sábado, 20 de agosto de 2011

Tomou todynho

Essa postagem bem que poderia ser uma continuação da anterior tantos os pontos coincidentes entre aquela boa banda e o projeto sobre o qual escrevo agora. Poderíamos apenas trocar os nomes dos personagens e um ou outro detalhe, mas a trama seria praticamente a mesma, como nos livros de espionagem de bolso que muito fizeram sucesso nos anos 80 nas bancas de revista. Assim como a britânica Metronomy, o cara por trás da norte-americana Memory Tapes demonstra uma nítida evolução e a necessidade de ampliar seu público com um trabalho mais coeso e chegado ao pop, nesse que é também o segundo registro fonográfico do projeto, Piano Player(2011). Estamos falando aqui de um homem que ajudou a cunhar o que seria mais um subgênero da música indie, uma tal de chillwave, que não é mais do que um som lo fi que se ampara na tecladeira(olha outra característica do Metronomy!). Mas, esqueçamos o rótulo e nos prendamos ao que mais vale a pena, a proposto musical e dançante do Memory Tapes que, se não chega a empolgar, pelo mas traz algumas boas idéias.

Assista ao clipe de "Yes, I Know":



Memory Tapes veio à luz publicamente quando lançou Seek Magic(2009), álbum que teve boa repercussão junto à crítica especializada. Era o projeto de um homem só, Dayve Hawk, em elocubrações, viagens umbigo adentro, diante de seu computador e as múltiplas possibilidades musicais e matemáticas que aquela maquininha infernal oferece. Hawk mostrou talento em construções harmônicas nas quais a eletrônica estava a serviço de viagens transcendentais e certa introspecção. Nada demais, contudo, como a ponta do iceberg, era possível vislumbrar potencial no cara de New Jersey tão cheio de boas intenções. Piano Player é como peças rearranjadas da obra anterior do músico, uma correção de rumo, na qual as melodias ficam mais evidentes, os arranjos melhor elaborados porque com alma mais coletiva e um espírito inapelavelmente pop. Memory Tapes, lembrando uma velha criação publicitária, “tomou todynho”, fortaleceu suas pretensões musicais e ganhou um frescor que elevou sua sonoridade alguns níveis acima da notada estréia.

Quem ouve a primeira música do disco, a calmíssima “Music in box(out)”, que, como diz o título, imita a caixinha de música, invadida aqui por uma sonoridade oriental, nem imagina o que vem a seguir. A programação musical de Hawk(o maluco aí da foto) ganha a partir da segunda música, a marca que estará presente em praticamente todo o repertório do álbum, um synth pop solar, feito para agradar aos mais turrões e mau humorados ouvintes. “Wait in the Dark” é “fofinha” com seu teclado e a bateria no tênue limite do brega que imperou na música eletrônica dos anos 80. O músico quase acerta no alvo com essa melodia de apelo popular mas que peca pelo arranjo repetitivo. Se redime logo depois com “Today is our Life”, primeiro single do disco e uma das melhores, que começa com percussão e teclado climáticos para cair no dance. Repare no refrão ganchudo, momento em que a guitarra aparece mais, equilibrando um pouco a supremacia do piano eletrônico. O tocador de piano, volta aliás, com gana e brilho na instrumental “Humming”, na qual o teclado ganha ares celestiais, barroco, para depois cair numa viagem mais experimental, deixando claro que o músico está entupido de referências sonoras, destiladas aqui sem parcimônia.

Ouça a instrumental "Humming":



Outra composição que merece destaque é “Sun Hit”, com solo inicial que lembra a oitentista The Cure em sua fase mais alegrinha. Com um coro mais lento e atmosférico e mudanças de andamento, estética que, com certeza, faz a cabeça de Dayve Hawk, é uma das mais bacanas do disco ao lado da balada “Yes, I Know”. Aqui, a bateria sincopada convida o teclado para uma contradança onírica, realçando a beleza e suavidade da melodia. Linda canção com vestígios da música folk para fazer os mais sensíveis, entre os quais me incluo, babarem. E o que é bom vai se escasseando. Um mergulho mais profundo em Piano Player termina com o incauto mergulhador batendo a cabeça em uma zona arenosa. As boas idéias se perdem no limbo do exercício eletrônico do one man band da Memory Tapes. Apesar de impor um ar orquestral a seus arranjos, a proeminência dos teclados começa a incomodar. A atonalidade de “Fell Thru Ice II” e sua apoteose instrumental e a dançante “Trance Sisters”, na qual o solo de teclado fala alto e cala a poesia da música, são exemplos, que se repetem em outros momentos, de que Hawk precisa de alguma impulsividade emocional em contraponto ao racionalismo de seu synth pop.

Player Piano, álbum que ganhou versão nacional graças ao esperto e antenado selo Vigilante, da Deck Discos, é um passo a frente do Memory Tapes. Um álbum mediano que não esconde, contudo, o potencial de um músico de incontestável talento, que sabe utilizar muito bem suas longas horas em frente ao computador. O cara afinou sua arte nesse segundo trabalho e tem tudo para aperfeiçoá-la, sem sombra de dúvida, ainda mais em sua próxima elocubração sonora. E aí quem sabe ele seja exato e definitivo como a bela ilustração da capa do disco, do designer japonês Kazuki Takamatsu, que esbanja sensualidade em suas criações de aspecto tridimensional em acrílico e guache que privilegiam diáfanas e esbeltas mulheres. Vale conhecer os dois, Hawk (http://www.myspace.com/memorytapes) e Takamatsu (http://kazukitakamatsu.web.fc2.com). O mundo cheio do talento dos artistas é bem mais bonito e vibrante.

Cotação: 3

Toque piano com Memory Tapes:

http://www.mediafire.com/?6d9fdx5qdm8li6s

Um pouquinho da grande arte de Kazuki Takamastsu:




terça-feira, 16 de agosto de 2011

Indefectível charme

Desde que me entendo por gente sempre ouvi falar que os ingleses eram um povo mal humorado e um tanto distanciado da alma matreira e desavergonhada dos habitantes do terceiro mundo, daquelas novas e imberbes nações com pouco mais de 500 anos. Educados por tradição, parecem andar sempre com o pé no freio, cinzentos como a famosa fog que se abate sobre a cosmopolita e sisuda Londres. Gente cool de piadas comedidas, comportamento contaminado pelo passado vitoriano, mas que, incitados, soltam os bichos de maneira rancorosa como na recente onda de saques que estremeceu a capital britânica. É, eles são sim capazes de baixarias espantosas ainda que raras e temporãs. “Esses insubmissos são estrangeiros”, diria o inglês castiço de cima de seu salto alto, livrando-se de uma impensável culpa. Contudo, o clima que impera é mesmo de uma cultivada elegância que transparece nos filmes, mesmo os que falam da classe operária, e na música. Essência de bandas noventistas como Faithless, Moloko, Morcheeba, Soul II Soul, M People e em representantes da nova geração, como o hypado Metronomy, que lançou, The English Riviera(2011), um dos discos indies mais comentados do ano.

Vídeovlipe oficial de The Look:



Vou na contra-corrente e ouso dizer que o que há por trás desse álbum do grupo britânico que gerou tantos comentários apaixonados e a simpatia da crítica especializada é exatamente essa sonoridade elegante e cheia de estilo. Como acontece com os conterrâneos citados no parágrafo anterior, Metronomy foi, diferentemente dessa vez, buscar na black music o suingue e o encantamento espiritual, misturados com inteligência à modernidade do synth pop, característica mais citada da banda, formada por Joseph Mount(voz e guitarra) Gbenga Adelekan(baixo e voz), Anna Prior(bateria e voz) e Oscar Cash(sax e teclados). Com um passo no passado e o outro no futuro, The English Riviera é um belo exemplo desse som pretenciosamente lo fi, mas com alguma levada dançante, dessas de deixar mais cool(olha a palavrinha de novo) as reuniões da galera mais antenada. Esse não é bem o Metronomy dos discos anteriores, o difícil Pip Paine(2006) e o mais condescendente Nights Out(2008), mas é uma clara e escancarada evolução.

Todo o passado musical de Joseph Mount, o cara(de barba e bigode na foto) por trás do Metronomy, esteve meio que ligado umbilicalmente a eletrônica. Seu atual grupo tentou se projetar com eletronices casadas a desvairios. Errou feio. Descobriu agora que uma dose de leveza e conteúdo pop apontavam o caminho certo. Graças a essa urgente mudança de rumo do grupo, chegou inesperadamente a ser indicado este ano para o maior prêmio da música britânica, o Mercury Prize. Algo digno de nota para uma banda que até bem pouco tempo rodava apenas nas vitrolinhas de gente metida a besta. E esse apelo mais popular, but not least, carregado de um indefectível charme, aliado a melodias e arranjos bem elaborados fazem do álbum uma agradável surpresa. Um som quase delicado que tenta não ser refém da eletrônica e que já se anuncia alto astral na primeira música, a instrumental “The English Riviera”, com pios de gaivotas e violinos suaves, canção primaveril que abre a sessão para as boas criações que vem a seguir.

Escute a ótima "Corinne":



Metronomy mostra todo seu poderio sonoro a partir de “We Broke Free”, com o baixo climático de Adelekan puxando uma das melhores melodias do álbum. Aqui, já podemos sentir o suingue, elegância e delicadeza dessa hipnótica composição, temperos que irão se repetir em vários momentos do CD. Como na sensibilidade soul da bela e sensual “Trouble”, que lembra o estilo introspectivo dos conterrâneos do Style Council, ou ainda na cadenciada “Some Written”, uma new bossa marcada pela percussão, incluindo aqui uma cuíca meio que perdida na assepsia refinada da canção. Nesse grupo das músicas delicadas está ainda a ótima “Everything Goes My Way”, na qual se sobressai a voz da baterista Anna Pryor, acompanhada de Joseph Mount, e uma guitarra pra lá de doce e muito bem executada.

O lado “B” do disco, aquele mais agitado, se é que podemos classificar assim, traz as composições com um acento mais eletrônico. Os sintetizadores mostram-se aqui evidentes, definidores, sem, porém, se tornarem a tônica desse delicioso disco. Em raros momentos, os teclados revelam-se superlativos, soterrando a melodia, como na chatinha e monocórdica “Love Underline”, um deslize que logo é superado por canções que grudam no ouvido e provocam um up grade em nossos sentidos. É o caso da kraftwerkiana “The Bay”, com seu provocante refrão, e da despudorada “The Look”, com seu jeitão oitentista, uma leviana candidata para pistas de danças naquele instante pré-arrastão. E tem ainda, fora dos dois contextos citados até aqui, a bacanéssima “Corinne”, com uma pegada mais rock and roll e sua guitarrinha suja dialogando com jeito e ternura com o sintetizador. Sem dúvida uma das melhores de um álbum que veio se chegando assim meio sem querer e acabou se tornando uma obra de indiscutível valor, dessas de figurar na lista das melhores do ano. Anote esse nome: Metronomy. E quem estiver por São Paulo no dia 31 deste mês de agosto com grana no bolso, veja a banda ao vivo no festival Popload Gig, no Beco 203 pros lados da Augusta. Vá, com certeza vai valer a pena.

Cotação: 4

Conecte-se com os britânicos:

http://www.mediafire.com/?aaqybrkdj1xyrfy

ou:

http://www26.zippyshare.com/v/84710920/file.html

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Homem com "H"

Era uma figura gigante no palco, cara pintada, seminu, como um fauno, um exu, exuberante exu, destilando energia, inventando trejeitos. Contorcionista, exercitava as possibilidades infindáveis do corpo magro. Os outros dois ao seu lado, também vestidos estramboticamente, pareciam meros figurantes, molduras para a arte provocadora do astro principal. Era fevereiro de 1974. Um maracanãzinho lotado assistia extasiado ao espetáculo, trinta mil pessoas surfando no sucesso de “O Vira”, canção afoita que misturava um velho ritmo folclore português ao rock e a uma letra cheia de fantasia e figuras assombrosas. As crianças adoravam. Eu, no meio de meus sete irmãos, grudado na TV preto e branco assistia fascinado aquilo tudo. Nas linhas mal resolvidas da telinha, que nem sonhava em ser HD, um grupo revolucionava a seu jeito a música careta brasileira. “O Vira”, a mais bobinha das músicas do álbum que vendeu milhões de cópias, nem de longe representava o vigor da obra de Secos e Molhados, que não resistiu, com sua formação original, a dois discos, mas deixou magicamente para o Brasil aquele cara de corpo franzino, elétrico. Ney Matogrosso completa 70 anos esta semana e, em todas essas décadas, manteve-se o brilho de alguém que desafiou comportamentos, cantou a MPB como ninguém e foi sempre fiel ao bom gosto.

Ney cantando “Rosa de Hiroxima”, no antológico show do Maracanãzinho:



Aos 70, Ney é nossa Madonna, resistindo orgulhoso e incólume, como um alquimista, às mazelas do tempo que tudo erode. Em sete dignas décadas, foi mudando devargarzinho ao sabor de sua inquieta e inventiva personalidade. O cara tinha como prática comum surpreender o atônito público. Na época da televisão preto e branco, colorizada na periferia por uma película colorida grudada ao vidro, Ney surpreendia com seu corpo atlético, em uma coreografia só sua, homem elástico que era, e um figurino mínimo, minimalista, mas abrangente em sua tradução cultural. Cocares, queixadas, máscaras platinadas, penas de pavão, tudo se enquadrando no rosto fino do artista, tapa sexo, bugigangas, pulseiras e tornozeleiras extravagantes,tudo se equilibrava elegante, sobrevivendo à dança frenética, aos rodopios, pulos, braços que giravam ininterruptos em todas as direções. E eu conseguia ver tudo colorido em minha descolorida TV de baixa, rasteira definição, querendo entender que figura era aquela, tão diferente de tudo que vira até então. Na época da televisão colorida, Ney foi perdendo as cores e encarnou um certo tipo, um cara sóbrio, sem pintura no rosto, mas sem perder a ternura jamais nem o rebolado, cantando como ninguém pérolas do MPB com sua voz única, inconfundível, perene.

O cantor ao lado do grande Raphael Rabello em “Negue”:



Ney resistiu ao tempo como resistia aos achincalhes dos militares que tentaram proibi-lo de aparecer em público daquele seu jeito econômico, estilo hai-kai, de se vestir. Enfrentou homofóbicos e outras espécimes burras de preconceituosos assumindo sua natural bissexualidade. Transou com mulheres. Transou com homens fascinantes, como Cazuza. Transou com a liberdade. Transou corajosamente com a vida, expondo sua sexualidade numa época em que os tabus, mais do que hoje, eram monstros a assustar os moralistas enfileirados atrás de carapaças quase intransponíveis. Falsa moral tão bem revelada nos textos ferozes de Nélson Rodrigues. Provocava os carrancudos conservadores algumas vezes com jogadas de marketing geniais e divertidas, como quando resgatou “Homem com H”, de Antônio Barros, um forró do cancioneiro popular em que assumia uma irônica masculinidade: “Com H sou muito homem”, dizia a letra. Ou quando, vestido com paletó branco e elegância sem par, seduzia homens e mulheres, sem distinção: “Me diz que sou seu tipo”, sussurrava entre uma e outra reboladinha sensual. Tipo homem da melhor estirpe, pleno de cidadania e boas intenções, daqueles que fazem o mundo melhor.

Veja vídeo num show mais recente de Ney cantando “Homem com H”:



Aos 70 anos muito bem vividos, Ney não precisa provar mais nada, nem brigar com os moralistas de plantão, já que escancarou com sua arte as portas para que os mais novos sigam com a batalha, munidos de muita argumentação e um exemplo magnífico. Aos 70, muito bem cuidados, o cara continua fazendo álbuns prenhes de beleza que marcaram uma vasta discografia de 31 discos, contando só a sua fase solo. Como, só para citar alguns, Pescador de Pérolas (1986), À Flor da Pele(1990), Olhos de Farol(1999), Vagabundo(2004), Canto em Qualquer Canto(2005) e o recente Beijo Bandido(2009). Ney manda bem com sua invejável juventude e uma fórmula sábia de encarar o mundo. Aos 70, muito bem engendrados, fica a certeza de que mais 70 não lhe fariam mal. Se se fizesse uma improvável justiça divina , só faria bem, com toda certeza, a todos nós. Parabéns, Ney. E para finalizar, fica um bela poesia, que traduz um pouco a alma generosa desse baita artista: “Se canto sou ave, se choro sou homem. Se planto me basto, valho mais que dois. Quando a água corre, a vida multiplica. O que ninguém explica é o que vem depois”.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Brincando no campo dos Kaisers

A proposta era divertida e marcava um diferencial entre aquelas bandas que tentavam colocar o ingovernável império da internet a seu favor. Como o grupo inglês Radiohead fez há quatro anos, os conterrâneos do Kaiser Chiefs resolveu disponibilizar na rede suas músicas mais recentes para que os interessados pudessem comprar de um jeito maleável. E escolheu uma forma bem diferente e lúdica para isso. Os malucos da banda ofereceram nada mais nada menos que 20 composições para que cada um dos internautas montasse seu próprio disco, com 10 faixas. E ainda, vejam só, poderia vender a sua própria versão e faturar algum trocado. Tava tudo lá, explicadinho, programinha no jeito, no site do grupo, www.kaiserchiefs.co.uk . O grande azar de toda essa história é que o festivo marketing acabou revelando uma fragilidade percebida por todos que tentaram se refestelar com tanta generosidade: nem tudo naquele banquete oferecido pelos britânicos cheirava bem. Três anos depois de terem lançado o quase leviano Off Their Heads(2008), o Kaiser Chiefs não estava, de acordo com o sentimento da crítica, muito preparado para tamanho carnaval.

Relembre “I Predict a Riot”, do ótimo Employment:



Antes de comentar o marketing e enveredar pela vasta trilha sonora apresentada em The Future is Medieval(2011), título do disco em questão, vamos remontar um pouco ao passado. Quando o futuro não parecia tão medieval assim, o Kaiser Chiefs surpreendeu a crítica e os ouvintes com um álbum que já nascia clássico. Employment(2005) tinha um vigor rocker desses de deixar os amantes do gênero catando estrelas. E, como sempre acontece com a imprensa entusiasta, a banda foi aplaudida, incensada, devido, principalmente, a músicas sensacionais como “I Predict a Riot” e “Everyday I Love You Less and Less”. O disco seguinte Yours Truly, Angry Mob(2007) não repetiu a magia do anterior, apesar de “Ruby”, a única música de sucesso do trabalho, ter sido uma arrasa quarteirão. Off Their Heads, o terceiro, na minha visão, não disse muito a que veio. E aí, os Kaisers passaram a dever uma obra que apagasse todo o passado de incertezas e dúvidas. O grupo se organizou por três anos, criou 20 canções para que chegasse ao álbum ideal. Não acertou, infelizmente o alvo, e parte da crítica vociferante caiu de pau. “Bons de marketing, ruins de música” era o tom de quase todas as resenhas maldosas, das bem escritas às escalafobéticas. Mas, nem só de rainha vermelha vive o reino de Alice.

Veja o vídeo da animada “Little Shocks”:



The Future is Medieval pode ser montado, sim, agradavelmente, com um mínimo de consistência e, vá lá, decência. Basta ter um pouco de boa vontade e alguma imaginação. Tudo bem que as vinte composições oferecidas para a dezena definitiva não apresentam uma unidade e algumas realmente poderiam fazer parte daquelas coletâneas “lados B esquecidos” das bandas. E nem trazem a afiação e brilho que o Kaiser Chiefs mostrou nos dois primeiros trabalhos. É fácil pinçar músicas completamente descartáveis, como “Problem Solved”, um rock com cara dos anos 80 bem mal resolvido, “Saying Something”, inspirada como um adolescente imberbe diante de uma equação de segundo grau, ou “Things Change”, uma tentativa vã de fazer algo parecido com o Bowie da fase mais eletrônica. Erram também na falsa candura de “Coming Up for Air”, com seu teclado e coro açucarado, apesar do bom arranjo cheio de vozes e barulhinhos inesperados. “Heard it Break”, um eletrorock pouco inspirado e sem vergonha bem que poderia ficar por sua vez no limbo das canções que nunca deveriam chegar à luz de nossos ouvidos.

Ouça a balada “If You Will Have Me”:



Mas é possível enxergar dignidade em um punhado de composições. E aqui, começo a construir meu próprio e humilde track list de The Future is Medieval. “Back in December” pende para o soturno e surpreende com seu ritmo cadenciado e refrão bem construído. Reparem na guitarra ferina e nos bons vocais. “Can’t Mind my Own Business” é a música oitentista mais redondinha do disco e uma de minhas preferidas, outra com melodia cheia e lampejos do Kaiser Chiefs que conhecemos, com direito à guitarrada mais solta e marcante. “Child of the Jago” traz um bom riff de guitarra iniciando uma canção lenta e minimalista, com lindo solo de guitarra. “Cousin in the Bronx” é uma sinfonia urbana com muito barulho de transito, buzinas, uma bela tradução musical da loucura de um bairro cosmopolita. Trilha inspirada para cidades cinzentas. Chega a ser quase um apêndice dentro do conjunto da obra. Tanto quanto a agitada “Dead or in the serious trouble”, tão cheia de pompa e arroubos com seu teclado urgente e característico dos anos 70 que me lembrou os momentos mais trepidantes de “Tommy”, a opera rock composta por Roger Daltrey e The Who.

Não perca as contas. Devo mais cinco entre as quinze restantes compostas pelos britânicos. “I Dare You” tem melodia convincente, talvez uma das mais inteligentes do disco, e baixo e guitarra trabalhando verdadeiramente em equipe. “Little Shocks", com ar deja vu e alguma agressividade, casa eletrônica e rock resultando em um final feliz. “Long Way for Celebrating”, que também está entre as minhas preferidas, é a mais roqueira da lista. O refrão é irresistivelmente dançante. Uma verdadeira celebração. Deixo para o fim duas baladinhas, boazinhas para encantar aqueles anjos que teimam em não dormir, vigias incansáveis dos roqueiros boêmios. “When All is Quiet” é preciosa em sua simplicidade, pequena gema lapidada com gosto pela banda. A segunda é “If You Will Have Me”, que vai na mesma linda da anterior, um lamento amoroso de arrepiar embalada por lindo arranjo de cordas. Taí, no final das contas, o meu “The Future is Medieval”, que não traz um Kaiser Chiefs intenso e iluminado, mas que funciona como um afago de um grupo que ainda fica devendo aos fãs um trabalho de peso. Ah, essa aí em cima é a capa que escolhi entre as opções propostas no site dos britânicos(veja as outras possibilidades mais embaixo). E aqui a versão que os Kaisers apontaram como a deles, ou seja, o álbum em sua versão oficial, que conta espertamente com três músicas a mais:

01. Little Shocks
02. Things Change
03. Long Way From Celebrating
04. Starts With Nothing
05. Out Of Focus
06. Dead Or In Serious Trouble
07. When All Is Quiet
08. Kinda Girl You Are
09. Man On Mars
10. Child Of The Jago
11. Heard It Break
12. Coming Up For Air
13. If You Will Have Me

Cotação: 3

Se link com o disco:

http://www.filesonic.com/file/1415236351/www.NewAlbumReleases.net_Kaiser%20Chiefs%20-%20The%20Future%20is%20Medieval%20%282011%29.rar

ou:

http://www.mediafire.com/?r2vvkcsh6y06m13

Outras opções de capa para The Future is Medieval:





quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ele e a planta

Um homem e uma planta. Uma relação radical, entranhada, dessas que geram comentários rumorosos e cuidadosa admiração. Não, não é nenhuma história fantástica envolvendo algum jardineiro ou botânico, muito menos uma moralista fábula de Esopo. Me & the Plant é como se autodenomina uma dupla formada por um músico e um cactus(!). A parceira espinhenta e onipresente, no caso, é ela, a inspiração e porta-voz desse dueto que acaba de lançar um álbum com nome tão estrambótico quanto o relacionamento entre os dois. The Romantic Journeys of Pollen(2011) nasceu à sombra dessa brincadeira. A tal planta aparece em videoclipes e responde à imprensa. O misterioso site do duo (www.meandtheplant.com) reforça esse divertido marketing, algo na linha do que fez Damon Albarn com seu grupo virtual Gorillaz, pouco revelando quem realmente está por trás desse assombroso disco todo cantado, e muito bem cantado, em inglês, uma saborosa mescla de folk e indie que chegou aos meus fascinados ouvidos como uma das mais belas e vigorosas surpresas do ano.

Veja clip de "On my Own":



Quando escutei The Romantic Journeys of Pollen, me veio de cara à mente Belle and Sebastian, Elliott Smith, Wilco, Tim Buckley e outros expoentes da melhor cepa do folk e da indie music. Tão grande era a espontaneidade e inventidade das composições que logo fiz ilações afoitas. Apostei de início que o grupo vinha de algum país nórdico, região européia de onde tem brotado bandas que assumiram com talento aquele gênero musical marcado pela suavidade, intimismo e melodias sinuosas. Comecei a desconfiar da minha apressada aposta quando ouvindo “We Want your Genes”, percebi a pronúncia cristalina de uma curta frase em português. Era um “que será, será”, como na trilha sonora de O Homem que Sabia Demais(1956), de Hitchcock, sem o sotaque histriônico da bela Doris Day. Curiosidade aguçada, fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri que o alter ego da planta e mentor do grupo era na verdade um brasileiro, um músico e redator de voz forte chamado Vitor Patalano. Ora ora, pensei, quem achava que o melhor do nosso folk e indie estava em figurinhas etéreas e carimbadas como Mallu Magalhães, deve ter levado um susto ao ouvir esse ótimo candidato a Neil Young brazuca.

Findo as dúvidas e elocubrações me entreguei ao deleite de um disco construído com beleza, sensatez e inteligência. Por trás da poesia concreta e melodias inspiradas do trabalho está ninguém menos que Kassin, um dos melhores e mais cobiçados produtores musicais do Brasil na atualidade. Para engrossar o caldo, Patalano, que assume os vocais ao lado da Planta, se cercou ainda de um refinado time de feras para dar vazão à sua até então, para a grande maioria dos pobres mortais, insuspeitada arte. Convidou Rodrigo Barba (ex-Los Hermanos) para tocar bateria, Gabriel Bubu, da ótima banda Do Amor, para arrepiar no baixo, e Marcos Lobato, no teclado, para criarem juntos todo o climão rocker que impressiona na obra. O resultado é pra lá de convincente. Como um jogo bem jogado do Brasil na Copa de 70. Tudo flui com ritmo e intensidade à serviço de canções que arrebatam e que não deixam nada a dever, arrisco aqui de peito aberto, ao que fazem os bons grupos que nasceram em países mais afeitos ao gênero de rock que Me & The Plant defende com tanta sobriedade e paixão.

Ouça a poderosa "Underdog":



O cardápio folk-indie oferecido em The Romantic Journeys of Pollen é farto e generoso. São treze canções competentes que trazem na alma a beleza melódica e atmosfera típica daquelas duas vertentes do rock and roll. A começar pela forte “Death Cheating Tuna Cowboys”, com introdução que remete a música árabe, mas que logo se transforma em algo próximo do country rock com letra e refrão memoráveis. A ótima e mais animada “Butcher The Savior”, folk de carteirinha, tem levada rítmica mais marcada, com coro atmosférico e arranjo espertíssimo. “Cordillera Girl” é puro Belle and Sebastian, “indie fofinho”, como foi denominada pela crítica cabulosa a música dos escoceses. “And It Goes Like This” segue a mesma trilha da delicadeza, com belo solo de cordas e interpretação sensível do vocalista e letrista. Só perde em beleza para a nostálgica “On my Own” e a melancólica “Seagulls”, de estraçalhar corações com seu piano lentíssimo e melodia com ataques atonais que lembram um pouco a fase mais introspectiva e menos pop de Thom Yorke, visceral líder do Radiohead.

Tão cheio de baladas e canções pra embriagar corações e mentes, o álbum do Me & The Plant surpreende também em seus momentos mais ácidos e buliçosos. Duas das minhas preferidas são “The Core”, outra canção com grande melodia que namora com o country e que traz a marcante voz de Patalano prenhe de seu poder, e “Underdog”. Essa última carrega o espírito do rock desgarrado, daquela fonte onde bebeu sedentamente ícones como Velvet Underground e Leonard Cohen. Por tudo o que mostrou nesse seu disco de estréia, não tem como negar a universalidade e talento da música desse carioca de batismo e sua amada Planta. Raro são os álbuns que se mostram tão equilibrados e coesos. Ainda mais em uma estréia. Isso talvez se explique pela maturidade de seu autor, um músico de 39 anos que só agora resolveu dar a cara a tapa. A clara maturação das composições (parte delas compostas na Patagônia) presentes no CD, que será lançado fisicamente apenas em agosto, rendeu uma obra também madura e superlativa. Sólida como uma poderosa planta depurada e protegida pelo tempo. E isso é só o começo.

P.S.: As fotos de plantas que ilustram esta resenha foram retiradas de um site cujo link está no endereço do Me & The Plant. Conheça: http://www.laurieknight.net/

Cotação: 5

Linke-se agora:

http://www.mediafire.com/?324vme840xavg2b

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Tempos de telecoteco

Billy Blanco era uma figuraça. William Blanco vulgo Billy Blanco. Era uma época em que o nome artístico precisava carregar uma sonoridade transnacional, estrangeirada. Tive a honra de, em 2009, ver um show do velhinho, só voz e violão, ao lado de seu filho, este com a enorme responsabilidade de não ser o músico acompanhante, mas o guardião do arsenal reunido ao longo dos 60 anos de carreira do pai. Daqueles tempos de bossa. Novíssima. Arqueado pelo peso da idade e talvez já consumido por doenças que a velhice teima em imputar ao corpo cansado, ele mantinha o bom humor no palco, rindo dos brancos impostos cruelmente pela memória falha. Na platéia, formada, em grande parte, por maiores de 40 anos, o sorriso no rosto era fácil. Ecos de um passado feliz, ensolarado, trazidos a tona por músicas de Billy que falavam de amores e dias coloridos. Muitas delas elegia ao Rio de Janeiro, adotado sem reservas pelo paraense de batismo.

Naquele show intimista em Brasília, a platéia cantava a maliciosa “Teresa da Praia”, a linda “Viva meu Samba”, tadução exata do brasileiríssimo ritmo, e a gaiata “Piston de Gafieira”. Billy Blanco compunha com sentimento popular. Em um Rio dourado, marcado pelas noitadas, foi o síndico da farra, elencando matreiro as regras das pistas da alegria, como em “Estatuto da Gafieira” (“O ambiente exige respeito/Pelos estatutos da nossa gafieira/ Dance a noite inteira, mas dance direito”) e “Estatuto da Boite”(“ O estatuto não prevê, mas eu lhe digo/Traga a sua mulher de casa e deixe em paz a do amigo”). Bom sujeito, ele. A música do cara, pra trilhar romances pianinhos ou pra dançar, tinha mesmo telecoteco. Hoje, a figuraça morreu. Grande pena. Nessas horas, só nos resta dizer, com a alma triste e enlutada: vai com Deus, Billy.

Para lembrar o mestre segue algumas provas de sua grande arte.

O vídeo com Juli Mariano cantando “Estatuto de Boite”:



A bela letra de “Viva meu Samba” e uma versão matadora da mesma com Zé Renato, uma das mais belas vozes masculinas da MPB. Cante junto:



Venho do reino do samba
Brilhar no asfalto
E na forma de samba
Vem o morro também
Faço da minha tristeza
Um carnaval de beleza
Que as outras terras não tem
Toda riqueza do mundo
Não vale um terreiro
Onde eu faço o meu samba
Com simplicidade
Com as pastoras na rua
Com um pedaço de lua
E a palavra saudade
Violão
Pandeiro
Tamborim na marcação
E reco-reco
Meu samba
Viva meu samba verdadeiro
Porque tem
Telecoteco

E olhe aí a incrível Elza cantando “Estatuto da Gafieira”:

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A dona da voz e da vez

Tudo gira em torno da voz da moça. As peças bem colocadas, calculadas, como num rico cenário operísticos onde tudo deve funcionar para que graves e agudos ganhem inteiramente o vácuo entre as bocas tonitruantes dos cantores virtuosos e os tímpanos amaciados do público no exercício do êxtase. A candidata a diva, uma britânica de pele branquinha e herança italiana no nome e na alma, parece gostar de trabalhar assim, amparada por equações exatas, orquestradas para que ela impere soberana. A estréia de Anna Calvi, uma bela dica de meu grande amigo e visionário Wagner Marataízes, com disco de estréia homônimo, é assim, esquemático, tramado com sensibilidade para que a novata pudesse expor seus impressionantes dotes vocais. E que vozeirão ela tem. É nela que se fia e é destilada cada canção de um encorpado registro fonográfico para o qual já foram tecidas todas as loas por uma maravilhada crítica. Mas, Anna Calvi(2011) tem realmente inegável encanto e é obra para se ouvir repetidas vezes até que andemos com segurança por todos seus becos e vielas emocionais.

Assista ao clip de "Blackout":



A arte de Calvi já foi comparada, pela voz e estilo único, a de musas eternas do rock, como as fantásticas Patti Smith e PJ Harvey. Comparação ousada, afinal, as duas são cultuadas e fazem inquestionavelmente parte da história de um gênero musical que vive se reinventando. A parte mais criativa e referencial, diga-se de passagem. Mas, a inglesinha é ainda, pela curta experiência de vida e amores, uma estagiária nesse universo povoado por quase deusas. O que se evidencia em seu primeiro álbum é o distanciamento da crueza rocker e radical que tanto marcou os primeiros trabalhos de Smith e Harvey, provocado, no caso da estreante, por uma produção mais cuidadosa e cartesiana. Só para traduzir melhor, pensando na segunda cantora da frase anterior, Anna Calvi está mais para Bring you to my Love(1995) do que para um Dry(1992), este uma peça de artilharia devastadora. Isso, contudo, não tira o brilho e a contundência de um trabalho raro e incandescente. Nossa cara iniciante já nos dá, em sua primeira investida, muito pano pra manga.

Voltemos então à voz de Calvi, cheia, diferenciada, que vai, no álbum de estréia, de registros suaves, líricos, a intervenções mais raivosas, tudo sempre a serviço de um rock and roll engajado e sofisticado, sem grande apelo popular, mas longe de ser intransponível. E ainda, o que mais marca, uma voz com intensidade dramática e convincente carga de verdade que escorre por entre os dedos de cada palavra cantada por essa artista que, sem rodeios, ama o que faz. Espertamente a voz da moça só nos é apresentada depois de uma música introdutória, “Rider to the Sea”, instrumental climático que lembra trilha sonora de western spaghetti, com suas cordas chorosas, naquela clássica hora do esperado duelo ao entardecer. Calvi surge então sussurrante na linda “No More Words”, composição que remete a PJ Harvey, poderosa e prenhe de angústia, fluido veículo para as injeções de sensualidade aplicadas sem parcimônia pela cantora. Aí de nós, “obrigados” a ouvir essa garota cantando apaixonadamente e sem compaixão no pezinho de nossos ouvidos “oh,oh my Love”.

Escute a ótima "I'll be your Man":



Quem prefere uma paixão mais radical, Anna Calvi oferece, logo a seguir, argumentos fortes e suficientes para conquistar também esse segmento menos romântico. “Desire” é uma das canções mais rasgadas e rockers do disco, na qual a talentosa artista solta de vez a afinada voz, inapelavelmente, mostrando todo o seu alcance. Ou seja, três músicas depois e a munição está posta sobre a mesa. E a gente, do lado de cá, com as mãos para o alto, ficamos pasmos diante da deliciosa descoberta. A partir daí, entre composições digeríveis e outras nem tanto, a britânica vai cada vez mais conquistando nosso respeito com seu vozeirão. E, como se isso não bastasse, a loirinha conta, a seu favor, com músicas inspiradas e que contribuem para seduzir de vez os inebriados ouvintes. Nesse quesito, o álbum chega a fazer algumas concessões, mesmo que não tão fáceis, ao pop, caminho com o qual ela não se sente muito à vontade. É o caso das mais comportadas “Blackout”, a mais fraca do CD, e de “Suzanne and I” , com guitarra, a cargo da própria Calvi – outra boa surpresa desse trabalho –, mais apática do que normalmente do que se vê sendo executada no trabalho.

Melhor mesmo é ficar com a vertente mais gótica e entranhada do disco. Momentos em que Anna Calvi se entrega a um rock profundo, com sonoridade próxima do experimental, possuída por demônios próprios que dançam em torno de suas próprias dores e mistérios. Amparada por arranjos suntuosos, a artista provoca nossos instintos. É épica e caudalosa em belas melodias, como “Firts we Kiss”, uma das minhas preferidas, cuja dramaticidade da canção é ampliada pela voz potente da inglesa, e “Desire”, de refrão contagiante. A magia continua com “The Devil”, de tom fabulístico, e o suingue da ótima “I’will be your Man”, onde o vocal da cantora dialoga instigantemente com uma guitarra pontual. Anna Calvi encerra com “Love W’ont be Leaving”, com percussão marcada e cordas atmosféricas, uma das mais ousadas desse grande álbum. No fim dessa aventura sonora, fica a impressão de que nos deparamos com uma artista inventiva, pronta para encarar o mundo com uma música inteligente, sem devaneios, rock de gente grande com definida pretensão de fazer história.

Cotação: 5

Vai encarar?:

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ou

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terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre cachaça, fuscas e sacanagem

Itamar Franco pegou o elevador e desceu na cobertura onde os mortais não colocam os pés. O topetudo se foi deixando aquela profunda impressão de perda nos conterrâneos mineiros, que se despediram dele ao som da emblemática “Ó, Minas Gerais, quem te conhece, não esquece jamais”, hino usado de praxe nos enterros de autoridades que deixaram alguma herança para um povo. Perda ligada à memória de um homem que teria sido honesto na política, daqueles que fogem do lugar comum e têm na ética uma escola com lições a serem divididas com todos e por todos. Lembro de Itamar em momentos estanques, em situações ligadas, contudo, menos aos seus esteios morais, que os colegas de profissão gostam de citar no velório com falsa consternação, e mais a atitudes tão sofregamente humanas e cotidianas, que provavelmente, são as que vem a tona na cabeça de quem viu o ex-presidente em ação.

Uma delas era o seu apego pela pinga. A branquinha. Era a “maldade” que, de vez em quando, escorria venenosamente da boca daqueles que gostavam de detratá-lo. Mentira ou verdade, esse gosto particular nunca chegou a pesar nas costas daquele homem com topete vistoso, a la Elvis. Além do que, como todo bom mineiro, o amor pela pinguinha, que tem em Minas forte tradição e os melhores e mais qualificados produtores, é mais um sentimento cultural do que exatamente um pecado mortal. Para quem não lembra, Itamar, em reconhecimento radical à popular bebida, instituiu o 21 de maio como Dia Nacional da Cachaça. Minha pobre e castigada memória não alcança notícias sobre qualquer escândalo envolvendo o topetudo que tenha sido provocado pelos eflúvios da “marvada”. Até porque é prática dos nascidos nas Minas Gerais fazer tudo caladinho, como muita discrição, ou como prefere nosso rico léxico, mineiramente. Mais uma prova, respeitosamente falando, de como Itamar era um representante legítimo de sua gente.

A única lembrança de algo próximo a um escândalo e outros dos parcos registros do passado que me levam a Itamar Franco. Esse foi rumoroso e fez a fama, vejam só, de uma colega minha de faculdade. Antes de ser achincalhada pelo Brasil inteiro, Lilian Ramos foi estudante de comunicação, daquelas mais apetitosas e provocadoras de fantasias sexuais entre os meus amigos de classe. Era espevitada a moça, alegrinha mesmo, mas não me recordo de tê-la vista sem calcinha em uma aula teórica qualquer de jornalismo. Despojada que só e ao lado de um festivo Itamar, foi assim que ela foi flagrada super animada no carnaval de 1994. Ora, ora, machismo de lado, a danada só podia estar com más intenções ao postar-se daquele jeito desenvoltinho, bem colada ao presidente da república. O marketing pessoal funcionou na época. Durante alguns dias a moça, definida pela jornalista Thaisa Galvão como “modelo de segunda categoria, atriz de terceira e oportunista de primeira”, foi caçada pelos flashes e imprensa afoita. Durante alguns dias, Itamar, até então mineirinho a toda prova, teve que viver a vergonha da quebra de padrão de comportamento. De qualquer forma, foi uma página deliciosa e francamente humana de nossa história no capítulo dedicado à malícia.

Por último, Itamar provocou em mim e em milhares de brasileiros que tem no carro um irresistível ícone o fim momentâneo de uma dolorosa saudade. Em 1993, uma época em que já havia sido decretada a morte do fusca, o fusqueta, o fusquinha, o presidente provocou a fabricação do último modelo fabricado no Brasil do veículo mais popular e simpático que tivemos. Prateado e garboso, 13 mil besourinhos reluzentes, apelidados carinhosamente de “Fusca Itamar”, voltaram a circular em ruas e avenidas. Era outra paixão nacional que o presidente homenageava e uma resposta nacionalista a invasão de carros importados, liberada pelo seu defenestrado antecessor, o extravagante Collor de Mello. Por uns instantes, em meio a um Brasil economicamente instável, tivemos a sensação da volta de tempos felizes, nostálgicos, nos quais o fusquinha era um dos símbolos mais exatos. Itamar deve estar andando de fusquinha agora onde estiver, talvez ao lado de uma bela e fogosa morena. Que ele fique sempre assim, mineiramente, bem feliz na memória de todos nós.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Bendita herança

Todos somos frutos de heranças, quer sejam culturais, genéticas, filosóficas e políticas. Somos o que somos porque antes de nós houve já quem moldasse o mundo à imagem e semelhança do homem. Sorvemos assim as características de nossas famílias e as influências que, de Platão a Bill Gates, mudaram com o jeito da gente se relacionar com o planeta e com o próximo. Na música, há quem tente negar essa inexorável verdade. Filhos de artistas famosos fogem ou subestimam o sobrenome com medo da inevitável comparação ou do menosprezo, por parte da crítica, da personalidade em detrimento daquela de quem os pariu. Outros entregam-se ao que é óbvio e exploram, da maneira mais saudável possível, o DNA que corre em suas veias. É o caso de Anelis Assumpção, ou Anelis, como preferiu ser chamada artisticamente a bela negra, que lança o bom Sou Suspeita, Estou Sujeita, Não Sou Santa(2011). A filha do iconoclasta, ou seria íconeclasta?, Itamar Assumpção, estréia em disco com um trabalho plural e vigoroso que reforça o bom gosto e a grandeza dessa artista que, tudo indica, veio para ficar.

Anelis canta “Passando a Vez”:



O nome de Itamar Assumpção(1949-2003) é recorrente aqui neste blog. Sou fã declarado e rendido do cara. O genial paulista mexeu e estremeceu com as estruturas da comportada MPB nas décadas de 80 e 90 do século passado, criando um repertório único, de assinatura própria, no qual o batuque, a dissonância e estruturas melódicas surpreendentes marcaram o circuito undergound naquele período e fizeram história. Anelis debuta expondo e assumindo de forma cristalina sua herança bendita. Disse em entrevista que está, assim, pagando uma dívida. E que bela dívida! E essa é emocional e concreta. Sou Suspeita, Estou Sujeita, Não Sou Santa só existe fisicamente com a ajuda dói dinheiro arrecadado com a venda da Caixa Preta(2010), box com a reunião de todos os CDS do Negro Dito, incluindo dois inéditos que Anelis ajudou a dar forma. Comprei essa caixa em São Paulo e acabei dessa maneira, orgulhosamente, colaborando também com o lançamento da estréia dessa afinada cantora e compositora.

A herança sanguínea , os genes são assumidos na dedicatória do álbum – “pela ancestralidade que me fez continuar”, assume no encarte – e, de cara, na forte primeira música. “Mulher Segundo meu Pai” é batizado pelo próprio Itamar, em resgate vocal, que faz dueto psicografado pela filha. O beatbox característico do revolucionário músico, o som do baixo repetitivo e marcante traz de volta, com beleza e energia, a sonoridade do seu autor. Bela homenagem de Anelis, que demonstra nas entrelinhas, que aprendeu, com reverência, a lição de Itamar. É uma das grandes canções do disco que, em análise mais detalhada, não se reduz felizmente a essa generosa sombra. Anelis tem personalidade suficiente para dizer: olha, existem ecos de meu pai em mim, mas tenho cá minhas próprias idéias. Afinal, a paulistana já está na lida há muito tempo, tendo já participado como backing vocal em vários discos de gente graúda da MPB, sem falar é claro, como integrante da banda DonaZica e do trio Negresko Sis. Daí a grande expectativa gerada em torno dessa estréia.

Escute “Mulher segundo meu Pai”:



A maioria das músicas de Sou Suspeita, Sou Sujeita, Não Sou Santa são assinadas por Anelis. E para desenvolver sua poética e sonoridade, a artista contou com um arsenal de peso de amigos aquinhoados durante sua evolução musical. A ficha técnica lista gente talentosa como Céu, Thalma de Freitas(parceiras no Negresko Sis), a revelação Karina Buhr e mais Curumim, Lurdez da Luz, Alzira E., Flavia Maia e o ator Gero Camilo. Uma constelação, enfim, que ajuda a dar ainda mais consistência a essa álbum que peca apenas pelo excesso de canções. São 17, contando com algumas faixas-bônus presentes apenas em mídias alternativas. Nessa lista, a artista vai do samba ao reggae, passando pela bossa nova, mantendo, contudo, um refinamento nos arranjos que terminam por dar uma perceptível unidade ao disco. A sonoridade é moderna, “cool”, como diriam os norte-americanos. A elegância se faz presente no exercício instrumental, com metais e base percussiva usados com inteligência, como pode ser sentido, por exemplo, no estiloso dub “Bola com os Amigos”, outra das composições com ecos mais visíveis de Itamar.

De levada mais latina, bolerinho desregrado com letra lúdica que explora tema caro aos ecologistas de plantão, “Amor Sustentável” conquista fácil o ouvinte. “Eu quero ter uma vida biodegradável com meu amor/consumir conscientemente o gozo e a dor”, diz a letra oportunista. O samba alegre e malandro “Passando a vez” é outra forte candidata a cair no gosto popular. As características mais pop dessas duas composições, contudo, não é regra. Anelis baixa o tom, explorando sonoridades mais densas a exemplo da jazzy “Secret” e do reggae “Neverland”, com a participação de Céu, essa última uma das mais belas e perenes do CD. Karina Buhr e Flávia Maia fazem coro na bacana “Sonhando”, de autoria da primeira, pernambucana revelação de 2010 com “Eu Menti pra Você”. Afrobatuque envernizado por metais eloqüentes é música que fica na cabeça. Assim como as lindas baladas “Alta Madrugada” e “Quaresmeira”, ode à delicadeza na qual Anelis divide os vocais com Alzira E., irmã de Tetê Espíndola. Sou Suspeita, Sou Sujeita, Não Sou Santa corresponde, enfim, às expectativas criadas. Não chega a surpreender, por tudo o que a paulistana já demonstrou até agora. Um trabalho bem resolvido, redondo, que traduz a alma forte e talentosa e o espírito de Anelis. Um disco com substância, desses que nossas mãos estão sempre procurando, mesmo imperceptivelmente, para colocar no toca-cd. Deixa tocar.

Cotação: 4

Não seja santo, entre na lista dos suspeitos:

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domingo, 26 de junho de 2011

Tapa na orelha

“Fique atento quando uma pessoa lhe oferece o caminho mais curto”. Papo reto, o aviso objetivo é dirigido para aqueles que moram nas regiões periféricas das grandes cidades e encontram nas drogas e trambiques um jeito fácil de se ganhar dinheiro, correndo todos os riscos que isso acarreta. Prisão, morte, dor, não merecendo, o pobre coitado, na maioria das vezes, nem sequer uma nota de roda pé nos jornais populares, aqueles que vivem de tragédias e violência. A máxima não vale, contudo, para a música de quem a deixou registrada em disco logo nos segundos iniciais da primeira canção. Nó na Orelha(2011) é o caminho mais curto para se chegar à arte robusta de Kleber Gomes, ex Criolo Doido, hoje só Criolo. Esse paulistano, muito conhecido nas Rinhas de MCs da capital de São Paulo, entrega ao público uma estréia solo de peso, com impacto parecido, ouso dizer, do lançamento de Enxugando Gelo (2003), incensado, merecidamente, trabalho do rapper B Negão. Os dois têm a mesma força e genialidade de quem une mensagem política e som brasileiro de qualidade com raro talento.

Assista a videografite de “Não existe amor em SP”, criado por Daniel Ganjamam:



Criolo é da estirpe dos guerreiros que usam a música como instrumento de denúncia, sem que, com isso, caiam na doutrinação ou no discurso chato. E o que é melhor com todo esmero na construção de melodias e arranjos bem acabados. Ou seja, o cara não está aí para brincadeiras e nem, justiça fosse feita, para ficar restrito às radiolas dos guetos. Seu som plural, pela proposta sincera e consistência, bem que poderia ganhar as rádios e os players da galera brasileira. O artista é, há duas décadas, parceiro e ativista do rap, gênero que tem um público cativo e fiel. Seu trabalho de estréia, com produção dos cultuados Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, vai, contudo, muito além. Invade com autoridade e brilho outras praias melódicas, sempre com os pés fincados na black music. Sonoridades d’Angola, de Fela Kuti, samba, batuque, suingue com influência e alma negras. Navio negreiro que carrega também as mazelas que vitima principalmente aqueles cuja cor provoca preconceito e tratamento diferenciado por uma parcela medieval e burra da sociedade.

E é assim, com música de pegada irresistível e discurso afiado, que Criolo conquista o surpreso ouvinte que, como eu, não conhecia a poesia do sujeito homem. Em “Bogotá”, um afrobeat dançante de metaleira e percussão espertas, ele se inspira no movimentado universo dos muambeiros. “Vamos embora para Bogotá, muambar, muambê”, sugere a letra, com direito, na sequência da frase, a citação, com liberdade fonética, de Manuel Bandeira, “Vai ser melhor do que Pasargada, agradar até o rei”. A marcada “Subirodoistiozin” é outra canção meio jazzy, com letra cheia de gírias e expressões típicas de comunidades mais pobres, que critica a crueldade de um sistema no qual os viciados endinheirados são uma explícita ameaça: “Que contradição, quem tem tudo de bom é quem fornece o mal para a favela morrer”, diz a letra ácida. Existe quase sempre muita acidez no que escreve o cara, até mesmo naquelas composições com espírito mais light e romântico, como na linda “Não Existe Amor em SP”. Essa, uma ode à São Paulo urbanóide, dos “labirintos místicos, onde os grafites gritam”, mas que também tem suas armadilhas: “Postal tão doce, cuidado com o doce, São Paulo é um buquê”.

E a viagem musical de Criolo, depois de visitar o trip hop de “Não Existe Amor em SP”, passa por muitas encruzilhadas. Alcança o batuque africano na fantástica e discursiva “Mariô”, com refrão em ioruba e muitas referências na letra a ídolos como Chico Buarque e Fela Kuti. Repassa o dever de casa em dois rap inteligentes, “Grajauex”, poema concreto que brinca com as rimas possíveis com a sílaba “ex”: “os irmãos que tão com fome, desce três marmitex, sabão de coco não é bombom com protex(...)zona sul é um universo, e os vagabundos é belezex”, e na seca “Sucrilho”, cheia de ranço político e afirmação de identidade: “Calçada pra favela, avenida pra carro/ Céu pra avião e pro morro descaso”. Sem se prender a gêneros, Criolo vai ainda de samba na bacanéssima “Linha de Frente”, só no miudinho para despedaçar corações. Sambinha leve e cheio de graça que une percussão e metais de forma deliciosa. E desafia limites, beirando o brega na lúdica e abolerada “Freguês da Meia Noite”, a história de um homem apaixonado por uma confeiteira que sempre lhe oferece doces “furta cor de prazer”.

Ouça "Sucrilhos":



Criolo é um dos belos e grandes achados de 2011. De uma maturidade típica de quem tem um lastro musical de peso, o paulistano oferece um cardápio musical irresistível e bem temperado. Mesmo sem ter uma voz que marque, o artista compensa essa lacuna com canções de raro apelo emocional e bela engenharia instrumental. Nó na Orelha é nosso Brasil periférico com tintas universais, desenhado por um músico antenado com suas raízes e sensível com nossa mais crua realidade. Traz a herança de um povo que acorda para a cidadania. Tapa na orelha, nó na garganta. Esse cabra Criolo tem o que dizer e sabe como dizer. “Cada um sabe o preço e do papel que tem, de onde vem”, canta em “Bogotá”. Seu debut é obra incisiva, que já nasce clássica em sua diversidade sem fronteiras, sem preconceito. Desde já, ainda impressionado com o que ouvi, acredito que esse é um dos melhores discos nacionais do ano. Recomendo.

Cotação: 5

Se ligue no samba do Criolo doido:

http://hotfile.com/dl/115890191/5fb3ca1/Criolo_No_Na_Orelha.rar.html

terça-feira, 21 de junho de 2011

Contra o mau humor

Existe um preconceito em meio à crítica musical que muitas vezes empana a razão e entorta o coração. Dessas bobagens típicas de resenhistas casmurros que sobrevivem mal aos seus preciosismos e ao vazio de indulgência. Gente que cobra em demasia e ensaia textos ácidos para não se enquadrar no gosto comum, principalmente quando se trata de músicos que fazem sucesso. Observei isso com relação ao recente álbum do Strokes, o bacana e corajoso Angles. Do novo percebi esse ranço em resenhas venenosas e injustas sobre o último trabalho de um outro grupo que já alcançou o estrelato, o Arctic Monkeys. Muitos tentaram implodir Suck it and See(2011) por aquilo que ele tem de mais curtível, a pegada pop e quase juvenil, característica aliás que, me desculpem os incisivos e impiedosos críticos de plantão, é um dos combustíveis que tornaram o bom rock and roll um gênero tão carregado de honestidade. E é essa imperativa impulsividade que faz desse obra vilipendiada dos ingleses uma das mais interessantes que já ouvi nesse generoso ano de 2011.

Assista vídeo de "Brick by Brick":



O Arctic Monkeys voltou com aquela alegria desregrada presente nos seus dois primeiros álbuns, o efervescente Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not(2006) que encarei, nas primeiras audições, com alguma desconfiança, e, para mim, a obra-prima, até agora, Favourite Worst Nightmare(2007). Com Humbug(2009), o grupo capitaneado por Alex Turner tentou um amadurecimento tipo microondas, rápido e forçado, perdendo aquela espontaneidade que havia arrebatado tantos fãs. Suck it and See parece ser uma tentativa de voltar às pazes com seu fiel público. E se essa era a intenção, os caras estão cumprindo com honras a missão. Orientados pelo produtor James Ford, o mesmo de Favourite..., Turner(vocal), Jamie Cook (guitarra), Nick O'Malley (baixo) e Matt Helders (bateria) escolheram um playlist de fácil assimilação, com muitas favas contadas, achados pops que irão movimentar pistas e girar indefinidamente nos tocadores de música da molecada e também, porque não, daqueles mais velhos que gostam da eletricidade do rock despojado. Um deles é a garageira e uma das melhores do trabalho, “Brick by Brick” com seu riff pesado de guitarra e o coro grave, que resgata o espírito festivo do Kinks.

Na mesma sintonia de “Brick by Brick”, primeira música de trabalho do CD, o repertório traz pérolas da mesma linhagem abrasiva impressa nos melhores álbuns do grupo, a exemplo de “Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair”, com a guitarra rascante de Cook em perfeita harmonia com o baixo de O’Malley. “All My Own Stunts” repete os riffs de cordas que tanto marcou a carreira dos britânicos. Elíptica, essa canção prende o ouvinte com sua boa melodia sinuosa e o vocal esperto de Alex Turner. Mas, a galera faria ainda melhor na provocante “Library Pictures”, que conta com as alucinadas viagens de Helders e a tresloucada guitarra de Jamie Cook numa festa, ora espertamente compassada ora pura pauleira, para nossos agradecidos ouvidos. Rockão de primeira perpetrado em poucos mais de dois minutos que já valeriam o disco. Sem dúvida, um dos melhores petardos do ano e revelador ainda de um Arctic Monkeys palpável, íntegro, cheio de boas idéias e inspiração.

Ouça “Library Pictures”:



Mesmo quando não solta os diabos, o grupo é capaz de cometer composições precisas. Prova inconteste disso é a saborosa música de abertura, “She’s Thunderstorms”, com sua guitarra hipnótica e melodia pra lá de marcantes, carregada de uma nostalgia romântica que remete aos grudentos clássicos do rock dos anos 50 do século passado. Envolventes também são as boas “Black Treacle” e “The Hellcat Spangled Shalalala”, baladas de uma simplicidade e ternura que chega a ser tocante. Com Suck it and See, o Arctic Monkeys foi taxado, por muitos, de burocrático por fazer um rock sem grandes pretensões e que casa com aquilo que os fãs de carteirinha esperavam da banda. Nunca esperei nenhuma grande ousadia desses rapazes, até porque para eles música parece ser unicamente sinônimo de diversão. E se ser burocrático é fazer, inteligentemente, como acredito nesse caso, música para a massa, então viva esses operários que nos dão prazer. Pelo seu descompromisso com a crítica chata e tacanha, esse álbum já é um dos meus preferidos de 2011. Dá-lhe Arctic Monkeys.

Abrindo aspas. Só a guisa de curiosidade, para o conhecimento de meus caros e reduzidíssimos leitores que ainda não sabem do fato: Suck it and See, com sua capa simplória e minimalista, mas título declaradamente imoral, algo numa tradução livre como “Chupe-o e veja”, foi, por isso mesmo, retirado absurdamente das prateleiras das lojas de disco norte-americanas. Fico pensando se os filmes blockbusters tão sortidos de palavrões produzidos naquele país fossem, por isso mesmo, proibidos de passar nas telas de cinema ou de TV de seu próprio território ou nações alheias, como estaria a milionária indústria holywoodiana... Para esse falso moralismo só poderia dedicar duas palavrinhas roubadas do vocabulário popular dos nossos irmãos gringos acima da linha do equador: fuck you. Ou em bom português mesmo: foda-se. Fechando aspas.

Cotação: 5

Antene-se:

http://www.fileserve.com/file/7ENv8f8/www.NewAlbumReleases.net_Arctic%20Monkeys%20-%20Suck%20It%20And%20See%20%282011%29.rar