Aguardava com expectativa, assim como a maioria daqueles que assistiram a novela criada em torno do The Vaccines, o lançamento do primeiro álbum dessa banda que virou hype no meio da galera. A exemplo do Arctic Monkeys, o quarteto londrino se utilizou da internet para conquistar milhares de fãs espalhados pelo globo. Essa turma foi despejando, numa seqüência curta, quatro músicas com forte apelo pop, roquezinhos crus e diretos que pegaram na veia da molecada ligada na rede. Em cinco meses a banda virou notícia nas principais revistas especializadas em música e teve aquelas quatro canções reproduzidas nas rádios rock mais influentes da gringolândia. Até que lançou, depois do estardalhaço, o disco com título esperto, que brincava com o sentimento de espera que produziram afoitamente: What Did you Expect From the Vaccines?(2011), na tradução, o que você esperava do Vaccines?
1 minuto e 20 segundos de punk music. Ouça "Wreckin'bar(Ra Ra Ra)":
O que esperar de uma banda com menos de um ano de vida e que provocou alguma embriaguez e elogios desmedidos antes mesmo de lançar um trabalho concreto, um disco cheio? É preciso muito cuidado nessa hora. O melhor mesmo é se despir daquela expectativa, esquecer os aplausos antecipados e ver What Did you Expect From the Vaccines? como o debut de um grupo que não tem a pretensão, pelo menos no trabalho agora exposto a todos, de revolucionar o rock. Vamos deixar de lado também as comparações com Strokes, Libertines, Interpol e o diabo contemporâneo a quatro. Afinal, se fazem um som que lembra em alguns momentos estas bandas citadas é porque todos os que querem conquistar o mercado precisam de referenciais. E é bom que, no caso do The Vaccines, as influências sejam aquelas.
Vídeo da bacana "If you Wanna":
Admito que na primeira, segunda e terceira audição não vi nada demais no som desses quatro garotos, que listo agora, pra conhecimento dos meus poucos, porém amigos e fiéis leitores: Arni Arnason(baixista), Freddie Cowan(guitarra/voz), Pete Robertson(bateria) e Justin Young(voz/guitarra), que, dizem as más línguas, é o mais marrento e falastrão deles. O problema é que lá pela décima audição continuei com a mesma impressão. Os caras começam o disco botando pra quebrar com a pegada punk de “Wreckin’Bar(Ra, Ra, Ra)”, rock urgente que chama pra pista. Assim como a bem bacana “If you Wanna”, garageira e trepidante, canção que reforça a vocação do álbum para a despretensão e provoca a comparação com Strokes. Boa de toda. Dá vontade de sair dançando pela sala, mesmo sem qualquer aditivo.
Esse gás adolescente e pegada dançante, o rock básico e direto, estão presentes ainda na honrosa “Blow It Up” e na irresistível “Post Break-Up Sex”, composição de qualidade que selou o interesse da crítica pela banda. Aí, fechamos o ciclo das canções que abriram na web as portas para a ascensão vertiginosa do The Vaccines. Todas as quatro músicas comentadas até agora tem lá suas virtudes. São legais, sim, mas não têm aquele diferencial que faça a gente realmente se arrepiar. Não sei se isso é coisa de quarentão exigente que já ouviu muita coisa boa e está sempre a espera do novo redentor(sem qualquer conotação religiosa, viu!) do rock. O fato é que a sonoridade febril do quarteto traz aquela sensação de algo já ouvido antes. As outras seis músicas, com exceção da classuda “All in White” e sua energia contagiante, despertam, pelo menos no cara desconfiado que escreveu essa resenha, interesse menor.
What did you Expect from the Vaccines? tem ligeiros 35 minutos. Tem o dinamismo da internet, a dinâmica do nosso cotidiano e indústria cultural que constrói e destrói coisas belas, lembrando o meu guru Caetano Veloso. E, pensando nesse rolo compressor capaz de induzir a sociedade a amar ídolos venais e biafras, temo pelo futuro dos meninos do The Vaccines. Que não sejam mais um simulacro, fogo de artifício que encanta em poucos segundos e depois desvanece sem deixar rastro. Acredito que, nessa minha, realçada mais uma vez, teimosa fé na humanidade, a banda possa, sem querer cobrar muito, evoluir e oferecer um trabalho mais consistente e perene da próxima vez. Que a história ratifique minha esperança para a felicidade de quem, como eu, ama pra danar o rock and roll. Afinal, tempo é o que não falta a esses garotos.
