
O gostar é um mistério. Daqueles mais incríveis e que fazem da natureza humana um fantástico e insondável calabouço que ajuda a tornar todos nós, homo sapiens, seres admiráveis. Há alguns anos atrás conheci a música do paulista
Kleber Albuquerque(esse cara aí do lado) e, não sei por que motivos, resolvi gostar dele. Despretensiosamente. Poucos amigos embarcaram na minha. Poucos críticos, que eu saiba, teceram loas a sua arte. Quase nenhuma Maria Bethânia quis gravar alguma música dele. Mas, eu, a cada disco lançado do artista, ia liquifazendo suas canções dentro de mim. E ele foi se abancando, ajeitando, quarto pronto, a caminha e o travesseirinho, na minha casa do gostar.
Kleber Albuquerque lançou recentemente seu sexto trabalho, de nome banal,
Só o Amor Constrói (Gravadora SeteSóis, 2009). Confesso que havia uns dois anos não visitava as músicas desse querido, quase um velho amigo, compositor e cantor. Como que se ele tivesse tirado umas férias da minha casa do gostar. Mas, seu quartinho, pude perceber com carinho, estava esperando por ele. Ouvindo seu novo álbum fui entendendo as razões da minha simpatia e admiração particular pela sua obra. O artista mantinha, com sólida coerência, ainda que com vigor arrefecido, seu discurso amoroso, sua verve crítica e as melodias sentimentais daqueles que cantam colocando o coração pela boca.

Colocar o coração pela boca, se doar inteiro na poesia, como se cada canção fosse uma espécie de retiro espiritual. É, talvez fosse esse o motivo, me veio agora com o reencontro e com o peso das idéias amadurecidas, que me fez gostar de
Kleber Albuquerque.
Só o Amor Constrói não é o seu melhor trabalho. Discos mais intensos como
17.777.700(1997) e
Para a Inveja dos Tristes(2000) continham músicas inspiradas que me faziam assobiá-las entre o cafezinho do fim de tarde e a montanha de serviço que me aguardava na noite que se avizinhava. Mas, o álbum traz de volta o velho
Kleber de guerra, sincero como sempre e capaz, como sempre, de construir canções tão doces quanto incisivas.
O universo radical e emotivo que move
Kleber Albuquerque vem à tona em pelo menos três músicas que figuram entre as melhores que já produziu. Esse radicalismo está na valorização da família e da ancestralidade refletida “nos olhos do pai de meu pai e nos olhos da mãe da primeira mãe” em “Geração”, de melodia triste e bonita. Está nas imagens da infância recuperadas em atos cotidianos descritos em “Calafrio”, que conta com a participação de
Renato Braz, uma das melhores vozes masculinas da MPB atualmente. As notas vermelhas no boletim, o prazer de brincar no quintal, imagens que navegam numa sonoridade que lembra a telúrica poética musical do Clube de Esquina de
Milton Nascimento e seus parceiros mineiros.

O terceiro achado de
Kleber Albuquerque é “Por um Triz”, na qual se vislumbra uma velha prática do artista, que é a de explorar com propriedade a riqueza melódica e vocabular de nossa língua mátria. Junta uma canção de melodia cativante, beirando a melancolia, a uma letra de viés concretista. Bom poeta, nos prende quando canta o lamento daquele que constata que “o triste é que pra ser feliz foi por um triz”. Todas as músicas, com arranjos caprichados, no qual se sobrassaem um bandolim e uma sanfona arrepiantes, ficaram a cargo da excelente
Miniorkestra de Polkapunk (
André Bedurê,
Estevan Sinkovitz,
Gustavo Souza,
Paulo Souza), que dividem a assinatura, com muito justiça, deste
Só o Amor Constrói.
A coerência de
Kleber Albuquerque está ainda nas suas criações pops, que tentam envolver o ouvinte com uma temática leve, sem perder a inteligência jamais, e que revelam o lado mais lúdico do artista. É o caso de “Só o amor Constrói”, onde cita Che Guevara em meio a uma levada brega, com seu típico tecladinho de churrascaria. Chega mais perto do radiofônico na pegajosa “Teve”(em parceria com
Zeca Baleiro), uma crítica ferina a TV e seus apelos comerciais em ritmo de reggae. Mas acerta mão mesmo, nessa busca do equilíbrio entre o pop e o definitivo, em "Logradouro", com melodia intensa e refrão delicioso: “Você verá, eu vou ser feliz de dar dó/ Vou rir até desaprumar as parabólicas”.

No mais há derrapadas, como sempre, a exemplo do rockabilly “Sete Faces”(yeah, o rock faz parte da cartilha musical do compositor) e da versão acelerada, na onda do ska, para “Esquadros”, de
Adriana Calcanhoto. Nada porém que afete essa minha inabalável fé na ternura que escorre pelas linhas e entrelinhas das canções de
Kleber Albuquerque. Muita gente pode achá-lo chato e meloso. E até dizer que ele tem uma vozinha lá não muito convidativa (e aí, até concordo). Mas, esse mistério do gostar hoje em mim, pelo menos no caso desse artista de vozinha pouca, está bem resolvido. É na sinceridade desse
Só o Amor Constrói que quero me espelhar. Ouça o disco. Ame-o ou deixe-o, mas se permita.
Cotação: 4
O elo para esse disco amoroso:http://rapidshare.com/files/296817191/kleber_albuquerque_so_o_amor_constroi.rar