No nordeste profundo, onde a paisagem árida mistura galhos secos, homens secos, tapetes de seixos, o azul amortecido pelo sol inclemente, no mundo descrito por Euclides e que parece ter parado no tempo. Ali, num outro Brasil, o sertão que vai virar mar, vi um dia um burro morto. A boca escancarada, cheia de dentes, o corpo avolumado pela morte, inchaço festejado por milhares de moscas que preenchiam com seu zunido o silêncio do nada ao redor, olhos duros, fitando quem passasse em frente. O burro morto é uma presença triste naquele universo onde o bicho representa resistência e trabalho. Fim da resistência. Pra quem é nordestino, a imagem cala. Vi o animal morto por uns instantes naquele nordeste profundo.
Veja clipe de "KalaKuta":
O burro morto que inspira pesar foi a mesma imagem que incitou também garotos paraibanos a formar uma banda instrumental com aquele nome. Que faz um som que também cala. Seguem o caminho aberto pelo pioneiro Hurtmold, paulistanos cultuados e de responsa, e pelos talentosíssimos matogrossenses do Macaco Bong, autores de um dos petardos mais aclamados pela crítica em 2008, o bem tocado e fantástico álbum Artista igual Pedreiro. Meninos atrevidos os da Paraíba, com cultura musical e potencial para fazer trilhas de filmes. E eles usaram aquilo que mais parece influenciá-los, a black music e o experimentalismo, para produzir com toda independência um disco surpreendente, trilha sonora de filme, chamado Baptista virou Máquina(2011).
Não assisti o filme, mas ele parece estar incluído naquele gênero mais moderno e interativo de obra orgânica, coletiva, na qual música, imagem, a cargo do cineasta Carlos Downling, e design gráfico, pilotado pelo incrível Shiko dialogam e se complementam. Na obra cinematográfica, Baptista vive num mundo cerebral, frio, onde as pessoas vivem para trabalhar. Um dia ele sonha nos prazeres que a humanidade está perdendo com sua sanha workaholic. Sonha com sexo, amor e diversão. Esse roteiro inspirou a música que inspirou as imagens. O resultado é uma trilha musical robusta, com timbres e matizes ricos que marcarão, com certeza, a carreira do grupo paraibano e já marca o ano de 2011.
Escute "Cataclisma":
O álbum do Burro Morto é o segundo da carreira. O primeiro, na verdade um EP, Varadouro(2009), já havia chamado a atenção dos antenados de plantão. Diferentemente do Macaco Bong, que faz um som mais stoner rock, os caras da Paraíba buscam, pelo menos nesse Baptista virou Máquina, no jazz, no funk, no afrobeat e no rock, o verniz para suas composições. E ousam com um conteúdo que não dispensa improvisações e até atonalismo. Em “O Céu acima do Porto”, que abre com impacto o disco, psicodelia e teclados setentistas servem a uma melodia forte, que ecoa em nossos ouvidos. Elementos funkies fazem a delícia de músicas como as bacanas “Transistor Riddim” e “KalaKuta”. Reparem, nas duas, no contraponto feito por guitarra e teclado.
Os bons instrumentistas do grupo (Haley Guimarães, guitarra, Daniel Jesi, baixo, Leonardo Marinho, saxofone e guitarra, Vitor Afonso, percussão, e Ruy Oliveira, bateria) exercitam seu lado jazzy em bons momentos do CD, como a instigante “Baptista, o Maquinista”, um jazzinho que, sem resistir, cai no samba e a animada “Luz Vermelha” com sua cama percussiva minimalista e ecos de nordestinidade. Mas, existem outras referências que deixa claro que a galera leva o trabalho de pesquisa musical a sério. E demonstra ainda que os caras querem sair do lugar comum, provocando nossos sentidos. A climática “Volks Velho” experimenta do nada fácil atonalismo sem passar vergonha. “Cataclisma”, por sua vez, traz elementos da música árabe numa das melodias mais bem acabadas do álbum. Enfim, é trabalho com substância que vale, mesmo pra quem não é fã de música instrumental, uma boa escutada.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
As cores da festa
Fantasiaram o Centro Cultural Casa de Taipa para a sua festa de aniversário de um ano. Tanto verde e amarelo tornaram nossa paixão pela cultura ainda mais vibrante.
Verão
As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
Rio na boa
Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
Lavrado iluminado
Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
Missa do Vaqueiro
O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.