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Cordeiro posando de brega kitsch: novidade pulsante |
Felipe Cordeiro é
um nome que tem freqüentado rodinhas bacanas, ecoando em ouvidos de quem vive a
incansável busca da nova batida. Um nome com verniz e com raiz. Sobrenome que
faz todo o sentido no voluptuoso Pará, onde fez a caminha. E o mais importante,
um cordeiro com substância, tenro, cevado com a consistente fusão de ritmos que
fazem de Belém hoje um dos mais instigantes laboratórios musicais brasileiros.
A gente sabe, o Pará está na moda, pelo menos nas vitrolas. Tem a impagável Gaby Amarantos, aquela multicolorida da
abertura da novela da Globo. Teve antes disso a excelente galera do La Pupuña,
que fundiu rock e guitarrada, aproveitando-se da infindável eletricidade do
instrumento que é base e alma daquelas duas invenções. E tem esse menino, esse
Felipe Cordeiro que explora como Gaby,
o pop, e como La Pupuña, a energia
da guitarra, para fazer de Kitschpopcult(2012)
o que este título vende tão claramente, um mix de sonoridades ambientado com
esperteza e talento. Um disco metido a popular com um bafo de inteligência
que o transformou numa das bons lançamentos de 2012.
Veja Felipe no Altas Horas:
A raiz de Felipe
Cordeiro é sua relação umbilical com os sons que marcam profusamente
o estado em que nasceu. Carimbó, guitarrada, o brega e as fusões que a
proximidade do Pará com o mar do Caribe proporcionam, tudo isso como uma
esfuziante escola, como uma inesgotável fábrica de alegria pura e de
sensibilidade a flor da pele. Mais do que respirar esse provocante ambiente
musical, Felipe vivenciou diretamente o exercício de todos aqueles ritmos numa
relação quase que osmótica. Seu pai, Manoel
Cordeiro foi o maior produtor musical da região Norte brasileira de discos
de carimbó e guitarrada, de artistas populares que ainda arranham a memória
das novas gerações. Um homem com os pés fincados no barro paraense. Esse
espírito herdado pelo pai e muito bem absorvido pelo filho é o ouro bruto de Kitschpopcult. Não a toa o álbum é
dedicado muito justamente ao velho Manoel
das muitas lidas. Tá lá os sons balouçantes que moldaram o gosto de milhares de
paraenses devidamente lapidados por uma refinada e experiente produção, o toque
de Midas desse delicioso e dançante álbum.
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O cantor na capa do disco: composição brega |
Por trás das canções criadas por Felipe Cordeiro está André
Abujamra, paulistano raro, acostumado ao trato das sonoridades do mundo,
como ficou evidenciado na época em que capitaneou o inesquecível grupo Karnak. A verve multicultural
de Abujamra deu-lhe tranqüilidade para trabalhar a proposta de Cordeiro. Este
paraense, competente guitarrista, era um nome conhecido da cena local. Como Chico Science e o maracatu atômico,
enxergou na guitarrada, no carimbó e no brega a potencialidade e apelo pop que
esses ritmos carregavam. Agregou a eles um toque moderno, uma moldura
contemporânea que os aproximou da galera esperta. Abujamra aparou arestas e, no
frigir dos ovos, ganhamos um álbum em que mergulhamos, sem ranços folclóricos,
numa música envolvente e cheia de energia. A alta voltagem e a planejada
modernidade já se mostram na primeira música do CD, “Legal e Ilegal”, uma
síntese dos ritmos paraenses, azeitados por metais e guitarras sinuosas. A
letra entrega um compositor inventivo, antenado com os sons e doideiras do planetas: “Aguardente
no bom samba canção/Caspa do diabo no rock and roll/ Erva do amor no reggae and
night/Cultura sintética no drum’n’bass/Cuba libre na salsa peruana”. Aditivos
que estão no justo compasso dessa composição suingada e dançante.
Escute a delicada “Historinha”:
Suingue e tradição misturada à contemporaneidade, aliás, é o
que de melhor nos apresenta o álbum. Felipe Cordeiro convence, por exemplo,
quando investe sem restrições na guitarrada, ritmo construído com guitarras
nervosas, como na pulsante “Lambada com Farinha”, que traz uma inesperada
introdução metida à erudita, com orquestração tensa. Um toque diferente para
quem busca, claramente, diferenciais na mistura a que se propõe. Lambada com
Farinha... já pensou?. Pode ser estranho, mas funciona. Assim como pega bem a
cabeçuda “Conversa Fora”, na qual viaja, sem pudor, no tecnobrega – sem aquelas
repetições sonoras enervantes de certos grupelhos, vide Dejavu – e de quebra oferece um
mantra pegajoso: “Não ponha rancor pra dentro/só jogue conversa fora”. Um bom
conselho dado de graça, como diria o velho Chico Buarque. Nessa linha mais pop,
Cordeiro nos presenteia com duas ótimas músicas, duas das minhas preferidas
“Fogo de Morena”, um irresistível carimbó com todos os elementos que o fizeram
conhecido, incluindo o coro feminino malicioso, e o brega “Fim de Festa”,
desses instrumentais feitos para dançar agarradinho, de preferência com algumas
doses de cachaças a requentar o sangue.
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Mistura do som tem boas talagadas de tradição |
Apesar de toda a influência que assimilou dos ritmos
regionais típicos do Pará, Felipe Cordeiro não é um Pinduca. Debaixo da ponte
de sua formação musical muita água rolou. E Kitschpopcult traz também outros
sons que fizeram sua cabeça. É aqui, na minha opinião, que o disco perde um
pouco de sua força, mas, diga-se de passagem, sem perder a graça. Se a levada
pop rock de “Fanzine Kitsch”, que lembra absurdamente o diálogo bem humorado da
clássica “Você não soube me Amar”, do teatral Blitz, cai apenas no terreno do
curioso, o paraense mostra-se mais afiado e sedutor em outras batidas. São os
casos da boa “Dias Quentes”, com um tom circense e letra bacana, e da linda
“Historinha”, que começa lentinha, ensaiando, juntamente com a poesia bem
elaboradinha, um crescente que descamba na apoteose sublinhada por um ótimo
solo de guitarra com equilibrada carga regional. Um instigante final de disco,
um ponto final de uma história de amor a tradição, refogada pelo moderno, que
pode render outros bons achados, espero com sinceridade, da estirpe desse garoto
chamado Felipe Cordeiro, um artista com nome e sobrenome. Que o Pará baixe
sobre nós com toda essa sua desapegada alegria.
Cotação: 4
Bandeie-se pro Pará:
http://www.4shared.com/zip/T-P3t4I5/felipe_cordeiro_-_kitsch_pop_c.html
Cotação: 4
Bandeie-se pro Pará:
http://www.4shared.com/zip/T-P3t4I5/felipe_cordeiro_-_kitsch_pop_c.html