Quando ouvi pela primeira vez o duo norte-americano The Dodos fiquei deverasmente bem impressionado. Tive a sorte de encarar, logo de prima, Visiter(2008) uma obra elogiada pela crítica, com idéias nítidas e uma boa dose de inspiração. Os caras de São Francisco pariram um disco melodioso com peças cheias de graça e personalidade, que trafegava tranqüilo e soberano entre baladas acústicas e canções um pouquinho mais carregadas de energia. É, registrei na memória, os meninos de São Francisco faziam parte daquele time de criadores que podemos classificar de acima da média. Aí veio um outro álbum, tão irregular quanto o anterior tinha de belo, Time to Die(2009). Depois de algumas escutadas, coloquei-o sem remorsos no baú das coisas esquecidas. Neste ano, eis que os rapazes fazem as pazes com a decência e lançam o respeitável No Colour(2011).
Veja exibição ao vivo do The Dodos cantando “Black Night”:
The Dodos é Meric Long, no vocal, violão, guitarra e Logan Kroeber, na bateria e percussão. Esses dois sujeitos são respeitáveis por uma sonoridade própria, complexa, na qual o duelo das baquetas e das cordas agiganta-se a cada audição. A bateria tem um toque marcante, tribal às vezes. O diálogo enérgico de sua batida com violão e guitarra com uma harmonia mais folk desperta os sentidos. Não se assuste, porém, com minha definição do som dos caras. A complexidade de que falei não é do tipo intransponível. Está mais para instigante. Do tipo “quero ouvir de novo”. É isso que incita o interessante No Colour. E se o trabalho não tem a fortaleza de Visiter, ele chega perto daquele insight.
O quarto álbum do Dodos começa nervoso. Ligaram a bateria de Kroeber no 220 volts e ela só se desliga no final, depois de 45 minutos de canções vivas, espertas. A batida marcada, quase marcial, desse instrumento abre e dá o tom de “Black Night”, uma admirável canção, clarividente cartão de visitas para o ouvinte. O que se escuta na sequência é uma série de canções com o mesmo poder inventivo que nos leva ao hipnótico universo acústico do duo americano. Em “Going Under”, guitarra e violão parecem bailar desencontrados diante das baquetas potentes. As mudanças de andamento, a voz firme e afinada de Long contribuem ainda para fazer dessa uma das melhores composições do CD. O baile descompassado das cordas pode ser percebido ainda em “Don’t Stop” e “Good”. Ouça o violão melodioso em guerra com a guitarra mais esganiçada. É o folk dos branquelos doidos.
Escute “Don’t Try and Hide It”:
Long e Kroeber estão decididamente mais barulhentos e sujos em seu último trabalho. A evidente garra e intempestividade das canções não é amenizada nem pela presença da doce ruivinha Neko Case, parceira do The New Pornographers. Case, em sua carreira solo, é autora de alguns dos trabalhos folks mais divinos que ouvi nos últimos anos, caso de grande Middle Cyclone(2009), que já resenhei neste meu humilde blog, e do bem amado e excepcional Fox Confessor Brings the Flood(2006). A artista é presença como backing vocal em várias músicas, a exemplo da bacana “Sleep” e da linda e mais calminha, com refrão mântrico, “Don’t Try and Hide it”, uma das que mais me agradou nesse equilibrado álbum.
No Colour é um trabalho que recoloca o The Dodos no trilho que construíram com solidez no início de carreira. Para isso o duo contou com o auxílio luxuoso de John Askew, que produziu e afinou o já citado Visiter e Beware of the Maniacs(2006), o primeirão da banda. Com isso, os dois de São Francisco voltaram para um terreno que conhecem bem, para a zona de tranqüilidade. E reaparecem também menos experimentais, mais maduros, e, benza-te Deus, com a mesma inquietude criativa, pena e instrumentos afiados. A gente só agradece.
De quando em vez esse nosso imenso e desregrado país, em meio a corriqueiras notícias de corrupção e tragédias anunciadas, nos delicia com aquilo que o faz realmente grande e único: a mestiçagem. Não adianta fugir dessa doce condição: somos vários e plurais. Da pigmentação da pele ao gosto musical moldado pela irrequieta alma que tem uma inequívoca vocação para a festa. E, de vez em quando também, essa natural musicalidade provoca redescobertas que só reforçam admiravelmente nosso DNA. O álbum de estréia do projeto Baiana System é um exemplo cabal e luminoso disso. Uma bela experiência e homenagem que está trazendo de volta às ruas e palcos a estridente e brasileiríssima guitarra baiana, passeando agora por mares e timbres nunca dantes navegados.
