O homem morto, ilhado por estilhaços e o sangue tingindo infame a parede, a cama, o lençol branco, testemunhas passivas de uma cinematográfica ação militar. Talvez isso. Talvez nada. Antes havia um fantasma de um homem vivo. Hoje paira o fantasma do homem morto maior do que era antes, fazendo sombra sobre nós. E surge imperioso o fantasma da dúvida se esse homem, com sua barba longa e passado entrincheirado, repousa mesmo debaixo de alguma terra em algum lugar desse mundo. Todos querem ver a foto do homem morto num mórbido e inquietante desejo de enterrar finalmente um capítulo sombrio da história da humanidade. Essa vontade coletiva, raivosa e tão loucamente humana de ver o terror selado dentro de um caixão imaginário, construído por milhões de pessoas que tremeram incrédulas diante de aviões suicidas jogados contra arranha-céus naquele fatídico dia em que o mundo também ruiu um pouco.
O homem sem o registro da morte estampado nas TVs, foi noticiado, teria sido jogado ao mar, desaparecido de vez de nossas vistas. Uma cerimônia fúnebre também sem registro, sem olhares curiosos. Sem choro nem vela à luz de holofotes. Insatisfação geral. Num planeta rendido à força intransigente das imagens, não bastava o anúncio verbalizado do assassinato por um presidente negro e poderoso, era necessária a visão ensangüentada da vítima perseguida por longos nove anos. Porque o mesmo mundo das imagens é o mundo do simulacro. A foto, o filme passou a ser cobrado aos brados, a parte perdida de um quebra-cabeças. A fotografia reclusa virou personagem, a estrela do noticiário depois da morte. Talvez guardada a sete chaves em um cofre. Talvez apenas arquivada na cabeça do estrategista que montou uma possível trama de grosso calibre. Estranha ironia. O homem barbudo e de turbante, até então coberto pela poeira do tempo, redivivo pela morte.
A morte sem foto e sem vela agora é também fantasma. Mais um fantasma do homem morto que assombrava os sonhos dos homens de bem. É o terror anguloso, cheio de surpresas, pregando, podem pensar alguns, uma piada de mau gosto em todos os que queriam cuspir em sua cara. Quem quer ver o rosto do homem morto? Prefiro pensá-lo longe de nosso mundo sofrido pelas guerras e atitudes insanas. Não quero ver a foto do homem morto e nem saber da notícia dela. Não quero me apegar a um papel com um rosto hirto estampado nele, uma face pálida endurecida pelo pó e enegrecida pelo sangue coagulado. Só quero um planeta melhor, sem violência e pânico, sem o preconceito que embrutece a alma, sem o terror que provoca choro em nome de ideais, quaisquer que sejam esses ideais. Sem nacionalismos extremados que produzem festas em cima de corpos sem vida no chão. Quero que a foto do homem morto permaneça enterrada junto com toda a tenebrosa história que se esconde por trás dela. Meu álbum de fotografias só admite fotos cheias de esperança de vida, de cliques de amizade ou de alguém que, mesmo que tenha partido definitivamente, só me faça lembrar a vida. Inteira e intensa como ela deve ser.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Barroco renovado

Assista ao vídeo de “Grown Ocean”:
São seis, os caras. Em comum, além desse gosto voluntário e desconcertante por uma musicalidade fora de moda, Robin Pecknold, Casey Wescott, J. Tilman, Skyler Skjelset, Morgan Henderson e Cristian Wargo gostam de melodias sinuosas, amparadas por uma instrumentação complexa, rica em detalhes, e vocalizações abundantes. São assim um tanto barrocos mesmo. Meninos malinos e incendiários. O folk do grupo ressurge com características semelhantes às já apresentadas no primeiro álbum. Contudo, soam mais grandiosos e deliciosamente pretensiosos. Há elementos novos, mas não surpreendentes em Helplessness Blues, como uma certa sonoridade árabe presentes na saltitante “Montezuma” e na cinematográfica “Bedouin Dress”. Surgem como uma cortina de fumaça, um pequeno e singelo aperitivo para o que de melhor a banda sabe fazer. E o melhor vem a partir da quarta música, “Battery Kinzie”.

