
Quando voltava do Centro Cultural do Banco do Brasil, aqui em Brasília, dirigindo na via que dava no prédio, um estrangeiro pediu informação, com um sotaque carregado, sobre onde ficava o CCBB. Estava com uma cara feliz, brilho nos olhos, como uma criança à beira de se refestelar na Disneilândia. O motivo da alegria me parecia óbvio, ainda que o estranho não tivesse explicitado: ele estava indo ver a exposição
Virada Russa.
Imagino que é assim que reagem os povos das nações milenares mais acostumadas com a riqueza e a beleza das artes plásticas. A oportunidade de ver
Kandinski,
Chagall,
Maliévich e
Rodtchenko, entre outros gigantes da vanguarda russa causa mesmo esse frêmito nos europeus. É a alegria de estar diante de uma arte suprema, única, que influenciou e ainda influencia artistas de todo o mundo. Nós deste país criança, pelo menos a maioria, não temos esse impulso. Somos ainda ignorantes e incautos.

Por isso ir ao CCBB para ver os russos deve ter a aura de um ritual. As 123 obras do Museu de São Petersburgo, uma coleção exuberante, é pra ser vista de joelhos. E mais de uma vez. Afinal, essa é uma chance raríssima de ver craques da arte mundial, como
Chagall, que participa com a linda e conhecida tela
Passeio (veja ao lado), com todas as característica que marcaram seu trabalho: leveza, cor e onirismo.

Na exposição
Virada Russa, o visitante pode dar de cara também com o colorido impactante e multifacetado das obras de
Kandinsky(foto ao lado), outro mestre do moderno, e de
Kazimir Maliévich. Esse ganhou uma sala própria. O único. E não poderia ser diferente. Ele foi um dos maiores, se não o maior, incentivador de uma vanguarda – no plena acepção dessa palavra – que polemizou a Rússia e ainda guarda uma vitalidade impressionante.

De
Maliévich, três das pérolas expostas são ícones do modernismo que, pessoalmente, não me agradam muito:
a cruz,
o quadrado(foto) e o
círculo, figuras geométricas pintadas em preto sobre fundo branco. Refletem a complexidade de um artista em busca da forma simples e absoluta, mas com extremo rigor formal, e que acabou gerando a escola Suprematista, criada por
Maliévich e da qual se tornou seu maior representante.
Ninguém pode negar a surpreendente coragem dos russos de perseguirem uma nova forma de arte. E é essa a grande percepção da
Virada Russa, no CCBB. Ver um bando de artistas nas duas primeiras décadas do século passado, à beira da revolução soviética, desafiando a tradição com uma linguagem pictórica extremamente moderna. E você pensa como essa galera chegou a esse nível de experimentação tão fantástica num mundo, principalmente o russo da época, tão preso ainda ao passado.

Tão bacana quanto vislumbrar o futuro num passado distante, quase cem anos atrás, é ter a oportunidade de conhecer artistas fabulosos dos quais você nunca ouviu falar. Caso de
Natalia Gontcharova (obra ao lado)e
Pavel Filónov, a primeira, representante do raionismo, escola feita de abstração e pinceladas curtas e nervosas. O segundo foi seguidor supertalentoso do construtivismo. Desse, a tela
Guerra com a Alemanha (foto abaixo), com todo seu detalhismo, simbologia e criatividade, é de tirar o fôlego.
Virada Russa é dessas raras exposições que ficam na memória. Uma aula de vigor e sensibilidade que educa e ajuda o visitante a entender um período da história de renascimento cultural invejável. Arrefeça sua ignorância e vá com urgência.
Cotação: 5