Veja ensaio da música “Da Calçada pro Lobato”:
A guitarra baiana, ou guitarrinha, como apelidaram carinhosamente os soteropolitanos, é uma invenção do diabo. Foi criada lá pelos idos dos anos 50 do século passado pelos geniais foliões Dodô e Osmar, que deram ainda a ela um berço móvel para desfilar e que se tornaria para sempre um ícone do povo baiano, o trio elétrico. Um e outra são contemporâneos endiabrados, genuínas máquinas de produzir barulho e alegria. O disco do Baiana System, que leva o mesmo título do projeto, resgata essa farra musical, incrementada com outras sonoridades tão diversas quanto possível, sem perder a brasilidade jamais. Raízes nordestinos, levadas orientais, samplers e dub jamaicano(daí o system do projeto) são temperos comuns, mestiços, que, juntos ao miúdo instrumento baiano, fazem de Baiana System(2010) um irrecusável convite a festa.
Ouve aí “Oxe como era doce”:
Esse é um daqueles álbuns que eu deveria ter sido resenhado ano passado. Mas, nunca é tarde para se redimir, entrar em contato e se apaixonar por esse fervilhante trabalho. Até porque ele traz de volta a musicalidade e originalidade de um carnaval que, antes da ascensão da monstruosa e milionária indústria da axé music, conduzia milhares de pessoas ao êxtase numa democrática Praça Castro Alves, em Salvador. Sem abadás e sem cordas elitizantes. Atrás do projeto Baiana System, está sem mentor, o músico Robertinho Barreto(na foto aí do lado), que fez um bom trabalho a frente da banda Lampirônicos e, desde aquela época, sempre acreditou no poder da guitarra baiana e da mestiçagem. “Eu sou mestiço, acredito na mistura”, discursa o vocalista Russo Passapusso na ótima “Systema Fobica”, homenagem ao primeiro trio elétrico, uma fobica, que arrastou a multidão e também uma síntese da proposta plural do trabalho.
Se a guitarra baiana é a base do trabalho, como defende Robertinho Barreto, a magia se dá mesmo é pela generosidade com que ela se amalgama tão organicamente com outras referências musicais. O instrumento, tocado com agilidade, apimenta o som punk da guitarrada paraense na fantástica, e uma das melhores do disco, “Da Calçada pro Lobato”, música pra animar qualquer festa de responsa. A guitarra soteropolitana convida ainda uma cítara indiana para tocar um dueto com sotaque nordestino na boa “Amerikha Expressa”. E tem muito mais mistos quentes no trabalho, sempre, repare bem, com pitadas do dub jamaicano. Exemplo de “Jah Jah Revolta”, que tem uma versão aDUBada no final do CD, um ragga hipnótico com letra que abusa naturalmente do clássico vocabulário rasta, tipo babilônia em chamas. E também da já citada “Systema Fobica”, com muito reverb, loops e participação de B Negão, um quase sócio do Baiana System.
E antes que um leitor mais incauto, desconhecedor da história dos carnavais baianos de outrora, ouse imaginar que Ivete Sangalo ou Cláudia Leite vão dar uma palhinha no disco, recomendo: vá direto para a faixa 10, “Frevofoquete”. Aqui o bicho pega e a guitarra baiana soa, não como a indigente axé music, mas como um revival dos vigorosos e ricos tempos em que Dodô, Osmar e Armandinho eram soberanos nas ladeiras de Salvador. Nessa provocante composição, o vocalista convida o ouvinte a criar seu “sound system satélite em volta da terra e fazer seu próprio carnaval para a humanidade”. Seria esse o carnaval do futuro? E para mostrar de vez que esses baianos são diferentes do lugar comum, sugiro uma passadinha pela anordestinada faixa 1, a linda instrumental “Nesse Mundo”, e a minha preferida, a sensual “Oxe como era doce”. Oxe, isso é que era carnaval.
