
Pior para o outro jovem, que dirigia o carro em que o músico
se encontrava. Esse não sobreviveu ao choque, a esse curto circuito inesperado
que o deixou para sempre sem acordar. Um quase homem, um quase menino de 22
anos que tinha acabado de realizar um sonho: cursar uma faculdade de medicina.
A cidade toda soube, a cidade toda pasmou-se. E veio aquelas imagens na TV da
família velando o corpo, de dezenas de rostos aturdidos mirando o chão como se
procurassem no meio do asfalto, da terra, a explicação para algo que nunca resiste
a qualquer tipo de explicação: a morte provocada pela truculência do outro.
Veio o pesar e a indignação de todos.
E depois disso, o que há de vir? Vai ser apenas mais uma
morte no trânsito cada vez mais desordenado da cidade ou vamos tirar,
finalmente, lições em uma cidade condescendente com os abusos no trânsito, com
motoristas desrespeitando solenemente as leis, com motoqueiros diminuindo com
suas loucuras o espaço entre a vida e o cemitério, com pedestres que se acreditam
ainda em uma cidade do interior? Não existem blitz efetiva na cidade, só
arremedo de uma fiscalização que é driblada pela maioria. Os motoristas riem
das blitzes, ligando para os colegas marcando com um "x" no mapa onde
estes não devem circular. Os donos de
L200, de conversíveis acham-se donos do pedaço, os filhos de papai fazem de um
estacionamento bem próximo ao centro da cidade, ao lado de uma das avenidas
mais vistosas de Boa Vista, um circo de horrores, um palco de narcisismo e
intolerância.

A morte de um jovem estudante de medicina, a vida de um
outro garoto sobre uma fina lâmina têm que ficar na memória todos os dias de
quem anda na ruas, para que nos expiemos dos erros que cometemos no trânsito e
que, diariamente precisa, ser consertados. Deve servir de expiação para as
autoridades que colocam venda nos olhos e deixam que cenas trágicas se repitam
sem tomar atitudes mais drásticas. Nessa hora é preciso coragem. É preciso
estar atento e forte. É preciso coragem para dar um basta de vez no desrespeito
e horror e, enfim, sermos cidadãos orgulhosos guiando nossos carros e andando
nas ruas da cidade. Civilidade no trânsito: Boa Vista precisa.