As mulheres são seres sobrenaturais, provavelmente o que de melhor temos circulando hoje na face da terra, ao lado do último disco do Arctic Monkeys e de Árvore da Vida, filme redentor do sempre surpreendente Terrence Malick. Nós homens, tão crucrinhos, temos perdido a noção da evolução. O início de tudo, aquele macaco darwiniano que descambou no pitercantropus erectus, deu uma arrancada, mas foi perdendo força com o andar estertorante dos séculos graças a uma certa pretensão dominadora. Meio que estagnamos numa espécie de lama narcísica. Já a mulher, bem mais inteligente, foi comendo pelas beiradas, crescendo com os erros dos machos, apegada na doce sustentabilidade do gênero erroneamente visto como “sexo frágil”. Tá passando da hora das mulheres dominarem o mundo com sua fortaleza e malícia. E não vejam aqui nenhuma defesa implícita à nossa executiva Dilma, ainda que ela seja uma mostra da competência delas de ganharem espaço. Falo de todas aquelas que jogam luzes sobre sua potencia e talento. Falo especificamente daquelas que mostram soberanas suas armas, como é o caso da intrépida Adriana Calcanhoto e seu mais recente trabalho, o álbum O Micróbio do Samba(2011).
Assista ensaio de “Eu Vivo a Sorrir”:
Adriana é o típico exemplo de uma mulher que amadureceu com inteligência e bom gosto. Recordo bem de quando ela me ganhou com uma interpretação plácida de “Naquela Estação”, música de melodia fácil dos craques Caetano Veloso, João Donato e Ronaldo Bastos inscrita no seu primeiro álbum, Enguiço(1990). Vi o show daquela loura oxigenada, era o que parecia na época aquela cantora branquíssima em minha visão empobrecida de um cara ainda casto, no saudoso Projeto Pixinguinha, em Brasília. Sala pequena e aquela mulher sozinha com o violão descansado sobre as pernas, divertindo o público com uma versão moleque de “Caminhoneiro”, de Roberto Carlos. Dava pra perceber que aquela gaúcha tinha algo a mais a oferecer do que interpretações lúdicas das composições de outros.
Escute a deliciosa “Mais Perfumado”:
Dela mesma, de punho próprio, viriam depois pérolas disseminadas ao longo de uma agora já longa carreira, a exemplo das bem engendradas “Esquadros”, “Aconteceu” e “Parangolé Pamplona”, para ficar em apenas três.Meio tempo em que ela angariou desafetos e um burro desprezo da crítica ranzinza que não a via mais como novidade, mas como uma cantora acomodada pelo peso e saturação das curtidas horas. Apesar dos altos e baixos, sempre guardei carinho por ela, até nos momentos menos inspirados de sua discografia. Sei lá porque, talvez por um crédito emotivo pela trilha sonora composta por ela e emprestada para instantes solares de minha vida.
Desde Maré(2008), um disco robusto e subestimado de Calcanhoto, reatei minha estima, adormecida até então, pela artista que sempre buscou, a seu jeito manso, se reinventar sem querer revolucionar. Com O Micróbio do Samba, ela continua essa procura, se concentrando nos sambinhas, gênero que sempre esteve aqui e ali em sua carreira. Dessa vez, deixa-se tomar pelo vírus do batuque sem necessariamente cair na bagaça, no frenesi do sambão sensual e hipnótico de terreiro. Faz sambinhas quase bossanovísticos, alguns carregados de uma disfarçada melancolia, caso do cadenciado “Eu Vivo a Sorrir”, a música que mais parece com a Adriana que a maioria conhece, com sua letra de marcante medula poética. “Eu vivo a sorrir pro caso de o acaso estar num bom dia/pro caso do destino me haver reservado a alegria/E o meu fado estar fadado a ser a sua sina”. Outros deles têm harmonia estranha ao gênero como a tensa “Aquele Plano para me Esquecer” e “Pode se remoer”, esta que nem samba se parece.
Mais fiel ao ritmo, sem perder a cadência do samba marcha lento, são as boas “Mais Perfumado”, dedicada a nova cantora Thaís Gulin, “Beijo Sem”, que lembra o estilo elegante e a rubrica do grande Paulinho da Viola, e a carnavalesca “Deixa, Gueixa”, com ares e espírito de bloco de Rua. Todas assinadas exclusivamente por Calcanhoto, à exceção de “Vem Ver”, em parceria com Dadi, as composições são uma homenagem personalíssima e pouco ortodoxa da artista a esse gênero musical que vive subvertendo nossa cultura, imorredouro que é e sempre trazendo novas propostas e roupagens. O samba tem que dar ainda e Adriana, simpatizante declarada já fez a sua parte. Contando aqui com o auxílio mais do que luxuoso de gente como Davi Moraes, Domenico e Rodrigo Amarante, que participam com dedicação dessa obra.
E se O Micróbio do Samba não é o melhor de Calcanhoto, que nunca será uma sambista de carteirinha, o álbum se sobrepuja nas letras, ora marcadas pela irreverência ora pela poesia com marcante conteúdo, como nesse último caso na já citada “Eu vivo a Sorrir”. E essa tem sido provavelmente a característica mais realçada do disco pela crítica de plantão. E fica mesmo difícil não ressaltar esse ponto forte diante da malícia e ironia de composições que trazem uma malandragem poética, como fizeram alguns bambas do início do século passado, tipo Assis Valente, Ataulfo Alves e Wilson Batista, entre outros, mas com um discurso inverso. Sai o machismo e entra o feminismo. A nova mulher que dá a cara a tapa, no sentido de enfrentar o mundo, é claro, aparece inteira, independente. Em “Beijo Sem”, Adriana decreta, em nome de todas elas: “Eu não sou mais quem você deixou, amor/ Vou a Lapa decotada, viro todas, beijo bem”. O homem aqui é um rendido a essa mulher que sabe o que quer, como em “Vem Ver”: “Por você tomava rumo, arrumava o que fazer/eu levantaria cedo, eu cuidava do bebê”. Vale viajar nas letras, nesse admirável mundo novo das mulheres prontinhas para conquistar a terra, como seres sobrenaturais que são. Permita-se esse passeio no disco, permita-se ser dominado por elas.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
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As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
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Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
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O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.