No nordeste profundo, onde a paisagem árida mistura galhos secos, homens secos, tapetes de seixos, o azul amortecido pelo sol inclemente, no mundo descrito por Euclides e que parece ter parado no tempo. Ali, num outro Brasil, o sertão que vai virar mar, vi um dia um burro morto. A boca escancarada, cheia de dentes, o corpo avolumado pela morte, inchaço festejado por milhares de moscas que preenchiam com seu zunido o silêncio do nada ao redor, olhos duros, fitando quem passasse em frente. O burro morto é uma presença triste naquele universo onde o bicho representa resistência e trabalho. Fim da resistência. Pra quem é nordestino, a imagem cala. Vi o animal morto por uns instantes naquele nordeste profundo.
Veja clipe de "KalaKuta":
O burro morto que inspira pesar foi a mesma imagem que incitou também garotos paraibanos a formar uma banda instrumental com aquele nome. Que faz um som que também cala. Seguem o caminho aberto pelo pioneiro Hurtmold, paulistanos cultuados e de responsa, e pelos talentosíssimos matogrossenses do Macaco Bong, autores de um dos petardos mais aclamados pela crítica em 2008, o bem tocado e fantástico álbum Artista igual Pedreiro. Meninos atrevidos os da Paraíba, com cultura musical e potencial para fazer trilhas de filmes. E eles usaram aquilo que mais parece influenciá-los, a black music e o experimentalismo, para produzir com toda independência um disco surpreendente, trilha sonora de filme, chamado Baptista virou Máquina(2011).
Não assisti o filme, mas ele parece estar incluído naquele gênero mais moderno e interativo de obra orgânica, coletiva, na qual música, imagem, a cargo do cineasta Carlos Downling, e design gráfico, pilotado pelo incrível Shiko dialogam e se complementam. Na obra cinematográfica, Baptista vive num mundo cerebral, frio, onde as pessoas vivem para trabalhar. Um dia ele sonha nos prazeres que a humanidade está perdendo com sua sanha workaholic. Sonha com sexo, amor e diversão. Esse roteiro inspirou a música que inspirou as imagens. O resultado é uma trilha musical robusta, com timbres e matizes ricos que marcarão, com certeza, a carreira do grupo paraibano e já marca o ano de 2011.
Escute "Cataclisma":
O álbum do Burro Morto é o segundo da carreira. O primeiro, na verdade um EP, Varadouro(2009), já havia chamado a atenção dos antenados de plantão. Diferentemente do Macaco Bong, que faz um som mais stoner rock, os caras da Paraíba buscam, pelo menos nesse Baptista virou Máquina, no jazz, no funk, no afrobeat e no rock, o verniz para suas composições. E ousam com um conteúdo que não dispensa improvisações e até atonalismo. Em “O Céu acima do Porto”, que abre com impacto o disco, psicodelia e teclados setentistas servem a uma melodia forte, que ecoa em nossos ouvidos. Elementos funkies fazem a delícia de músicas como as bacanas “Transistor Riddim” e “KalaKuta”. Reparem, nas duas, no contraponto feito por guitarra e teclado.
Os bons instrumentistas do grupo (Haley Guimarães, guitarra, Daniel Jesi, baixo, Leonardo Marinho, saxofone e guitarra, Vitor Afonso, percussão, e Ruy Oliveira, bateria) exercitam seu lado jazzy em bons momentos do CD, como a instigante “Baptista, o Maquinista”, um jazzinho que, sem resistir, cai no samba e a animada “Luz Vermelha” com sua cama percussiva minimalista e ecos de nordestinidade. Mas, existem outras referências que deixa claro que a galera leva o trabalho de pesquisa musical a sério. E demonstra ainda que os caras querem sair do lugar comum, provocando nossos sentidos. A climática “Volks Velho” experimenta do nada fácil atonalismo sem passar vergonha. “Cataclisma”, por sua vez, traz elementos da música árabe numa das melodias mais bem acabadas do álbum. Enfim, é trabalho com substância que vale, mesmo pra quem não é fã de música instrumental, uma boa escutada.
Me lembro muito bem. Era uma sigla um tanto elaborada, quase uma equação, quase misteriosa: R.E.M. Significava Rapid Eye Moviment, movimento rápido do olho, aquele vai e vem nervoso e inapelável de nossos olhos enquanto sonhamos. Ficava me indagando, em fins dos anos 80, imberbe como era, por que cargas d’água alguém colocaria um nome desses numa banda de rock. Divertia-me com o fato, vendo aquelas três letras rodopiando em 33 RPM na minha vitrolinha. Contudo, mais do que isso, me encantava a atitude do trio cabeça norte-americano que tentava inocular alguma inteligência num meio musical marcado por doidões e irresponsáveis. E os três agora retornam com fortes lampejos da mesma energia seminal que marcou minha vida. O R.E.M está de volta com Collapse into Now(2011), um álbum para ressuscitar a paixão dos fãs.
Ouça “Alligator Aviator Autopilot Antimatter”:
Michael Stipe, o careca vocalista com ares de serial killer, o virtuoso Peter Buck, dono do posto de guitarrista principal da banda, e Mike Mills, no baixo vibrante, retornam à ativa com todo o gás. Com os rostos vincados por quase três décadas de estrada e três anos depois do irregular Acellerate(2008). Como garotos iniciando a carreira no louco mundo do rock and roll. Fazem de Collapse into Now um trabalho com arquitetura idêntica dos incensados, com toda justiça, Out of Time(1991), que catapultou o grupo à fama mundial, e Automatic for the People(1992), um dos meus preferidos. Resgatam aquele misto de canções acústicas e rocks endiabrados que deixou crítica e público extasiados.
O décimo quinto CD da carreira do R.E.M está sendo classificado por muitos resenhistas e críticos como o melhor trabalho do grupo desde Monster(1994). Não gosto de me levar por essa onda, até porque, pelo que representaram e representam ainda para o rock, a galera de Geórgia(EUA) é sempre vista com alguma condescendência. Convenhamos, já puxando o freio de mão, o disco não é tanto céu, nem tanto mar. A doce maresia, com cheiro do passado glorioso da banda, pode ser sentida nas baladas com moldura acústica do disco. Pelo menos duas delas têm a carga emotiva e a inspiração que marcaram os melhores anos de Stipe e companhia. Trata-se da comovente “Oh my heart”, com bandolim e violão acústico servindo de cama para uma melodia realmente arrebatadora e refrão robusto, e a também bonita “Walk it back”, com arranjo e tessitura delicadíssimos.
Veja vídeo de “Discoverer”:
Há ainda baladas não tão inspiradas e outras dispensáveis, como “Blue”, que fecha o disco com a participação dedicada da grande Patti Smith. A fabulosa artista tenta até salvar essa música soturna que nada acrescenta ao relicário do R.E.M, mas naufraga. “Every Day is Yours to Win” é outra que se perde e definha em sua batida repetitiva. Melhor mesmo é ficar com os rocks mais ligeiros e dançantes, esses sim, levados da breca e instigantes. Como não sorrir cúmplice, para quem já conhece a banda, ouvindo a rápida e certeira “Alligator Aviator Autopilot Antimatter”, que lembra a matreirice de “Shine happy people” e possui um refrão super poderoso. Alegres com a própria criação e plenos de maturidades, os três músicos esbanjam energia e vigor nas duas músicas que abrem barbaramente o disco e botam qualquer um pra rachar o assoalho, as bacanudas “Discoverer” e “All the Best”.
Diante de tudo isso, temos sim uma obra madura e que revela um R.E.M transbordante de boa vontade e querendo fazer todo mundo feliz. Surpreendem com esse revival com mais altos do que baixos e deixam os fãs com orgulho e gostinho de quero mais. O álbum não é a sétima maravilha. Mas, Stipe, Buck e Mills demonstram que ainda têm muito o que oferecer e, pelamordedeus, não cobrem deles a mesma magia do passado. São outras ondas, outro mundo. Mundo de tsunamis e terremotos pavorosos. De jovens que se rebolam ao som axés sem sentido tipo “tchubirabirô”(ou algo que o valha). O que fizeram com Collapse Into Now já é uma puta aula de rock e reabilitação, um disco para se guardar com muito carinho.
Cotação: 4
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Na década de 70 do século passado, muitas bandas mergulharam em viagens psicodélicas criando um som climático, com teclados imitando barulhinhos espaciais e instrumentação pomposa. Trilha sonora ideal para quem curtia ganja na paz, música mais cabeça e contracultura. Era o rock progressivo que invadiu as vitrolas tornando famosos nomes como Yes, Emerson, Lake and Palmer, Jethro Tull e o mais popular deles, Pink Floyd. Quem tem mais de 40 anos sabe que a história foi séria e teve milhões de adeptos, para desespero dos pais caretas. O gênero, que hoje parece datado, talvez tenha ganho, nesse início de ano, uma das mais belas e vigorosas homenagens feitas por uma banda em atividade. O nome do petardo é Tao of the Dead(2011), último álbum da irrequieta ...And You Will know us by the Trail of Dead.
