![]() |
Cohen em ação: 77 anos de puro talento e genialidade |
Existe uma versão de uma música tão linda quanto uma pode
ser, a versão e a música, que às vezes me faz chorar. Principalmente quando
estou entregue sem forças ao ruminar da tristeza nas tardezinhas, sempre elas,
que caem inevitáveis e tão solenes. “Hallelujah”, interpretada lindamente por Jeff Buckley em Grace(1994), um dos meus discos de cabeceira, tem um poder
inclassificável, desses que só os clássicos, as criações afinadas com a
perenidade e a beleza possuem. Por trás dessa música há ainda o talento de um
cara genial que elabora melodia e letra como quem se dá aos primeiros raios de
sol depois da invernada, com uma rara intensidade. E é essa sensação que nos
presenteia o compositor daquela música, a que me faz chorar de quando em vez, o
canadense Leonard Cohen com o
rumoroso Old Ideas(2012), o primeiro
CD de inéditas depois de Dear Heather(2004).
Oito anos após o silêncio incomodante, que não é incomum no caso desse artista,
Cohen reaparece com o mesmo brilho e encantamento de quem fez de Songs of Leonard Cohen(1968) e Songs of Love and Hate(1971)
indiscutíveis obras-primas da música internacional. Coeso e soberbo, o bardo
mostra que o tempo, esse senhor cheio de arestas, não amainou sua habilidade de
nos causar espanto e abdução.
Veja vídeo de “Come Healing”:
Não tem como negar. Um disco de Cohen aos 77 anos, e muita cachaça depois, é um acontecimento. Old Ideas é exatamente o que prenuncia
seu título: um desfilar de conceitos e sonoridade que já conhecemos antes na
econômica, porém referencial, discografia do músico. Nada de novo, tudo de
velho nas dez canções que iluminam o álbum. E tudo isso é maravilhoso porque,
como sempre fez na arquitetura musical de sua alucinada vida, Cohen destila sua poética e melodias
com precisão e alto impacto. E, como manda a sabedoria, assumindo sem firulas a
sua idade. Esse é sem dúvida um dos grandes baratos, um dos achados do disco. Em
uma recente entrevista disse em definitivo: “Tudo o que ponho na canção é minha
própria experiência. É só minha experiência". E o velhinho cheio de
convicções e idéias abre o livro do cotidiano para se declarar resignado com o
peso das rugas e de um passado um tanto heavy que o consumiu vorazmente. Tanta
milhagem, tantas dores e amores, o estertor das horas geraram o discurso do
conformismo. “Não tenho futuro, eu sei que meus dias são breves/O presente não
é tão agradável, só um monte de coisa pra fazer”, canta com paixão em
“Darkness”, uma das pérolas que nos oferece docemente.
![]() |
Old Ideas: velhas idéias com a beleza de sempre |
A herança de sete décadas em que música de qualidade e vida
dissoluta caminharam assim lado a lado não poderia ser mais aprazível para nós,
agraciados ouvintes. O “bastardo preguiçoso que vive dentro de um terno”, como
o canadense se definiu na faixa “Going Home”, que abre espetacularmente Old Ideas, parece viver sua enraizada
maturidade em estado de graça. Espiritualizado e com um discurso afiado, ele
empresta suas letras, em parceria com o também produtor do álbum Patrick Leonard, para tatuarem melodias
que remontam, em muitos momentos, aos mais inspirados insights de sua carreira.
A reduzida produção do artista, aliás, sempre foi marcada pela qualidade,
elegância e bom gosto. E é isto que podemos ver com clareza na assumpção da
velhice e suas inevitáveis conseqüências que perpassa todo o último trabalho de
Leonard Cohen. E isso significa
também entender que esse caminho passa pela manutenção de um estilo cool, suave
e tradicional de se fazer música. O Cohen
de agora revisita o folk, o country e o rock classudos em arranjos que, se nada
acrescentam ao passado do artista, reforçam o cancioneiro que influenciou tanta
gente nas últimas cinco décadas.
Veja vídeo com versão de Jeff Buckley para “Hallelujah”:
A beleza do repertório de Old Ideas já se inflama nas três
primeiras canções, nos três primeiros relatos de experiência de vida assinados
pelo “bastardo”. Em “Going Home”, citada anteriormente, o vozeirão gutural, com
coro feminino em contraponto, aumentam a realeza dessa rica composição que nada
deve às clássicas criações de Cohen. O coro de mulheres, tão apreciado pelo
cara, está presente inclusive em todas as faixas em arranjos espertos,
realçando a voz já gasta do artista, mas que ainda impõe respeito e hipnotiza.
E hipnótica é a canção seguinte, a também inspirada “Amen”, pungente e dolorida
com seu banjo, bateria compassada e baixo climático, bem ao estilo folk que
alçou Cohen ao panteão dos mitos. Joga logo na seqüência o tapete vermelho para
uma das mais melancólicas músicas do disco passar, a intensa “Show me the
Place”. Um piano solitário introduz uma letra com viés metafísico: “Mostre-me o
lugar onde a palavra tornou-se um homem, mostre-me o lugar onde o sofrimento
começou”. De cortar os pulsos. Mas, antes que isso possa acontecer, o bardo
levanta o astral com “Darkness”, repleta de frases cortantes e um teclado
infernal que aproximam a canção da vertente rock and roll.
Difícil parar de destacar essa ou aquela composição em Old Ideas. Leonard Cohen sugere que trilhemos uma via em que sua alma
irrequieta e sincera sinaliza curvas abruptas ou retas abusadas. Conta num canto falado e sem cerimônia casos
de corações em chagas, como na meio jazz “Anyhow”, na qual um homem se diz maltratado
por uma mulher, que não consegue, mas que deveria esquecê-lo. Ou propõe um
afago na sensual e encantadora “Lullaby”, uma das melhores do CD, com sua gaita
chorosa envernizando uma belíssima canção de ninar. “Durma, querida, durma, os
dias estão correndo, o vento nas árvores estão falando em línguas/Se seu
coração está doído, eu não sei. Se a noite é longa, aqui está minha canção de
ninar”. Cohen é, enfim, nesse disco, Cohen inteiro, um poeta e cantor maior que
compõe com naturalidade e brilho. Ao fim da audição do álbum, temos a exata
impressão de que a longa espera valeu. O cara saiu da toca para lembrar ao
mundo que há um gigante atrás daquela pele flácida, vincada pelas pesadas e
marcantes emoções que só um gênio vive. Taí um discaço, mais uma lição de
grandeza para que as novas gerações incorporem, levantando agradecidos aos mãos
para os céus.
Cotação: 5
Baixe agora ou cale-se para sempre:
http://freakshare.com/files/kr5khalp/Leonard_Cohen-Old_Ideas-2012-pLAN9.rar.html