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Os ingleses do iLiKETRAiNS fazem a farra dos sentidos |
Tem nomes e sabores e cores e objetos que chamam a atenção
da gente de testa. E pegam-nos assim num átimo forçando de jeito avassalador a nos
aproximar deles, atiçando nossa sempre ávida curiosidade. São armadilhas
da vida. Ávida vida. Foi dessa forma com o iLiKETRAiNS,
com esse nome de banda grafado assim como um espirro, todas as letras juntinhas,
cheias de altos e baixos, coladas como casais de festa junina bem ensaiados na
hora da grande roda. E eu também gosto de trens, os da infância, em seus trilhos
com a mesma trilha musical sonolenta e a mansidão de resguardo para chegar ao
destino. Quando ouvi Progress Reform(2006),
o primeiro disco desse grupo inglês, o sonoro e delicioso nome de batismo não
bateu com o que ouvi. A música não me disse muita coisa, nem mesmo com o
incentivo da crítica que elogiou o trabalho, mas o nome da banda permaneceu.
Veio o segundo CD, Elegies to Lessons
Learnt (2007), que também passou batido, talvez por um momento açoitado de
minha vida, e por fim, The Shallows
(2012), o terceiro. E é desse que quero falar.
Assista ao vídeo de “Deception”:
The Shallows é uma farra para os sentidos. Como uma caminha
almofadada, king size, tamanho real, com caros travesseiros de penas de ganso,
onde você se deita como se abraçado por nuvens de algodão. Bom de sentir. Mas, calma,
nem tudo é assim terno. Como no conto da princesa hipersensível de Andersen, há
também uma ervilha embaixo do colchão. Essa farra proposta pela banda ao mesmo
tempo em que amansa, deixa os sentidos tesos, acordados para os próximos
estímulos. A fruição sonora se dá exatamente por uma equação rara na qual as
batidas eletrônicas misturadas às cordas de uma leveza ensolarada e insidiosa
dão o tom desse trabalho, desse belo acerto do iLiKETRAiNS. Os rapazes inauguram uma nova e surpreendente fase
que, enfim, proporcionou o casamento do nome que me prendeu à música que hoje
me prende.
Ouça a ótima “ Mnemosyne”:
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O álbum começa bem, numa mesma e hipnotizante toada. As
tonitruantes “Beacons” e “Mnemosyne” são eletrorocks bem elaborados, inspirados,
principalmente a segunda, que trazem de carona uma leve melancólica em conflito
com os bpms e a guitarra sinuosa, a cargo de Guy Bannister, esta provavelmente
um dos pontos mais fortes do disco inteiro ao lado do vozeirão respeitável de David Martin.
Essas duas canções trazem a tona ecos de duas grandes bandas, New Order, pelo uso equilibrado da
eletrônica, e Tindersticks, pela engenhosidade
das melodias e pela já citada voz de barítono do vocalista da formação. Introdução
perfeita para “The Shallows”, um pouco mais rocker, com sua bateria (Alistair
Bowis) marcada e baixo(Simon Fogal) sutil, uma das melhores composições. Um
trio de canções pujantes e densas que revelam a maturidade do iLiKETRAiNS, que fazem aqui aquele que
é seu melhor e mais bem produzido
trabalho.
Quando desacelera, mesmo não sendo os melhores momentos do
álbum, o grupo mostra-se coeso em sua intenção de deixar o ouvinte em transe.
Como mágicos e seus misteriosos chapelões, o iLiKETRAiNS nos guia por caminhos
esfumaçados, paisagens saídas da cabeça de Tim Burton em seus filmes mais
fabulísticos, nas composições lentas, climáticas, que também contam com a mesma
hipnótica e grudenta guitarra. É este instrumento emaranhado à bela voz de Martin que criam um rastro onírico, sedutor por
onde passam músicas como “Water Sand”, com suas cordas que remetem à matemática e envolvente atmosfera criada
por bandas oitentistas, como Cocteau
Twins e The Call, e a
encantadora “The Hive”. Estão na mesma curva de sentimento de “We Used to
Call”, a balada mais linda do álbum.
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iLiKETRAiNS em ação:vocal chapante |
The Shallows não é um trabalho fácil. Para gostar do disco,
para entendê-lo é preciso que entremos na mesma sintonia do grupo. A sonoridade
do álbum pode parecer preguiçosa para alguns e até mesmo, em certos momentos,
as músicas sugerem movimentos diferentes de uma mesma sinfonia. É como se os
rapazes do iLiKETRAiNS de forma compulsiva e obsessiva voltassem todo instante
a um mesmo ponto, a uma mesma linha melódica. Como se saindo de uma BR por vias
transversas, eles voltassem lá na frente à mesma e confortável rodovia. Mas,
aquilo que sugere repetição é, para mim, o grande achado da obra. Pense: uma
maçã nunca é igual à outras: por trás do formato arredondado, do mesmo sabor
adocicado há sensações diferentes que as papilas bem desenvolvidas conseguem
apreender. É o mesmo com The Shallows. Há apenas que saber desfrutá-lo com
paciência e sabedoria.
Cotação: 4
Vá lá, os ingleses merecem:
ou: