De quando em vez esse nosso imenso e desregrado país, em meio a corriqueiras notícias de corrupção e tragédias anunciadas, nos delicia com aquilo que o faz realmente grande e único: a mestiçagem. Não adianta fugir dessa doce condição: somos vários e plurais. Da pigmentação da pele ao gosto musical moldado pela irrequieta alma que tem uma inequívoca vocação para a festa. E, de vez em quando também, essa natural musicalidade provoca redescobertas que só reforçam admiravelmente nosso DNA. O álbum de estréia do projeto Baiana System é um exemplo cabal e luminoso disso. Uma bela experiência e homenagem que está trazendo de volta às ruas e palcos a estridente e brasileiríssima guitarra baiana, passeando agora por mares e timbres nunca dantes navegados.
Veja ensaio da música “Da Calçada pro Lobato”:
A guitarra baiana, ou guitarrinha, como apelidaram carinhosamente os soteropolitanos, é uma invenção do diabo. Foi criada lá pelos idos dos anos 50 do século passado pelos geniais foliões Dodô e Osmar, que deram ainda a ela um berço móvel para desfilar e que se tornaria para sempre um ícone do povo baiano, o trio elétrico. Um e outra são contemporâneos endiabrados, genuínas máquinas de produzir barulho e alegria. O disco do Baiana System, que leva o mesmo título do projeto, resgata essa farra musical, incrementada com outras sonoridades tão diversas quanto possível, sem perder a brasilidade jamais. Raízes nordestinos, levadas orientais, samplers e dub jamaicano(daí o system do projeto) são temperos comuns, mestiços, que, juntos ao miúdo instrumento baiano, fazem de Baiana System(2010) um irrecusável convite a festa.
Ouve aí “Oxe como era doce”:
Esse é um daqueles álbuns que eu deveria ter sido resenhado ano passado. Mas, nunca é tarde para se redimir, entrar em contato e se apaixonar por esse fervilhante trabalho. Até porque ele traz de volta a musicalidade e originalidade de um carnaval que, antes da ascensão da monstruosa e milionária indústria da axé music, conduzia milhares de pessoas ao êxtase numa democrática Praça Castro Alves, em Salvador. Sem abadás e sem cordas elitizantes. Atrás do projeto Baiana System, está sem mentor, o músico Robertinho Barreto(na foto aí do lado), que fez um bom trabalho a frente da banda Lampirônicos e, desde aquela época, sempre acreditou no poder da guitarra baiana e da mestiçagem. “Eu sou mestiço, acredito na mistura”, discursa o vocalista Russo Passapusso na ótima “Systema Fobica”, homenagem ao primeiro trio elétrico, uma fobica, que arrastou a multidão e também uma síntese da proposta plural do trabalho.
Se a guitarra baiana é a base do trabalho, como defende Robertinho Barreto, a magia se dá mesmo é pela generosidade com que ela se amalgama tão organicamente com outras referências musicais. O instrumento, tocado com agilidade, apimenta o som punk da guitarrada paraense na fantástica, e uma das melhores do disco, “Da Calçada pro Lobato”, música pra animar qualquer festa de responsa. A guitarra soteropolitana convida ainda uma cítara indiana para tocar um dueto com sotaque nordestino na boa “Amerikha Expressa”. E tem muito mais mistos quentes no trabalho, sempre, repare bem, com pitadas do dub jamaicano. Exemplo de “Jah Jah Revolta”, que tem uma versão aDUBada no final do CD, um ragga hipnótico com letra que abusa naturalmente do clássico vocabulário rasta, tipo babilônia em chamas. E também da já citada “Systema Fobica”, com muito reverb, loops e participação de B Negão, um quase sócio do Baiana System.
E antes que um leitor mais incauto, desconhecedor da história dos carnavais baianos de outrora, ouse imaginar que Ivete Sangalo ou Cláudia Leite vão dar uma palhinha no disco, recomendo: vá direto para a faixa 10, “Frevofoquete”. Aqui o bicho pega e a guitarra baiana soa, não como a indigente axé music, mas como um revival dos vigorosos e ricos tempos em que Dodô, Osmar e Armandinho eram soberanos nas ladeiras de Salvador. Nessa provocante composição, o vocalista convida o ouvinte a criar seu “sound system satélite em volta da terra e fazer seu próprio carnaval para a humanidade”. Seria esse o carnaval do futuro? E para mostrar de vez que esses baianos são diferentes do lugar comum, sugiro uma passadinha pela anordestinada faixa 1, a linda instrumental “Nesse Mundo”, e a minha preferida, a sensual “Oxe como era doce”. Oxe, isso é que era carnaval.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
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As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
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Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
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Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
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O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.