sábado, 6 de outubro de 2012

Bazar sob nova direção


Existe uma leveza no povo brasileiro que é uma marca pro bem e pro mal. Quando essa condição é usada com malícia, para engabelar os bons sentimentos, damos de cara com aquela reprovável esperteza que mancha deploravelmente o currículo de nosso caráter. Aí vira palhaçada. Quando utilizada para gerar inventividade, e somos mestres nisso, temos uma nação que produz amiúde exemplos e o riso fácil. Temos, enfim, um pacto sério com o sorriso. E isso é muito bacana. Nosso rock, aquele com inequívoco traço nacional, muitas vezes apropria-se dessa leveza e invenção. Desde os anos 80, e de forma mais evidente nessa década, com as crônicas cantadas pela trupe quase circense do Blitz, as fanfarronices do Magazine e Ultraje a Rigor, e mesmo antes com o "top top" sacana da reverenciada banda Mutantes, o humor é moeda corrente. Essa espirituosidade, mesmo sem o riso solto, a objetividade e clareza dos grupos citados, somada a elementos psicodélicos e uma boa dose de inteligência, ajudam a fazer de Todo Futuro é Fabuloso (2012), o segundo álbum dos paulistanos do Bazar Pamplona, um trabalho digno de audição. Após um exercícios de três anos de lapidação, as boas tiradas, não confunda com piadas, chegam lúcidas e prontas para alegrar o nosso dia.

Clip de "Todo Futuro é Fabuloso":


Bazar Pamplona entrega-nos o temido segundo álbum com uma nova e mais luminar proposta. Não conheço o CD de estreia do grupo, o na época elogiado À Espera das Nuvens Carregadas(2008). Conta-se que o tal trazia ecos do Los Hermanos, ou seja, boas poesia e melodia aditivadas pelo combustível roquenrrou. Menos denso e nostálgico, o quinteto formado por Estêvão Bertoni (vocais e guitarras), João Victor (guitarra), Rodrigo Caldas (bateria), Rafael Capanema (baixo e teclado) e Marcos Miranda (teclado e baixo), resolveu se distanciar daquela recorrente e nada desprezível comparação. Falando nisso e sem querer exatamente comparar, mas apenas sugerir uma referência, a banda traz agora uma levada mais próxima dos gaúchos do Bidê ou Balde. Ou seja, rock com graça e inteligência. Isso já pode ser sentido na música que abre e dá título ao álbum, e uma das mais legais, "Todo Futuro é Fabuloso". Com uma levada rocker e animada, a música traz boa mistura de guitarra e violões, corinhos grudentos e letra explicitamente psicodélica: "Imaginem se chover na velocidade da luz/Não há tempo pra correr/Pois tampem o céu, eu propus/ No escuro, mantenham tudo azul".

Paulistano assumidos, o quinteto faz som pra gente grande

O quinteto paulistano consegue fazer crônica urbana, com música e letra que trazem um delicioso mix de humor e melancolia. É o caso de "Greve", essa com harmonia meio country (reparem na guitarra inicial) e instrumental que serviria como trilha de comercial sobre dias felizes, com direito a assobios (não, não pensem em comerciais de margarina. Não é bem por aí. Pensem em situações mais felinnianas): "Não há emprego, todo dia é domingo/Não há o que se preocupar diz a mulher/Avisa aos filhos: ele não vai voltar, porque ele cai de bar em bar", canta Estêvão Bertoni em tom ensolarado, e timbre que lembra o de Hélio Fladers, do Vanguart, para terminar a história em tom lúgubre: "Quanta tristeza, ele morreu no domingo/(...)E nunca mais ele se pôs a mesa do jantar. A dívida fica, os filhos vão pagar". A composição é uma mostra de que Bazar Pamplona sabe se utilizar com precisão e leveza dessa alma urbana e conturbada tão evidente nos paulistas reféns da metrópole. Carregam aquela destreza de encarar o dia a dia, temores e questionamentos que só os que são habilitados pela crueza do caos cosmopolita conseguem. Os discursos fáceis e espirituosos estão na ponta da língua, inclusive na horinha da declaração de amor, amparada musicalmente por uma elegância jazzy, com participação especial da talentosa Lulina: "É tão cafona o que eu sinto por você, meu bem/Tão cafona quanto o meu chapéu, oh, céus/Não se lembra? Foi presente seu". É assim na ótima "E tão Cafona o que eu sinto por você".

Ouça "Greve":


Exemplos dessa urbanidade são sinceros, quase cinematográficos e assumidos em todo o transcorrer do álbum. Em "O Gringo", com um belo arranjo de moldura circense, o vocalista brinca de ser estrangeiro, sem perder jamais o espírito mordaz são paulino: "Eu era o mais paulista, parado no sinal/ Eu percorri as listas deitadas sob o sol de manhã/Não abrem os cinemas onde as balas não têm legendas. E não sou daqui". Você já percebeu que essa minha resenha está cheia de aspas. É porque a poesia, as palavras em Bazar Pamplona, são relevantes. São transportes para a criação do clima exato entre ouvinte e mensagem. Trazem empatia e conexão com essas coisas das metrópoles. E mesmo quem não vive nelas, mas as reconhece pela televisão jornais e tudo o mais que as trazem mais próximo da gente, acaba sendo alcançado. Porque os elementos que cantam têm aquela sintonia, o cadinho que está no subconsciente de quem tem a essência urbanóide. É isso que transparece a letra de "Quero ser Grande", feita da matéria de quem tem muitas referências culturais: "Ri de desenho animado, diverte quem está ao seu lado/Pretende ser astronauta e logo trata de inventar o que falta/ Se possível quero ser grande, bem maior que uma roda gigante".

Música do grupo e cheia de auto referências e espirituosidade
É louvável no álbum o despojo e a tão citada, aqui, leveza. A ponto inclusive do grupo tirar onda do próprio umbigo. Em "Quem eles Pensam que São", sacaneiam com suas evidentes características de fazer por exemplo, "piadinhas no meio da música". "Nós somos o Bazar Pamplona", assumem no final. Essa auto-referência pode ser vista lá pela metade do trabalho, em "Canção do Meio", na qual a banda pede para que as pessoas não desliguem o play: "Você está no meio, ainda demora para acabar/Te faço uma promessa, de cantar um verso que te alegre/É só você não pular essa canção", um irresistível e engraçado apelo feito bem no meio do disco. No final, em "Faixa Bônus", lúdica até o topo, a galera fala de novo diretamente ao ouvinte: "Gravei uma faixa bônus pra você, desses que tocam no final/Afinal, vou ficar por aqui". Assim mesmo, dando um ponto final a um trabalho feliz, criativo e que deixa todos nós atentos, com aquele riso no canto da boca. Todo Futuro é Fabuloso é uma bola dentro desses paulistanos com muito a dizer, discursivos sem ser prolixos e donos de uma levada rock madura. O futuro do Bazar Pamplona tende a ser fabuloso. O sinal foi dado. Agora é seguir em frente e esperar pelas próximas faixas bônus e não pular jamais essa parte da história.

Cotação: 3

Se ligue no futuro fabuloso:

http://www.mediafire.com/?q6yxi9t0482i4b3

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Todas as mães do Menomena


Gosto de quem escreve certo por linhas tortas, dos corações inquietos que não se bastam do bem feito e quer este feito ainda melhorado. Dos que fazem do trabalho incansável experiência de aperfeiçoamento porque aqui, como no
O Menomena ainda com Brent Knopf: quatro discos lançados
amor, um passo pra frente, e firme, só melhora a gente e o mundo que nos cerca. Porque tem sempre algo a ser mexido, a ser refeito, não pra que chegue a ser perfeito, mas porque simplesmente é da gente, do ser humano, evoluir. Mais instigante ainda são aqueles que, mesmo depois de provarem que podem ser a nota dissonante, o espírito que desagrega para agregar algo positivo na sequência (que o diga o saudoso Chico Science), tentam a nota consoante mantendo o padrão de inquietude que os fizeram dignos de nota.  Menomena, banda de Portland, cidade do nordeste dos Estados Unidos, está incluída nesse rol dos eternos experimentadores, dos insatisfeitos de carteirinha. Depois de chamar a atenção da crítica com seu indie rock, post-rock ou seja lá que o valham, Justin Harris(voz, guitarra, sax) e Danny Seim(bateria) resolveram se tornar mais palatáveis. Moms(2012), o quinto álbum do grupo, é talvez aquele mais próximo do gosto comum, sem que com isso, pareça menos incomum. Tocam a linha do pop, escrevendo músicas com uma caligrafia mais legível, mas ainda benditamente torta.

Veja sessão acústica de "Heavy is as Heavy Does":


Harris e Seim fizeram o que considero o melhor disco do Menomena porque usaram sua criatividade e poder de fogo para ficar mais perto da maioria. Porque antes haviam os dois e Brent Knopf, uma das forças motrizes da banda, que saiu em 2010 para se dedicar ao bom grupo Ramona Falls. E com os três havia um projeto mais maduro que se iniciou com o cultuado, e muito legal,  Friends and Foe(2007), o primeiro que ouvi da galera, carregado dessa vontade de fazer música com uma dose de invenção que afastava sua obra dos ouvidos mais preguiçosos. Esse rock com gosto pelo experimental, por levadas menos óbvias se fez presente também em Mines(2010), álbum que manteve acesso a chama dos fãs pelo grupo. A saída de Knopf  ajudou na diminuição da febre, do ardor que movia a criação dos caras? Acredito que não. Porque parte da criatividade vista nos CDs anteriores se mantém intacta, apenas com a ansiedade um pouco mais domada, dominada. A dupla que continua a tocar o Menomena articulou no mais recente trabalho uma sonoridade mais solar e simples, ainda que algumas músicas vistam-se daquela estranheza e melancolia que a trupe sempre soube produziu.

Grupo mantem padrão com belos arranjos e orquestrações
Mas, fique atento, nada em Menomena é o que parece. O que, na primeira audição, reveste-se de simplicidade, na segunda, com os ouvidos mais atentos, mostra-se cheio de nuances, com as garras expostas. Existe um universo complexo por trás das canções, ainda que ele assuste menos, do grupo. Os arranjos muito bem trabalhados, as mudanças de andamento das composições, a surpresa que nos é reservada aqui e ali com a introdução de instrumentos pouco comuns ao gênero rock, tudo faz com que Moms torne-se um deleite para quem é ávido por música com conteúdo, feita de uma substância mais reativa e consistente. Como descobrir o ácido da fruta depois da sensação do doce. É assim, por exemplo, com a impressionante "Heavy is as Heavy Does", que começa levinha com seu piano manso, entorpecendo o ouvinte até a mudança lá na frente com o crescendo do coro que deságua em guitarras distorcidas, no talo. De uma beleza concreta. Da mesma linhagem "One Horse",  que fecha épica o disco com seus dez minutos de absoluta extravagância.  Aqui fica mais clara ainda a alternância melódica, com momentos atmosféricos dividindo o tempo com arranjo de cordas e a batera e guitarras fazendo a mais sublime diferença.

Ouça "Don't Mess with Latexas":


Esses caras sabem mesmo causar impressão. Além dos movimentos que dividem as canções, outra das características mais notáveis é o apreço que têm por arranjos instrumentais que pega o ouvinte de surpresa. Se em "One Horse", a orquestração das cordas eleva a voltagem da canção, reafirmando sua tensão melancólica, em "Plumage", que abre o álbum e que se sobressai como uma das mais pops do repertório, quem dá o ar da graça é um inesperado e animado sax. Em "Pique", que tem também um apelo popular, são os instrumentos de sopro que se apresentam, colorindo essa música com seu tom mais radiofônico. Todas essas, apesar da moldura simples, tem sempre um ou outro elemento, um toque, um barulhinho que denotam a riqueza dos arranjos. E isso fica mais claro ainda em gemas como a preciosa "Don't Mess with Latexas" e suas cordas libertárias e a ensimesmada "Tantalus", na qual a guitarra e bateria, um show a parte no álbum, fazem magnífico contraponto com um teclado mais gutural, desses que fazem a festa em filmes de suspense. A complexidade dos arranjos torna-se uma deliciosa brincadeira para quem ouve "Moms", para quem gosta de explorar ricas trilhas musicais que alternam clareiras e mata cerrada, num emaranhado de sons no qual vale a pena se perder e se achar.

A riqueza das referências e a dinâmica das melodias garantem grandes momentos ao álbum. Se não bastasse, a dupla Harris e Saim ainda se meteram a fazer um disco temático. Claro que a idéia não é nova, mas é, no mínimo, diferente na intenção. O título do disco, Moms, mães em inglês, não é de graça. Os dois músicos resolveram explorar audaciosamente nas letras desse trabalho, o relacionamento que tiveram com suas progenitoras. O vocalista foi criado por uma mãe solteira, enquanto o outro perdeu a sua quando ainda era jovem. É pano pra manga pra nenhum freudiano botar defeito. E o ouvinte vira espectador passivo e interessado desses testemunhais, dessa expurgação pública. Os recados são diretos, precisos, como em "Capsule", em que confessam cheios de autopiedade: "Agora eu estou evoluindo de uma criança nova para uma criança envelhecida/Você está amadurecendo de uma memória para um legado". Ou então, metaforizando sem piedade o passado familiar: "Todos os ramos pendurados em minha fudida árvore da família são pesados", cantam em "Heavy is as Heavy Does". Menomena é isso: entrega e mergulho. Moms é assim, um álbum para se curtir devagar, entendendo todos os seus significados, dores e beleza. Um discaço.

Cotação: 5

Vá direto ao ponto:

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O quilombo do gringo de alma brasileira



O gringo Maga Bo: pesquisa dos ritmos afrobrasileiros
Tem Lia de Itamaracá com ciranda, Selma com seu côco tradicional, a embolada inventiva da dupla Peneira e Sonhador, o jongo mágico da Serrinha, o cacuriá da carismática Dona Tetê, a Chula, refinada pelo violonista Roberto Mendes, o frevo e maracatu de uma tonelada de fortes raízes pernambucanas, o zambê da loca potiguar, o siriri e o cururu trabalhados pela crueza encantadora da viola de cocho matogrossense, a catira do Goiás. Tem muito mais nesse Brasil multifacetado, que no passado desigual sempre guerreou contra a miséria fazendo música pro pé mexer, pra barriga esquecer a fome. Tantos ritmos que não caberiam, mesmo arrochados, nessa minha página fuleira. Som demais, uma riqueza restrita, infelizmente, na maioria das vezes, a guetos culturais, a casas de cultura e salvadores projetos oficiais. Herança africana, portuguesa, alemã devidamente moldada pela alma brasileira e que impressiona os gringos que pesquisam nossa passado musical. Um desses estrangeiros, o dj norte-americano de nome tupiniquim Maga Bo, que corre o mundo fisgando ritmos e batidas, mergulhou em algumas das sonoridades praticadas aqui. O resultado é Quilombo do Futuro(2012), um álbum com sotaque nacional, mas com um inegável tom multinacional.

Veja o clip de "No Balanço da Canoa":


Maga Bo é um desses muitos estrangeiros apaixonados pela eclética e complexa cultura brasileira. Clara rendição. Chegou em 1999 e, na virada do século, deixou-se ficar, presa de sua sede de arqueólogo de sons, seduzido pela música produzida nos quatro cantos do país. Entre uma discotecagem e outra, nos hiatos das festas em que trabalhava como DJ mundo afora, foi absorvendo batuques e transes, harmonias e ritmos, foi se preparando para fazer de Quilombo do Futuro uma obra sincera, verdadeira. Clara intenção. O norte-americano parece ter trabalhado com o propósito de fazer um disco com assinatura verde-amarela, como se tivesse sido idealizado por músicos do Brasil. Quem desconhece a origem do produtor é levado facilmente a achar que aquela obra é coisa nossa. Mérito de um artista que, sabiamente, manteve no repertório desenvolvido por ele, a essência, a alma e estrutura das sonoridades que explorou. E que soube ainda fazer parcerias certas nessa empreitada. O que se vê no álbum, principalmente, são os ecos de um país que se formou em terreiros, nos quilombos e nas senzalas, cultivando, mesmo sob a repressão policial e a intolerância dos brancos, as raízes africanas. Maga Bo tenta e consegue, muitas vezes, captar a magia da batucada afro brasileira.

A cor negra está por toda parte envolvendo a arte de Maga. Pra tocar tambor, pra falar do Brasil filho da mãe África, o artista cercou-se de uma pá de gente boa, aqueles que valorizam o batuque e o carrega no sangue. Outros magos como B Negão, que dá o ar de sua pegada na ótima"Tempos Insanos". Na missão, os dois convocam os deuses da percussão e da música eletrônica pra chamar pra roda, pra dança. Afrobeat, som afro brasileiro. O convite é irresistível e faz dessa faixa de abertura de Quilombo do Futuro uma síntese de grande parte que o ouvinte vai ouvir na sequência. "Pois se prepare então, se prepare que o pavio vai acender", avisam os dois. Aqui também está o engajamento, os toques politizados que fazem do CD um veículo para o protesto, para mensagens que vem do morro, das comunidades que vivem a margem da sociedade: "Espírito combatente, guerreiros do terceiro mundo. Sobrevivente no suor e na raça/(...)O povo com saúde e educação é uma ameaça". Os ecos da violência, as gírias e agonias da favela estão presentes ainda nos ferventes funks cariocas "O Neguinho", com a participação especial de Biguli, e "Piloto de Fuga", com sua letra direta: "Só piloto boladão tem que ter disposição/De Pajero ou de Corola a 120 por hora, nós capota mais não freia, estilho guerrilheiro".

Ouça "Tempos Insanos", com B Negão:

Os representantes do gênero funk carioca no repertório de Maga Bo não são exatamente o que de mais instigante traz o álbum. Refletem, contudo, uma opção inteligente do produtor norte-americano: a de investir nos ritmos nacionais sem abusar da eletrônica. Seus beats, completamente integrados a batucada, são utilizados com moderação, envernizando um som que já tem seu verniz e grandeza próprios. Talvez para não brigar com a sonoridade crua e a autenticidade dos ritmos afros. Nesse sentido, o bom ragga "Maga traz a Lenha", com o guianense Jahdan Blakkamoore no vocal, tem vibração roots e um casamento equilibrado de batuque e eletrônica. Melhor ainda são as canções que bebem direto na negra fonte do candomblé, quase pontos de macumba, como a deliciosa "Eu Vim de Longe" que abusa das palmas e atabaques para tocar a raiz africana. A participação de Rosângela Macedo com seu timbre aveludado agiganta a música. Cachoeira pura. Mesmo caminho da tribal "É da nossa Cor", homenagem a capoeira e a Mestre Camaleão, professor de Maga Bo nessa arte. É tecnobatuque, canto negro da cor do Brasil.

O DJ Maga Bo convidou músicos brasileiros para sua festa
De profunda cor brasileira também, o DJ vai até o Nordeste para pinçar um das mais bonitas canções de Quilombo do Futuro. "No Balanço da Canoa", que traz de volta Rosângela Macedo no vocal, é canto de lavadeira modernizado. Na linha do que já fez produtores brasileiros, como o talentoso pernambucano Dolores em sua eterna pesquisa dos ritmos populares tradicionais. Programação a reboque de zabumba, triângulo e tambores com letra regional. "É no balanço da canoa que eu tou peneirando/É no balanço da canoa que eu vou peneirar/Eu quero ver quem vem, eu quero ver chegar/ Eu quero ver quem brinca no meu arraiá", cantam as lavadeiras pós-modernas. Daquela região também vem a competente guitarra baiana(a mesma que marcou história no trio elétrico de Dodô e Osmar) de Robertinho Barreto, do coletivo Baiana System, que dá uma roupagem colorida à emocionante "Xororô". Tantos ritmos assim repaginados com eficiência ajudam a esquecer algumas derrapadas do álbum como os fracos sambões "Hurry Up" e "Immigrant Visa Part II", que resvalam para a típica tendência gringa de cair no samba de carteirinha, bem ao gosto dos turistas desavisados. No final das contas, e isso é admirável, o disco de Maga Bo rescende uma brasilidade traduzida com clareza e humildade, algo raro, para um olhar estrangeiro. Bom pra cabeça. Bom pro pé. Maga Bo tem alma brasileira, como seu bom álbum. Escute com atenção.

Cotação: 3

Visite o Quilombo do Futuro:

www.facebook.com/magabodj

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Walkmen chega ao céu


O quinteto de Washington encontrou seu ponto de equilíbrio
Ninguém tinha ouvido falar. Também por isso nenhuma expectativa foi criada. E toda aquela massa meio bêbada, aquele burburinho típico de festivais alternativos feito de tribos coloridas e discursos gritados, na tentativa de ultrapassar a firme parede sonora levantada no local, até não vibrou muito. Mas, o show do The Walkmen no Mada, 2004, em Natal, foi um achado precioso para mim. Os norte-americanos pareciam ali a encarnação perfeito do indie rock, aquele som que busca um diferencial mesmo usando referências do passado. Legal de ouvir, sinceros na busca da conquista dos ouvintes, os caras fizeram uma das melhores apresentações do ano daquele simpático e divertido festival potiguar. Depois disso passei a perseguir os caras, ainda que os perdesse aqui e ali em meio às atribulações da vida que nos empurra, às vezes, para longe daquilo que nos seduz. Ouvi naquele período o bacanéssimo Bows + Arrows (2004) e, tempo depois, fui arrastado pela beleza e maturidade de Lisbon(2010). Agora, Heaven(2012) chega para pontuar uma carreira construída de mansinho por canções inspiradas e uma coerência absurda, sublinhando o carisma que o grupo sempre espalhou por onde anda.

Veja clipe de "Heaven":



The Walkmen é um dos queridinhos daqueles que respiram o rock alternativo. Mereciam, já há algum tempo, pelo talento e contundência do repertório, estar de fora desse restrito circuito. Heaven é provavelmente a melhor chance que a banda tem para fincar sua bandeira em novos territórios. Nesse sétimo álbum (os caras estão há uma década na estrada), Hamilton Leithauser(voz), Peter Bauer(baixo), Paul Maroon(guitarra) e Matt Barrick(bateria) aproximam-se mais do pop e, seguindo o caminho já proposto no ótimo Lisbon, fazem um de seus trabalhos mais calmo e acessível. Isso é ruim? Não. O grupo não abdicou necessariamente de sua sonoridade sincera, enraizada num rock de garagem metido a besta e com irrequieta alma indie. Apenas refinaram essas características, caprichando ainda mais nas letras e nas melodias. É como se essa galera de Washington resolvesse entrar definitivamente nos trilhos do mainstream, como se quisessem agora tocar em mais ipods, entrar na lista das canções mais baixadas, porque, enfim, ser reconhecido é da natureza humana e faz um bem danado pra qualquer um.

Sétimo disco do grupo cativou crítica e público

O apelo pop de Heaven é desenhado em composições nas quais as guitarras estão mais mansas, baixo e bateria enveredam por caminhos que a maioria dos ouvidos já percorreram e a voz de Leithauser está assim, digamos, mais educada e afinada. Tudo com muita personalidade. E o disco já começa tocando a gente. "We Can't Be Beat", costurada quase toda em delicados voz e violão, é uma das aberturas mais encantadoras que já ouvi em um álbum de rock.  Uma linda balada que remete, pela força da sinuosa melodia, aqueles grupos vocais negros dos anos 50, 60 do século passado. Só faltou mesmo ali o coro arrebatador para reforçar essa impressão. A letra em tom nostálgico chama atenção para a grandeza daquilo que o tempo preserva: “Nossas crianças vão sempre ouvir histórias românticas sobre os tempos passados/Nossa era de ouro vai e vem/Nossos sonhos tortos sempre irão brilhar". É The Walkmen reafirmando aquilo que os move: o amor pela música consistente que doura eras e que faz do rock um gênero eterno. Revisionistas, os músicos da bandas criam assim, beijando a glória do passado, seus sons belos e contemporâneos.

Ouça "We Can't Be Beat":


 
"We Can't Be Beat" faz parte da lavra de grande baladas que contribuem para formar o grosso e  substancioso caldo orgânico que é Heaven. Inspiradas na mesma medida, "Southern Heart" e "Line by Line" são como impactantes pausas para respirar dentro de um disco que tem uma levada, no geral, mais ligeira. A onírica "No One Ever Sleeps", que fecha o trabalho, está incluída no segmento "desacelera". Tocante, romântica e inspirada, a canção nos projeta para uma outra época, para uma paisagem outonal. Não coincidentemente, a faixa conta com a participação de Robin Pecknold, da barroca e fantástica banda Fleet Foxes. A leveza e poesia dessas composições comprovam a facilidade do The Walkmen de fazer baladas matadoras. Elas contudo apenas preparam o espírito para o que o álbum tem de melhor, o rock de garagem sem arestas, gorduras e  encorpado por uma insuspeitada elegância. Algo que pode ser visto na emblemática "Heaven", escolhida para ser a primeira música de trabalho. Grudenta, de pegada forte e garageira tem tudo para virar um hit. Traz aquela energia típica de quem está começando a carreira. E Heaven tem essa cara de recomeço, de virada mesmo.

O "lado A" do disco é preenchido com esse energia, com músicas mais dançantes, respeitáveis riffs de guitarra, com refrões marcantes e boas doses de inspiração. Acompanhe a ótima sequência iniciada por "Nightingales" com melodia rascante e guitarras despretensiosas, num dos arranjos mais rocker e animado do CD. Repare aqui nos breaks com sininhos que reforçam o acerto sonoro da criação. Logo a seguir, a extremada "The Witch" traz um teclado marcante e uma instrumentação quase teatral. "Song for Leigh", com sua sonoridade simples, é envolvente e completamente harmonizada com o disco, como um bom vinho tinto e uma boa carne vermelha. "Love is Luck" é assim meio Beach Boys, meio anos 50, com seu saboroso jeitão rockabilly. Essa boa leva de músicas mais do que traduz essa grande fase do The Walkmen. Com Heaven, Leithauser e companhia chegam enfim ao equilíbrio e vitalidade de uma música que sempre esteve acima da média e se habilita agora, definitivamente, a fazer parte da coleção de álbuns de quem curte esse tal do roquenrou.

Cotação: 5

Sinta-se no céu:

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