Os texanos do The Trail of Dead nunca esconderam sua admiração pelo rock progressivo. Os seis discos anteriores demonstravam aqui e ali vestígios dessa paixão. Mas, a sonoridade ensandecida do grupo escapava, como enguia, de rótulos. É música contemporânea, complexa, barulhenta. Discos como o bom Madonna(2000) e a obra-prima Source, Tags and Codes(2002) eram exercícios musicais de rock mais próximos da experimentação do que do palatável, do convencional. Ganharam muitos admiradores, incluo-me aqui, e detratores em função disso. Com Tao of the Dead assumem com muita honestidade uma linha mais orgânica, classificável. Resolveram fazer um rock descaradamente progressivo. E de muito bom gosto e explosão.
Ouça a instrumental “The Fairlight Pendant”:
A pretensão resultou no disco mais coeso do grupo norte-americano. Há coesão nos arranjos da maioria das músicas, que se assenhoram de elementos clássicos do progressivo. Estão lá teclados e guitarras viajandonas, que remete invariavelmente ao Pink Floyd experimental do imprevisível Ummagumma(1969), com direito a barulhinhos espaciais e ecos. É o que se vê na boa “Cover the Days Like a Tidal Wave” e na envolvente, como uma espiral mesmo, “Spiral Jetty”. Está lá a psicodelia em momentos inspirados do álbum, como na poderosa e instigante instrumental “The Fairlight Pendant”, com seu ar épico e guitarras que lembram, repare bem meu amigo e sobrinho Danica, as intensas jams do Doors. E há, principalmente, muita porrada, uma parede sonora multifacetada, marca do grupo, que se encaixa perfeitamente na proposta do disco.
Esse é um disco raro e barulhento, próprio para quem tem as paredes dos tímpanos bem sólidas. As guitarras têm peso decisivo em boa parte das composições. Casos da excelente “Pure Radio Cosplay”, que é um emblemático cartão postal do trabalho. O clima progressivo CD está todo ali, como cartas postas sobre a mesa. Dos riffs alucinados às mudanças de andamento, a canção é um espelho da dedicação e da maturidade dos músicos que estão juntos, pelo menos a base, desde 1994. O multiinstrumentista e vocalista Conrad Keelly e o baterista e também guitarrista Jason Reece, fundadores do The Trail of Dead, convidaram os produtores Chris Smith(que assinou trabalho com Yeah Yeah Yeahs e Beach House, entre outros) e Cris Coady(produtor do primeiro disco da banda) para criar uma obra honesta e forte, com verniz nostálgico, mas que não se despluga dos dias de hoje.
Tao of the Dead é um álbum que, para muitos, pode soar linear. Ledo engano: esse é um trabalho que precisa de nossa paciência para ser compreendido em toda a sua essência. É sim rock progressivo na veia, mas possui detalhes e referências modernas que só serão percebidos depois de várias audições. E a banda tem lastro e história para merecer nossa atenção mais apurada. Essa riqueza é sentida no épico que dá título a segunda parte do disco (perceba: a primeira tem onze músicas sem pontuação de uma para a outra), uma sinfonia de 16 minutos cheia de surpresas. “Tao of Dead part two: Strange News from Another Planet” tem mudanças de temperatura feita em transições suaves, mágicas. É doce e amarga, ruidosa e atmosférica em instantes precisos. Uma grande composição, no tamanho e na criação. Um luxo para quem tem coragem e experiência. E isso ...And You Know us by the Trail of Dead tem de sobra.
Nenhum gênero musical é tão americano quanto o country e o folk. Esses dois carregam um pouco a alma caipira, a cultura interiorana de alguns milhões de norte-americanos, aqueles de botas e camisas quadriculadas, que estão longe de serem exatamente cosmopolitas. E geraram obras-primas protagonizadas por medalhões como Bob Dylan e Neil Young (que é canadense, mas ajudou a dar uma identidade aquele tipo de música). Alguns nomes contemporâneos corporificam os dois gêneros, às vezes, buscando novas roupagens, como o grande Wilco, em outras, bebendo mesmo da fonte, sem buscar inovações. Neste último caso temos The Decemberists, que lançaram no início do ano o redondo e inspirado The King is Dead(2011).
Ouça “June Hymn”:
Alt country, folk rock, country rock, todos os rótulos cabem no último álbum do Decemberists. O trabalho vem na contra corrente do cultuado e grandiloqüente, The Hazards of Love(2009), na verdade uma pausa no estilo frequentemente folk impresso à carreira do grupo. The King is Dead é o sexto do currículo. E talvez o mais despojado de todos. E foi isso que mais me agradou nas primeiras audições do CD. Há uma simplicidade escancarada, epidérmica, que casa como uma luva às engenhosas melodias. As canções, que se utilizam muitas vezes dos elementos mais convencionais do country e folk, como a gaita e o acordeão, têm força e beleza próprias. E é essa fortaleza que compensa um certo comodismo do grupo, que não ousa nos arranjos ou instrumentação e não busca, aqui, a reinvenção.
O vocalista Colin Melroy caprichou, como sempre, nas melodias e letras. Ao lado de Chris Funk, nas cordas, Jenny Conlee, no acordeon, John Moen, na batera, e Nate Query, no contrabaixo, produziram um set list de invejável equilíbrio. Quase todas as músicas do disco têm o mesmo poder indutor. Baladas luminosas como “Rise to Me”, com um lindo solo de harmônica, a triste e bela “Dear Avery”, e “June Hymn”, uma das mais tocantes do álbum, são de um lirismo a toda prova. Afiadíssimas, são daquelas que ficam repercutindo em nossa cabeça, como as boas lembranças. Difícil não se render a qualidade pop dessas criações e aos bons arranjos que, em certas horas, se amparam em base acústica, a exemplo de “Rise to Me”.
Assista ao clip de “Down by the Water”:
As músicas mais ligeiras e dançantes são também ganchudas. “Don’t Carry it All”, que abre o disco, lembra um pouco Bob Dylan, com a gaita comendo solta e um belo arranjo vocal. Nesse trabalho, aliás, The Decemberists contou, nos vocais, com a participação de Gillian Welsh, uma talentosa cantora norte-americana de bluegrass. Mas é uma outra presença especial, a do guitarrista Peter Buck, do REM, que contribui para alguns dos melhores insights de The King is Dead. Essa banda, aliás, é uma das grandes influências de Melroy e companhia. Buck empresta sua guitarra para esquentar a já citada “Don’t Carry it All” e ainda “Calamity Song” e a ótima “Down by the Water” e seu refrão grudento, que se manteve numa posição respeitável, durante algumas semanas, na parada gringa.
Com The King is Dead, os novos caipiras do Oregon, reforçam seu prestígio junto ao público indie e abrem as porteiras para ganhar outros e diferentes tipos de fãs. Encontraram o caminho da simplicidade e resolveram fazer músicas para tocar o coração. Desenvolveram uma matemática simples, somando influências do passado a melodias objetivas. Conseguiram uma boa equação em rápidos 40 minutos, tempo que o último trabalho do Decemberists leva para tocar em seu aparelho de som. Esse registro sonoro é assim: rápido, leve e encantador como um sopro de brisa no verão. Talvez ele nunca se transforme no álbum de sua vida, mas de quando em vez você vai pegá-lo tocando em sua vitrolinha.
Houve um tempo em que para conversar a distância as pessoas usavam a invenção de Graham Bell. Nada de twitter, MSN ou outras modernidades que viciam hoje tanta gente. Época também em que a violência não tinha contornos doentios e nem grassava tanto. Quando ser romântico fazia parte da cartilhinha de todo aquele ou aquela que pensava em conquistar alguém. Esse é o mote da paulista Bel Garcia, ou melhor, Blubell, que lança o segundo trabalho, cinco anos depois do interessante Slow Motion Ballet(2006). E Eu sou do tempo em que a gente telefonava(2011) tem esse tom nostálgico, como antevê o título e a capa do álbum. Gosto de um passado mais ingênuo, de salões de dança com grandes orquestras e casais vestidos com elegância.
Veja clip de “Chalala”:
É tudo intencional. Blubell cercou-se dos competentes músicos da banda de jazz À Deriva, com quem mantém antiga parceria, em busca de uma sonoridade mais classuda. Na massa instrumental, estão lá, tinindo, o quarteto talentoso formado por Rui Barossi(baixo), Guilherme Marques(bateria), Daniel Muller(piano) e Beto Sporleder(sax e flauta). Eles contribuem para que Eu sou do Tempo em que a gente telefonava respire, em alguns dos seus momentos mais marcantes, um ar jazzy. Já em “Música”, que abre o CD, o paredão instrumental ataca com uma levada que remonta ao jazz primevo, um charlestone com a voz de Blubell gravada com efeito radiofônico. Música de bolachão 10 polegadas. Só faltou mesmo o chiado.