Escute "The Shrine/An Argument":
The “Plain/Bitter Dancer” tem o mesmo vigor criativo da épica “The Shrine/An Argument”, com seus sete minutos e andamentos diferenciados. Pecknold acompanhado apenas de um violão acústico começa a canção de forma serena e depois abre as portas para que entrem, avolumados, a penca de instrumentos com sua sonoridade medieval. E ainda sobra espaço para esquisitices no final de tudo, guinchos atonais que parecem saídos da garganta de baleias. Essas duas canções, tão complexas e cheias de infinitos detalhes, dão a dimensão exata do exercício musical rebuscado do grupo. Essa arquitetura refinada exige paciência do ouvinte, que, em alguns momentos é poupado estrategicamente da robustez e preciosidade dos arranjos. Em pelo menos dois deles, na instrumental “The Cascades” e na plácida “Blue Spotted Tail”, um folk que lembra os emblemáticos Paul Simon e Art Garfunkel em seus momentos mais poéticos, os Fleet Foxes deixam que tudo flua mansamente, com estapafúrdia singeleza.

Cotação: 5
Viaje com os caras:
http://www.multiupload.com/RS_8S4JXP36D6
ou
http://www.mediafire.com/?t5469157pzayf88#1
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Bons de melodia

Veja participação do Mountain Goats cantando no David Letterman:
http://youtu.be/CmBKKDxWJsk
Antes de ouvir o disco encare bem a capa do danado na foto do primeiro parágrafo desta resenha. As letras brancas sobre o fundo preto. Simplesmente. Nada de novo no design, é claro, mas quem conhece um pouco a banda imagina logo que a proposta impressa ali anteciparia mais um trabalho lento, introspectivo, estilo lo fi que marcou a carreira da banda, como em Get Lonely(2006) e The Life of te World to Come(2009). O que se ouve, contudo, é um John Darnielle, o cabeça do grupo, menos soturno, mais virado para o sol. Como se toda aquela melancolia anterior, feito cobra que muda de pele, tivesse se descarnado e se mostrado com novo brilho e cor. Essa pujança está inclusive naqueles momentos em que Darnielle, autor de todas as músicas, e seus amigos revivem a angústia curtida e explorada antes de forma admirável, a exemplo da envolvente “Outer Scorpion Squadron”, com seu piano leve contrapondo-se a violinos tensos, e de “Liza Forever Minelli”, homenagem em tom menor à, ironicamente, esfuziante e midiática atriz de tantos musicais hollywoodianos.

Ouça a bela "Age of Kings":
A boa voz de Darnielle, grave e cheia de personalidade, é instrumento para outras canções de forte apelo musical. E leia-se aqui melodias inspiradas. Até naquelas composições com arranjos mais tradicionais, que lembram, mesmo que de longe, o estilo indie-country, como “The Autopsy Garland”, marcada por uma bateria pesada, quase tribal, e a mais alegrinha, apesar do título doentio, “Beautiful Gas Mask”, animada por um violão tão cheio de energia, é possível sentir a inteireza e modernidade de canções buriladas por músicos talentosos. E que mantêm a coerência, percebida em toda a carreira, ao insistir em letras carregadas de fantasmagorias e imagens cortantes, sem concessões aos mais fracos de coração e estômago. Temos, contudo, que nos desligar do universo tão próprio e denso de Darnielle e viajar em suas construções melódicas, que encantam a alma, como a lenta “Never Quite Free” e a mais hardcore “Estate Sale Sign”, que, pode ter certeza, caro amigo, não vai fazer feio em sua descolada festinha.

