O country é quase sempre visto como um estilo musical popular, alegre, dançante, apesar das baladas melosas dedicadas a amores frustrados e às belas mulheres que pontuam a história desse gênero genuinamente norte-americano. Mas, como tudo no mundo evolui, excluindo a cabeça do bronco e preconceituoso deputado federal Jair Bolsonaro, aquela música recebeu injeções de modernidade que impuseram a ela novos tons e texturas. Bandas como Uncle Tupelo, Wilco, The Jayhawks e Drive By Truckers tiraram-na do circuito caipirão, agregando ao som um instrumental mais clássico, ritmo mais lento e poesias mais substanciais. Ajudaram a criar um subgênero que denominaram alternative country, ou alt country, como é mais conhecido. O grupo The Mountain Goats, ouso dizer numa análise bem pessoal, parece ter bebido claramente dessa fonte. E é deles um dos bons discos estrangeiros lançados no primeiro trimestre deste ano, o melodioso All Eternals Deck(2011).
Veja participação do Mountain Goats cantando no David Letterman:
http://youtu.be/CmBKKDxWJsk
Antes de ouvir o disco encare bem a capa do danado na foto do primeiro parágrafo desta resenha. As letras brancas sobre o fundo preto. Simplesmente. Nada de novo no design, é claro, mas quem conhece um pouco a banda imagina logo que a proposta impressa ali anteciparia mais um trabalho lento, introspectivo, estilo lo fi que marcou a carreira da banda, como em Get Lonely(2006) e The Life of te World to Come(2009). O que se ouve, contudo, é um John Darnielle, o cabeça do grupo, menos soturno, mais virado para o sol. Como se toda aquela melancolia anterior, feito cobra que muda de pele, tivesse se descarnado e se mostrado com novo brilho e cor. Essa pujança está inclusive naqueles momentos em que Darnielle, autor de todas as músicas, e seus amigos revivem a angústia curtida e explorada antes de forma admirável, a exemplo da envolvente “Outer Scorpion Squadron”, com seu piano leve contrapondo-se a violinos tensos, e de “Liza Forever Minelli”, homenagem em tom menor à, ironicamente, esfuziante e midiática atriz de tantos musicais hollywoodianos.
Naquelas duas músicas citadas antes, apesar do andamento mais lento, percebe-se um peso maior na instrumentação. Um amparo pra lá de providencial. Benza deus. Se antes, os norte-americanos do Mountain Goats eram conhecidos pelo minimalismo no trato dos instrumentos, agora se vê uma banda que parece ter se entregue de vez a texturas mais cabulosas, expansivas. Violinos, teclados, juntaram-se a pianos e violões para comporem sinfonias encorpadas que, longe de afastar o ouvinte das letras darks e ácidas de Darnielle, só contribuíram, a meu ver, para reforçá-las. Um exemplo clássico é a linda “Age of Kings”, uma de minhas preferidas, que começa acústica para tomar ares épicos mais adiante com a inclusão de violinos dramáticos. Grande arranjo de cordas para uma melodia arrepiante. Bela também é “Damn These Vampires”, puro alt country valorizado por uma poesia rascante, fragmentária e raivosa. “Deus amaldiçoe esses vampiros pelo que eles fizeram comigo”, canta o líder da banda.
Ouça a bela "Age of Kings":
A boa voz de Darnielle, grave e cheia de personalidade, é instrumento para outras canções de forte apelo musical. E leia-se aqui melodias inspiradas. Até naquelas composições com arranjos mais tradicionais, que lembram, mesmo que de longe, o estilo indie-country, como “The Autopsy Garland”, marcada por uma bateria pesada, quase tribal, e a mais alegrinha, apesar do título doentio, “Beautiful Gas Mask”, animada por um violão tão cheio de energia, é possível sentir a inteireza e modernidade de canções buriladas por músicos talentosos. E que mantêm a coerência, percebida em toda a carreira, ao insistir em letras carregadas de fantasmagorias e imagens cortantes, sem concessões aos mais fracos de coração e estômago. Temos, contudo, que nos desligar do universo tão próprio e denso de Darnielle e viajar em suas construções melódicas, que encantam a alma, como a lenta “Never Quite Free” e a mais hardcore “Estate Sale Sign”, que, pode ter certeza, caro amigo, não vai fazer feio em sua descolada festinha.
E por falar em peso, a nota curiosa sobre este All Eternals Deck é que quatro das músicas do disco, segundo noticiou a imprensa, foram produzidas por Erik Rutan, guitarrista de uma banda de metal chamada Morbid Angels. Dizem até que Darnielle é fã desse rock mais enfurecido. Curiosa porque em nenhum momento percebi uma mão mais pesada na produção levando o grupo a canções mais desarvoradas ou habitadas por gritos roucos e guitarras no talo. O décimo álbum de carreira dessa galera é, ao contrário disso, um trabalho cuja intensidade está centrada unicamente, e me perdoem se estou enganado, já que não sou fã do heavy metal e seus congêneres, naquilo que The Mountain Goats sempre soube fazer com maestria: peças para embalar ouvidos maturados pela qualidade musical. E, com esse último CD, pode-se dizer sem pestanejar: os caras não perderam a mão.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
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