Um homem e uma planta. Uma relação radical, entranhada, dessas que geram comentários rumorosos e cuidadosa admiração. Não, não é nenhuma história fantástica envolvendo algum jardineiro ou botânico, muito menos uma moralista fábula de Esopo. Me & the Plant é como se autodenomina uma dupla formada por um músico e um cactus(!). A parceira espinhenta e onipresente, no caso, é ela, a inspiração e porta-voz desse dueto que acaba de lançar um álbum com nome tão estrambótico quanto o relacionamento entre os dois. The Romantic Journeys of Pollen(2011) nasceu à sombra dessa brincadeira. A tal planta aparece em videoclipes e responde à imprensa. O misterioso site do duo (www.meandtheplant.com) reforça esse divertido marketing, algo na linha do que fez Damon Albarn com seu grupo virtual Gorillaz, pouco revelando quem realmente está por trás desse assombroso disco todo cantado, e muito bem cantado, em inglês, uma saborosa mescla de folk e indie que chegou aos meus fascinados ouvidos como uma das mais belas e vigorosas surpresas do ano.
Veja clip de "On my Own":
Quando escutei The Romantic Journeys of Pollen, me veio de cara à mente Belle and Sebastian, Elliott Smith, Wilco, Tim Buckley e outros expoentes da melhor cepa do folk e da indie music. Tão grande era a espontaneidade e inventidade das composições que logo fiz ilações afoitas. Apostei de início que o grupo vinha de algum país nórdico, região européia de onde tem brotado bandas que assumiram com talento aquele gênero musical marcado pela suavidade, intimismo e melodias sinuosas. Comecei a desconfiar da minha apressada aposta quando ouvindo “We Want your Genes”, percebi a pronúncia cristalina de uma curta frase em português. Era um “que será, será”, como na trilha sonora de O Homem que Sabia Demais(1956), de Hitchcock, sem o sotaque histriônico da bela Doris Day. Curiosidade aguçada, fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri que o alter ego da planta e mentor do grupo era na verdade um brasileiro, um músico e redator de voz forte chamado Vitor Patalano. Ora ora, pensei, quem achava que o melhor do nosso folk e indie estava em figurinhas etéreas e carimbadas como Mallu Magalhães, deve ter levado um susto ao ouvir esse ótimo candidato a Neil Young brazuca.
Findo as dúvidas e elocubrações me entreguei ao deleite de um disco construído com beleza, sensatez e inteligência. Por trás da poesia concreta e melodias inspiradas do trabalho está ninguém menos que Kassin, um dos melhores e mais cobiçados produtores musicais do Brasil na atualidade. Para engrossar o caldo, Patalano, que assume os vocais ao lado da Planta, se cercou ainda de um refinado time de feras para dar vazão à sua até então, para a grande maioria dos pobres mortais, insuspeitada arte. Convidou Rodrigo Barba (ex-Los Hermanos) para tocar bateria, Gabriel Bubu, da ótima banda Do Amor, para arrepiar no baixo, e Marcos Lobato, no teclado, para criarem juntos todo o climão rocker que impressiona na obra. O resultado é pra lá de convincente. Como um jogo bem jogado do Brasil na Copa de 70. Tudo flui com ritmo e intensidade à serviço de canções que arrebatam e que não deixam nada a dever, arrisco aqui de peito aberto, ao que fazem os bons grupos que nasceram em países mais afeitos ao gênero de rock que Me & The Plant defende com tanta sobriedade e paixão.
Ouça a poderosa "Underdog":
O cardápio folk-indie oferecido em The Romantic Journeys of Pollen é farto e generoso. São treze canções competentes que trazem na alma a beleza melódica e atmosfera típica daquelas duas vertentes do rock and roll. A começar pela forte “Death Cheating Tuna Cowboys”, com introdução que remete a música árabe, mas que logo se transforma em algo próximo do country rock com letra e refrão memoráveis. A ótima e mais animada “Butcher The Savior”, folk de carteirinha, tem levada rítmica mais marcada, com coro atmosférico e arranjo espertíssimo. “Cordillera Girl” é puro Belle and Sebastian, “indie fofinho”, como foi denominada pela crítica cabulosa a música dos escoceses. “And It Goes Like This” segue a mesma trilha da delicadeza, com belo solo de cordas e interpretação sensível do vocalista e letrista. Só perde em beleza para a nostálgica “On my Own” e a melancólica “Seagulls”, de estraçalhar corações com seu piano lentíssimo e melodia com ataques atonais que lembram um pouco a fase mais introspectiva e menos pop de Thom Yorke, visceral líder do Radiohead.
Tão cheio de baladas e canções pra embriagar corações e mentes, o álbum do Me & The Plant surpreende também em seus momentos mais ácidos e buliçosos. Duas das minhas preferidas são “The Core”, outra canção com grande melodia que namora com o country e que traz a marcante voz de Patalano prenhe de seu poder, e “Underdog”. Essa última carrega o espírito do rock desgarrado, daquela fonte onde bebeu sedentamente ícones como Velvet Underground e Leonard Cohen. Por tudo o que mostrou nesse seu disco de estréia, não tem como negar a universalidade e talento da música desse carioca de batismo e sua amada Planta. Raro são os álbuns que se mostram tão equilibrados e coesos. Ainda mais em uma estréia. Isso talvez se explique pela maturidade de seu autor, um músico de 39 anos que só agora resolveu dar a cara a tapa. A clara maturação das composições (parte delas compostas na Patagônia) presentes no CD, que será lançado fisicamente apenas em agosto, rendeu uma obra também madura e superlativa. Sólida como uma poderosa planta depurada e protegida pelo tempo. E isso é só o começo.
P.S.: As fotos de plantas que ilustram esta resenha foram retiradas de um site cujo link está no endereço do Me & The Plant. Conheça: http://www.laurieknight.net/
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
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As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
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Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
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O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.