Cotação: 4
Daunloude-se:
www.mediafire.com/?c3430ul0zbskywl
terça-feira, 19 de abril de 2011
Tem um roberto dentro de todo brasileiro

Ouça “Sua Estupidez”, com Ná Ozzetti:

Ouça “Como 2 e 2”, com Gal Costa:

Escute “Detalhes”, com Roberto Carlos:

Cotação: 10
Ouça "Todos estão Surdos", com Chico Science e Nação Zumbi:
terça-feira, 12 de abril de 2011
Amor, meu grande amor

Ouça "Ôô":
O segundo álbum solo de Marcelo Camelo é todo esse seu momento de plenitude. Amor é um sentimento que não se basta e não se contem dentro do peito. Tomado por ele, o carioca, sensível como ele só, parece ter a necessidade de expô-lo, de compartilhá-lo. Tenta explorá-lo, decifrá-lo em canções intensas e repletas de achados poéticos. Amor é o tema comum a boa parte delas. Letras e melodias trilham caminhos de absoluta interação. Enamoradas, complementam-se harmônicas como se feitas uma para a outra. Como um casamento feliz, com o cheiro e a costura da eternidade. Inspirado, Camelo é capaz de construir espécies de hai-kais ultra-românticos, exemplo de trecho da lenta “Meu Amor é Teu”, na qual declara, como um Werther redivivo, “Meu amor é teu, mas dou-te mais uma vez”. Ou também de elaborar versos tão singelos, quanto criativos, exercitados na fantástica “Três Dias”, que já nasce clássica: “Se falta carinho, ninho/ Se tiver vontade, chama/Mas, se faltar a paz, Minas Gerais”. Ricas imagens poéticas a serviço de uma melodia pra lá de tocante.
Ouça a magnífica "Três Dias":

Para dourar sua música, o ex Los Hermanos chamou a Hurtmold, banda paulista integrada por músicos talentosos e extremamente cultuados no underground. Vale dar uma passada pela discografia surpreendente e refinada desses caras. Eles são os responsáveis pelos metais e cordas que contribuíram para dar forma, ângulos inéditos ao espírito essencialmente solar e vivo de Toque Dela. Sax, trombones, guitarra, baixo “falam” alto, são atores ativo em arranjos que privilegiam a instrumentação. O instrumental chega mesmo a ser exagerado em alguns momentos, como na mais agitada de todas, a rocker, ou algo que se aproxime disso, “Pretinha”. Esta, uma canção ligeira com aura experimental, provocada por uma dissonância esquisita de guitarras e baterias, descompromissadas, intrigadas com a voz frágil de Camelo. Mas, no geral, a moçada do Hurtmold está a serviço do equilíbrio, baixando até o tom, quando necessário, como, por exemplo, no batuque e na simplicidade que fazem de “A Despedida”, composição que o público já conhecia na voz de Maria Rita, uma das mais diretas e saborosas faixas do álbum.

Cotação: 5
Entenda todo o amor de Camelo:
http://rapidshare.com/#!download|578cg|456195501|MarceloCamelo-ToqueDela2011.rar|40562
domingo, 10 de abril de 2011
Voando alto

Veja o clipe de "Na Varanda da Liz”:
Há dois anos, Tiê entregou de forma independente um CD tão confessional e cheio de lirismo que logo chamou a atenção da crítica especializada. Poucos acompanharam os primeiros passos da artista que exibia uma sonoridade que logo tacharam de neo folk, ou algo parecido. Porque íntimo, acústico, econômico, feito daquelas palpáveis tristeza e doçura que caracterizam o gênero. Sweet Jardim(2009), que me inspirou uma resenha aqui mesmo no meu insensato blog, era diferente, não seguia as tendências da música brasileira. Meio assim deslocado com sua abusada simplicidade e sinceridade. Tanto que, por ser rara, a artista logo foi colocada no balaio do que recentemente denominaram de “Novos Paulistas”. Mania essa da imprensa de criar grupelhos, imaginários movimentos musicais, levada pelo surgimento de talentos contemporâneos, a exemplo dos conterrâneos Tulipa Ruiz,Thiago Pethit e Marcelo Jeneci, autores de discos incandescentes e marcantes em 2010.
Faça o download e ouça “Só Sei Dançar com Você”:
http://www.divshare.com/download/14536235-57b

A ligação com a Warner, e muitas vezes isso acontece, não desfigurou o som e o canto de Tiê. Parece apenas ter lhe dado mais munição para produzir um trabalho mais encorpado, com recursos técnicos e instrumentais que a falta de verba não lhe proporcionara antes. A compositora e o aclamado produtor Plínio Profeta, que a acompanha desde Sweet Jardim, puderam contar com o auxílio de afinados músicos e a presença de um bom punhado de convidados. E esse é um dos diferenciais mais notados em relação ao primeiro álbum. Percussão, cordas, metais surgem inteiros nos belos arranjos da nova investida da paulista. E isso é percebido fortemente na música de abertura, “Na Varanda da Liz”, composta para a filha, embalada por muitos e intensos instrumentos que quase fazem a voz da cantora sumir. Aquela levada acústica que ganhou mentes e corações só aparecem nas lindas e mais cools, “Piscar o Olho” e “Te Mereço" e seu piano ensimesmado, que poderiam fazer parte naturalmente do primeiro CD.

E tem ainda, em contraponto ao visceral e divertido forró de Dorgival Dantas, as versões das matadoras “Só sei dançar com Você”, de Tulipa Ruiz, e “Mapa Mundi”, de Thiago Pethit, que, se não acrescentam muito às originais, são conduzidas com brio e leveza. As duas contando com a participação daqueles “novos paulistas”, autores incensados e criadores iluminados. Para fechar essa alongada resenha, diria que, no frigir dos ovos, A Coruja e o Coração é um disco generoso, convincente, de vivo aconchego. Obra madura de uma artista veio para ficar. Avoé, Tié.
Cotação: 5
Voe com Tiê:
http://www.mediafire.com/?e4eq7nc746a02a5
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Onze brasileirinhos

Somos os Estados Unidos que testemunharam tragédias parecidas? Parecíamos tão longe disso tudo. Já não estamos agora. Podemos até ser mais afáveis que os norte-americanos, traço sempre realçado de nossa alegre personalidade, mas somos loucos do mesmo jeito. Morreram onze brasileirinhos. Com nomes, famílias, carrinhos coloridos, bonecas despenteadas, amigos, com pouca idade e tanta coisa pra fazer. Tanta coisa. Morremos um pouco todos nós, brasileiros e brasileirinhos, e também morre um pouco nossa santa ingenuidade. As tragédias não medem choro e perplexidade. São tsunamis em nossas entranhas que devastam um pouco de nossa já combalida humanidade. E toda essa inquietante tristeza que ela causa faz com que reflitamos sobre o que o tempo e uma moral sempre em cheque faz com nossa alma.
Perdemos onze brasileirinhos. Com dentes esbaldando sorrisos, com línguas aprendendo o vocabulário, com olhos abraçando o mundo, com pés miúdos aprendendo a dar passos largos. Perdemos tudo isso. Só não podemos perder a capacidade de transformar essa tragédia na promessa de que nunca vamos nos conformar com isso, nunca vamos deixar que isso pareça banal. Porque para cada louco que atira contra a humanidade, contra ser humano, tem que haver um milhão de pessoas prontas para defendê-la. Choremos e sejamos humanos. E vamos rezar também para que esta quinta-feira estranha tenha sido apenas um tropeço estúpido na história de nosso país rumo a uma arquitetura da paz. Aqueles brasileirinhos que, injustamente, não vivem mais entre nós merecem.
terça-feira, 5 de abril de 2011
Além da naftalina

Antes, o Iron & Wine era Beam e toda sua tristeza infinita em dois discos, The Creek Drank The Cradle (2002) e Our Endless Numbered Days (2004), com essência folk que cativou os de corações generosos. Tanta poesia e dor foram arrefecidas um pouco no elogiadíssimo e melhor dos três, The Shepherd's Dog(2007), o meu preferido. Aqui, a alegria deu o ar da graça. Sim, havia réstias de sol no mundinho intimista da banda. Em Kiss Each Other Clean, Mr. Beam se aproxima do universo pop de quem, além de se sensibilizar com harmonias barrocas, gosta também de bater o pezinho, de sentir a pulsação dos instrumentos que inspiram a dança. Calma, o disco não foi feito para as pistas, mas tem uma levada até então estranha ao grupo, harmonias mais dançantes e que revelam o interesse de seu mentor de alcançar um público menos cult. E talvez por trás disso há o fato de que agora o barbudo trocou o cool Sub Pop por um selo, digamos assim, mais capitalista, a Warner.

O pop de Iron & Wine não é da mesma matéria daquele fabricado a granel por gente como Michael Jackson e Steve Wonder. Desses dois, aliás, herda um certo suingue negro, vindo do soul e do funk, que tem similitude em outro branquelo, o bacana Dave Mathews. É mais cabeça, mais intelectualizado, som cheio de filigranas que demonstram que o grupo é amante da sofisticação. O ataque de metais vibrante é, por exemplo, um dos grandes baratos de “Big Burned Hand”, com seus momentos jazzy, acentuado principalmente pelo sax sensual e improvisos instrumentais. O diálogo de metais e corda também faz a diferença na soberba “Your Fake Name Is Good Enough for Me”, com uma melodia, no início mais acelerada, que se revela inteira e sedutora quando a música diminui o ritmo e se desnuda para o ouvinte. São sete minutos de sonzeira nos quais fica evidenciado ainda o arranjo preciosista da composição e a voz de Bean que, dobrada, nos faz viajar aos tempos áureas do folk de Simon e Garfunkel. Quem lembra?
Ouça "Your Fake Name is Goof Enough for Me":
http://www.divshare.com/download/14498928-9dc

Cotação: 3
Conte com a sorte, que o xerif web está mal humorado.Download aqui:
http://www.mediafire.com/?yw4435qab6cadco
Ouça sessão livre com “Walking from Home”:
sábado, 2 de abril de 2011
Jeitão de esboço

Veja o vídeo de “Slippery Sloope”:
A imprecisão do “interessante” é provocada e aí, meu caríssimo leitor, vem minha única explicação, pela salada sonora que The Dø nos oferece. Estamos aqui no terreno do inclassificável, exercício ao qual a tribo indie norte-americanos e a européia, mais culta e melhor informada, está bem acostumada. Não consigo rotular que tipo de som o duo pratica. É possível sacar de Both Ways Open Jaws essa mistura rítmica que faz o álbum parecer a uma colcha colorida de fuxico, esse artesanato tão comum a nós brasileiros. Tem eletrônica, world music, experimentações, country music, roquenrou em doses esparsas, estilos que fazem com que possamos ler o disco como um livro de contos. É como se cada faixa fosse uma história diferente. E isso faz a delícia e traz os maiores riscos à obra. Porque nem todas as “histórias” desse “livro” são bem resolvidas. Nem todas têm, infelizmente, final feliz.
Escute “Gonna be Sick!”:

Temos mais algumas histórias de acertos nessa variada obra do Dou. “Slippey Slope” é descaradamente um decalque da batida forte, roots de M.I.A, a rapper londrina que conquistou a crítica do mundo inteiro com sua música engajada e provocativa. Boa música, ainda assim. Mexe com o corpo, inspira os músculos das pernas. Olivia e Levy aprenderam bem a lição de veia africana vinda daquela moça. A objetiva e transparente “Too Insistent” lembra, com sua guitarra displicente, o rock descolado das bandas independentes que fizeram a alegria da galera nos anos 90 do século passado, como “Pavement” e “Guided by Voices”. A baladinha pouco inspirada, ainda que suavizada pela voz de Olivia, “Was it a Dream” e “The Calendar”, uma espécie de country baleado de morte por uma bateria minimalista, depõem contra e provam que, apesar das boas intenções, o álbum dá sérias engasgadas.

Cotação: 3
Vai que dá:
http://www.filesonic.com/file/179281851/TD_BWOJ.zip
ou
http://www.mediafire.com/?qmffy134bbj0b4c
quinta-feira, 31 de março de 2011
Pra sempre, Edward
Para ler ouvindo "Deus e o Diabo no Liquidificador", da banda Cérebro Eletrônico:
Tudo muito cinza, escuro. O ar sempre enevoado embaçando a minha vista, turvando os objetos e uma noite, longa noite, que parecia não ter fim, absurdamente ao meu redor. O mundo lá fora seria uma noite sem fim? Saudade de meu pai, de seu riso aberto, de meu pai com sua roupa branca no meio de sua casa negra. Seu castelo, nosso castelo de coisas enevoadas, vestido de teias e musgos, decorado de tubo de ensaios ensebados, esquecidos nos cantos. Homem engraçado meu pai. Ele me deu longas e afiadas tesouras ao invés de mãos. Não esqueço, ele me admoestava sempre: "seus dedos cortantes quando se mexem cortam". E me deixou a dor, o peito dilacerado quando, caído no chão, me fitou com olhos duros, secos, sem o reflexo de mim. Nunca mais meu rosto pálido nele, nos olhos dele. Depois disso meu pai nunca mais falou comigo, nunca mais ensinou palavras cheias de letras e sons. Depois disso, nunca mais ele. Mas, vejo meu pai todas as vezes que abro os olhos.
Meu nome é Edward. Pelo menos era assim que ele me chamava com uma voz mansa, como se ao chamar meu nome, grudasse à palavra algo a mais. Algo que não podia mensurar. Algo que me fazia bem. Um calor no peito na hora, como se meu nome dito por ele fosse um manto cálido a me cobrir, a me proteger do tempo sibilante que deixava tudo branco lá fora. A me proteger de algo que ele nunca ousou descrever pra mim. E esse algo era gigante e morava além do castelo negro que me encobria. Seria o mundo todo um grande castelo negro? Passava manhãs, tardes e noites usando minhas mãos para lembrar meu pai. Scissorhands. Eu sozinho no assoalho frio achando que tudo o mais não passava de mim sozinho. Meu presente era eu só. Meu futuro era eu só. Quem era eu nesse mundo sozinho? Até que um dia ouvi uma outra voz, diferente a de meu pai, fina e melodiosa. E eu nem imaginava, na minha sã inocência, que aquela voz mudaria toda a minha vida.
Corte. Segue o filme.
Aquela cena descrita lá atrás, antes do corte abrupto, é uma leitura livre de uma das cenas iniciais de um longa-metragem inesquecível. Tim Burton nunca mais faria algo parecido. Vinte anos depois, a fábula do jovem frankenstein amado e depois açoitado por uma sociedade cruel mantém seu frescor e magia. É assim com os clássicos. Eles vencem os dias, as décadas, incólumes às erosões e ferrugem que o tempo costuma provocar. Sem perder sua modernidade e vigor. O filme, que marcou a vida de muita gente nos anos 90, está sendo homenageado em uma bela exposição nos Estados Unidos. De 40 ilustradores, aqueles mesmos que, como eu, se encantaram com uma equilibrada mistura de poesia e horror. Edward Mãos de Tesoura(1990), a fita, é uma obra prima deliciosa, dessas que grudam na parede da memória.
Pra quem não viu, ta aí o trailer do filme:
Edward foi criado em laboratório por um cientista solitário, vivido por um fantástico Vincent Price em fim de carreira, humanizado e cativante. Surpreendente. Diferente de todos os monstros e personagens tenebrosos que marcaram sua cinegrafia. O cientista queria um filho para compartilhar sua solidão, alguém para conversar. Não conseguiu viver para ver a obra cumprir seu fim. Orfão e assustado, Edward é encontrado por uma vendedora da Avon, dessas que se multiplicaram pelo mundo afora, cheias de simpatia, em meados do século XX. A partir daqui entra em contato com um outro mundo, o dos seres humanos inconstantes e desconfiados, nosso louco mundo. Aí vem a perda da inocência junto com a paixão e a incompreensão. E aí vem o resto do filme, que prefiro deixar em aberto, para que você que está lendo essa resenha se interesse, talvez, em assistí-lo.
Garanto, do alto de minha mais inteira humildade: ver ou rever Edward Scissorhands é sempre um prazer. Tá lá o cineasta das esquisitices, Tim Burton, fazendo sua obra mais pop e intensa. Tá lá Johnny Deep mostrando todo o talento que o faria um dos atores mais cools e bacanas de holywood. Tá lá Winona Ryder linda, radiante, como o par romântico de Edward, despertando fantasias nos homens. E a palpável química dos dois envolvendo todos os 24 quadros por segundo do filme. Tem a cenografia dark, o humor negro, o figurino punk do personagem principal e o colorido contrastante de uma provinciana cidade norte-americana com todos seus habitantes provincianos e tão frivolamente norte-americanos. Enfim, todos os elementos que fizeram com que esse bacanéssimo filme ganhasse, 20 anos depois, a homenagem de talentosos ilustradores que colorem as paredes da Gallery Nucleus, na Califórnia. Eu não fui a Nucleus, mas pesquei na internet algumas das obras, que trato, com muito carinho, de reproduzir aqui. Para ver mais, vá em: http://scissorhands20th.blogspot.com/
Cotação: 5







