
Karina Buhr já tem algum tempo de estrada. Passou por maracatus, sorvendo influências e batuques, participou de CDs e fez shows com grande parte dos nomes mais marcantes da cena de Pernambuco, como Nacão Zumbi, Eddie, DJ Dolores, Mundo Livre e companhia ilimitada. Ganhou, contudo, mais visibilidade quando se reuniu a outras meninas endiabradas botando pra ferver e destilando cultura no radical Comadre Florzinha, banda moleque que revisitava e modernizava o cancioneiro folclórico nordestino. Foi pra São Paulo e deixou o santo baixar, cantando e atuando, com Zé Celso Martinez, dono do terreiro no seminal Teatro Oficina. Tudo em tão pouco tempo. De tantos volteios Brasil e mundo afora (esteve na Europa em várias apresentações musicais), de bicada em bicada na nossa arte de chão, a moça acabou criando seu tempero próprio e que pode ser sentido em Eu Menti pra Você.

A faquinha da cantora corta amolada a carne tanto no verbo quanto na melodia. Em "Avião Aeroporto", um electo rock com guitarra mântrica, canta e fala em harmonia estrangeira a nossos ouvidos, moderna sem ser empertigada, propondo uma viagem concretista, seca: "Pelo avesso, vamos pro fundo. Arame farpado na cabeça, vento, catavento, vulcão, pâncreas, fígado, coração". A fúria se faz sentir ainda na ótima “Nassira e Najaf”, onde fala de uma guerra sem fim em Bagdá ou sei lá que vemos diariamente na televisão, cuspindo fogo no refrão assombroso: “Dorme logo antes que você morra”. Intensa como uma espécie de PJ Harvey dos tempos do vociferante Dry.

Essa intrépida trupe funciona também que é uma beleza no lado mais doce de Eu Menti pra Você. O rock azeitado e cheio de idéias da artista dá espaço para baladas agridoces que reforçam uma convincente veia poética. É o caso da elíptica "O Pé", uma quase ciranda em que sobressai mais uma vez o lirismo da letra: “O céu embaixo das nuvens, a terra por baixo do asfalto, o centro da terra que puxa a gente, a gente pula contra a vontade do chão”. Na mesma linha, salta aos sentidos a ainda mais lenta e linda "Mira Ira", na qual repete dengosa e sedutora: “Não miro a ira, não miro mas te acerto no peito, quando mudo meu amor de endereço”. E surpreende ainda quando larga de mão da poesia e parte para a informalidade, reta e ligeira, no ska reggae “Plástico Bolha”, em que decreta que não está a fim de corre corre: "Eu quero passar a tarde estourando plástico bolha". De um jeito ou de outro, a pernambucaninha fez um álbum bacanudo, honesto e que tem tudo para marcar o ano de 2010. Gostei muito e recomendo de peito aberto, pedindo desculpa, por fim, pelo longo, longuíssimo texto.
Cotação: 5
O caminho das pedras:
http://www.4shared.com/file/219179707/3c7e0ec2/Karina_Buhr__2010_-_Eu_Menti_P.html
Escute “Avião Aeroporto”:
E também “Telekphonen”:
Veja Karina Buhr cantando “Vira Pó”: