia e
instrumental precioso, com destaque para o piano e sanfona, para cantar o
telurismo que aquele escritor provoca na gente. Memórias de infância amplificadas
pela voz afinada de Fernanda. Esse
tom classudo que veste ricamente as músicas da artista beliscam em outros
momentos o seu passado menina, brincante que era em terreiros paraibanos, onde
a brasiliense viveu uma parte de sua vida. Do Nordeste vem o batuque, os
chocalhos, a sanfoninha gostosa e a brisa do mar. Essa carga cultural herdada
com sabedoria está em composições deliciosas e alegres. Caso de
"Olhar", com zabumba, acordeão e saudade das ondas tudo em um só
invólucro: "Veja que a vida se comparte. Eu vejo o vermelho da
terra.(...)Percebo o amor que me invade/É tanta saudade do mar e de amar".
Sedutor como um canto sereno de Sereia.
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Fernanda mostra maturidade em sua promissora estréia |
A bela "Praianos", em parceria com Chico César, é outra que estampa esse
eco nordestino e repercute firme em nosso peito. E aí temos, além desses ares
paraibanos, uma letra forte, colorida, plena de imagens poéticas. “A gente se
persegue docemente, quase num flerte transoceânico, por falha humana ou acerto
mecânico.” Troca de gentilezas, do verbo afiado, dessa moça e daquele músico
parceiro, um grande poeta por enquanto meio que escanteado injustamente por
nossa curta e abusada memória. Porque, não falei, Fernanda Cabral é compositora
de pena firme, autora da maioria das músicas e letras presentes em seu primeiro
álbum. Em algumas delas encontra boas companhias para agigantar as canções,
como o já citado Chico Cesar e os colegas espanhóis, caso do produtor do disco,
o pianista Cope Gutierrez, com quem
fez a bem arranjada "Roda Menino". Isso porque a moça roda mundo. Fez
a ponte Paraíba-Brasília-Madrid. Em terras espanholas começou verdadeiramente
sua carreira musical. Cantou com artistas conhecidos naquele país, como Pedro Guerra e Carlos Nuñes. Feito a base lá é que veio, depois, caprichosamente
tentar conquistar os ouvintes brasileiros. Praianos,
aliás, já tocou em praias por aquelas bandas de lá.
Ouça a linda
"Praianos":
Cruzar oceanos tem sido a vida da moça. E talvez tenha sido
essas experiências transoceânicas que deram gás e inspiração para Fernanda Cabral fazer deste um trabalho
universal. Como uma descobridora de mares, rompendo distâncias talvez com o
intuito de ser abraçada docemente por todos. A cantora e compositora explora
novas fronteiras, como sugere na letra de "Horizontes": "Ando em
horizontes buscando teu olhar, atravesso rios que se secam, buscando teu olhar/Será
que você sonhou com o mar, será que você se aventurou?". O mar de Fernanda
é o da boa música, com a tradição imorredoura da MPB enfunando as velas, como um
vento que sopra constante e faz com que ela seja bem recebida em qualquer
porto, de Madri, Lisboa ou Rio ou nas praias de rios e beiras de lago. Basta
ouvir as lindas "Estrelas" e "Silêncio" para sentir que
essa moça vai longe. E sem medo de se arriscar. A aventura de Fernanda mundo afora permite, por
exemplo, passeios por outras linguagens, por outros ritmos, como é o caso do
ótimo reggaezinho "Sinal Verde", uma das mais legais e radiofônicas
do álbum. Praianos chega, assim, como
um cartão de visita dessa brasiliense de canto forte. Fernanda Cabral chega madura, preparando terreno para um salto que
tem tudo para surpreender a todos nós. Que venha mais mares de Fernanda. Que
venha Fernanda para conquistar todo mar.
Cotação: 3
Escute o disco na
íntegra:
http://www.fernandacabral.com/cd-praianos/listen-praianos/