Corte. Segue o filme.

Pra quem não viu, ta aí o trailer do filme:


Cotação: 5






terça-feira, 29 de março de 2011
Herói de todos nós

Faço nesse momento, comovido pela notícia que chegou a alguns instantes, um esforço de memória, um exercício carinhoso a respeito desse homem a partir da questão fria e crua: como é que eu gostaria de lembrar dele? Acho que não lembraria como o empresário, homem de sucesso nos negócios, condição que o levou ao alto cargo público assumido sem estardalhaço. E esses são tantos. Não lembraria como o homem que desconheço, aquele que a minha ignorância sobre seu passado esconde sob muitos e muitos véus. Que fique no mistério e esquecimento. Não lembraria como o cavaleiro solitário lutando quixotescamente, nos hiatos que o poder lhe dava, a favor da redução dos juros que imobilizava nossa economia. Era dever da ingrata função. Não lembraria do velho já meio esqualido, castigado pelo câncer, tantas e incontáveis vezes levado aos panos frios de uma maca de hospitais,dissecado pelas máquinas, ruminado por medicamentos. Memórias melhores hão sobre ele.
Acho que lembraria daquele velho de cara boa nos seu momentos de bom humor. Imenso bom humor congelado agora em minha memória. "O bom escoteiro ri até nas adversidades", disse ele cheio de dentes num programa de TV, um pouco depois de uma daquelas vezes que passou dias no hospital enganando o câncer e a morte. Velho e bom escoteiro. Lembraria dele demonstrando uma positividade e uma alegria inacreditável, imensurável, diante de sua frágil condição de saúde. Lembro dele herói de todos nós nessa mesma guerra santa contra o câncer. Vontade imperturbável e exemplar de seguir em frente, se desviando dos males como se levitando estivesse. Nosso velho ninja. Lembraria dele cantando o hino de seu clube de futebol naquela mesma entrevista na TV citada nesse parágrafo, o desconhecido Nacional de Muriaé, e socando o ar com sua mão ao final da música como um torcedor cheio de vitalidade. Como um menino. Lembraria dele como um menino.
José Alencar morreu, menino, nessa tarde do dia 29 de março de 2011. O drible na morte dessa vez não deu certo. Almas boas deixam saudade. Com saudades já estou.
Viciados em alegria

Ouça Praia do L:
Olindance é fruto de um apanhado musical centrado na América abaixo da linha do equador. São ritmos que naturalmente provocam calor e que, devidamente misturados por artistas antenados e contemporâneos, ganham novo espectro, nova pulsação. Esses caras fazem parte de bandas que extrapolaram as fronteiras de Pernambuco, a terra natal, como Eddie, Orquestra Contemporânea de Olinda e Mundo Livre S.A. O combo só tem figuras de respeito e responsa. Sente só: Alexandre Urêa(voz, timbales), Tiné(voz,pandeiro, maraca), Yuri Rabid(baixo e voz), Gabriel Melo(guitarra), Hugo Gila(microKorg), Irandê César(bateria e percussão) e Tom Rocha(percussão e pateria) E o que se sente é uma entrega natural dessa galerada às sonoridades latinas, sem qualquer pecha acadêmica, longe de didatismo, do resgate cru e tradicional daquelas ricas musicalidades.

Mesmo as composições com voltagem um pouco mais baixa levam você ao remelexo. Exemplo de “Gringa”, canção com forte influência do côco, ritmo nordestino muito bem defendido no CD, e que conta com a participação especial do impagável Peida das Olinda, folclórico guia turístico das bandas de lá. E também da cadenciada “E Então”, assim meio bolerega(um tanto de bolero um tanto de Alípio Martins), uma bela canção romântica. Essa ainda pra dançar agarradinho. De preferência bem agarradinho. E de “O Gole”, exemplar clássico dessa nova música pernambucana influenciada pelo romantismo e pelo brega. Nessas duas vemos o lustre moderno das composições, melhor notado nas instrumentais "Berliman"(repare no teclado tecno e pesado no início da música), com toques de surf music, na encantada “Praia do L”, uma das melhores do CD, e no sambinha de branco “Primeiro Plano”.

Cotação: 4
Bote pra ferver:
http://www.mediafire.com/?8qjg5cin13tehv1
Veja "Fui Humilhado", gravado diretor de um show da banda:
sábado, 26 de março de 2011
Declaração de independência

Assista ao vídeo de “Under Cover of Darkness”:
Como deglutir uma obra tão diversa e atípica, se tratando de Strokes, quanto Angles? Sob que ângulo apreciá-la? O álbum é cheio de arestas que parecem traduzir o momento musical e pessoal dos cinco músicos que o produziu. Por trás dele, como elemento invisível, há o fato dos integrantes dessa incensada banda viverem um longo e tenebroso inferno astral. A imprensa repercute há algum tempo a relação corroída de Julian Casablancas, o elegante e blasé vocalista, Nick Valensi(guitarra), Fabrizio Moretti(bateria), Nikolai Frature(baixo) e Albert Hammond Jr.(guitarra). Comenta-se que eles mal se vêem e que o último trabalho foi gerado de forma estanque, com voz e instrumentos sendo gravados em sessões separadas. Esquisito, né?

Angles chega assim desnudado, dissecado e visto, pela maioria da crítica, como uma obra “estranha” ao mundo fervilhante e quase juvenil da banda novaiorquina pré First Impressions of Earth(2006). Tem alguns momentos realmente em que o disco soa como o velho e bom Strokes, aquele de guitarras nervosas e riffs marcantes, os que mais gosto inclusive. O rock urgente está presente, sem véus nem mágoas, nas muito boas “Under Cover of Darkness”, com suas cordas pulsantes e cozinha azeitada, e na ótima e também dançante “Taken for a Fool”, com sua linha matadora de baixo e guitarra, composição que poderia fazer parte de Is This It sem fazer feio. Nas duas, o grupo faz uma música direta, pop, sem firulas ou sem o “cabecismo” oco, típico de quem quer agradar os ouvintes mais intelectualizados.

Ouça "Taken for a Fool":
Acho que toda essa pluralidade se deva a tal maturidade chegando sem apelo. E leia-se aqui honestidade e coragem de fazer aquilo que a partida banda quer na atual fase, sem muita preocupação em agradar gregos e troianos, goianos e baianos, sem concessões. Tem um pouco de cada um dos Strokes em Angles. Tem também um muito de uma banda que parece querer se reiventar, mesmo estando assim em pedaços. É um álbum franco e desigual. No que vai se transformar o Strokes depois disso? Aliás, será se vamos ter Strokes depois dessa declaração de independência chamada Angles? Como todo produto típico de uma transição, falta-lhe uma identidade, seu grande ponto fraco. Mesmo sem ser marcante, sem ser de cabeceira, é um disco respeitável. Deixemos, assim, os caras procurarem seu caminho. Sem crucificação. Devemos isso a banda.
Cotação: 3
Baixe por aqui:
Novo link:
http://www.4shared.com/file/ldIsTVzZ/wwwDiegoMercadoWordPresscom_-_.html
e
http://www.depositodomp3.com/series/?url=get925OZHUW=d?/moc.daolpuagem.www//:ptth
Os velhos:
http://www.4shared.com/file/Kh2-HcCG/The _Strokes_-_Angles__2001_.htm
ou
http://www.megaupload.com/?d=ZUU0TAA8
ou
http://www.fileserve.com/file/wf72bpS
ou
http://www.mediafire.com/?c5kscelimtg451s
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