O jazz e sua natural elegância está presente também em “Triz”, uma das boas músicas do álbum, com letra afiada de Blubell. Uma canção de melodia clara, sedutora, e arranjo encorpado entronizando a poesia inteligente. “Já compreendi que o movimento ajuda a gente a existir/e que o pra sempre fica a um palmo do meu nariz”, canta a moça. Dentro ainda do refinado e clássico receituário da artista, que canta em inglês e português com a mesma naturalidade, ela passeia pela soul music na bonita e sinuosa “Good Hearted Woman” e pela bossa nova, dessa vez sem tanta inspiração, na dispensável “Estrangeira”. Todas essas músicas servem ainda como instrumento para a linda e afinada voz da paulistana, que mostra uma concreta evolução e segurança desde Slow Motion Ballet.
Mas, nem só de referências ao passado vive o segundo álbum de Blubell. O pop moderno e iluminado que chamou a atenção da crítica no disco de estréia volta em canções assobiáveis. Caso de “Chalala”, música de abertura da divertida minissérie “Aline", da TV Globo. A letra afoita mostra que a compositora domina o verbo, além da voz: “Se você é uma farsa, eu sou uma versão. Se você é o caos, eu sou a confusão. Se você der a música, eu faço o refrão”. Pronta para tocar no rádio. Na mesma linha confessional, “1,2,3,5”, também com melodia de apelo pop, deve agradar aos indies de plantão. São exceções dentro de uma proposta musical minimalista, voltada para um público com ouvido mais treinado.
Pessoalmente, sinto falta de uma certa ousadia candente em Slow Motion Ballet, que considero superior a esta segunda obra. Menos preso a uma linha, a um conceito sonoro, nesse caso, a uma música da época em que as pessoas se telefonavam, Blubell se permitia experenciar um pouco mais. E são os lampejos de criatividade, a fuga do convencional, que mais me encanta no recente CD. E isto é visto lá pelo finzinho do álbum, nas composições com sonoridade que sai do lugar comum, como em “Pessoa Normal”, que tem a participação da revelação Tulipa Ruiz, um misto de tango e MPB, e “Velvet Wonderland”, na qual assume uma faceirice que só as brasileiras têm. Torço para que esta seja uma indicação do que está por vir por aí. Blubell pode.
O abusado Liam Gallagher está de volta. Sem Noel, o irmão desafeto, e com a mesma marra que marcou sua carreira. Disse para a imprensa que haveria um tempo em que os pais colocariam o nome de seus filhos de Beady Eye. Fanfarrão esse cara. Beady Eye é o nome da nova banda do vocalista de um dos mais importantes e intensos ícones do movimento conhecido como britpop, a seminal Oasis. Ao lado de outros integrantes do grupo inglês que criou obras primas na década de 90, Gem Archer, na guitarra, e Andy Bell, no baixo, ele está lançando oficialmente neste 28 de fevereiro o primeiro álbum da recente cria, Different Gear, Still Speeding. Se o disco é a brastemp que Liam alardeia? Sim, o estróina pode se gabar: o produto dá mesmo um bom e divertido caldo.
É preciso ouvir Different Gear, Still Sppeding sem o ranço da pretensão que Liam naturalmente sugere em tudo o que faz. Até porque esse comportamento moleque do artista não passa de uma armadilha para confundir o ouvinte, para camuflar exatamente o que o álbum tem de melhor: a simplicidade. O trabalho é, em sua maior parte, uma espécie de back to black, um retorno ao rock and roll bruto naquilo que ele tem de mais roots, de mais negro e pulsante: a alegria. Longe do irmão Noel, na época do Oasis megalomaníaco na arquitetura da instrumentação e mais ousado na construção das letras, Liam entregou-se sem vergonha à festa.
Ouça “Four Letter Word”:
A pulsação do rock básico, que vai direto aos pés, está presente em algumas das melhores canções do disco. Da música de abertura, a ótima e frenética “Four Letter Word”, com direito a um piano alucinado que lembra o rockabilly de Jerry Lee Lewis – que se repete em “Bring the Light” – a “Beatles and Stones”, homenagem didática aos mestres recorrentes, passando pelo rockão sessentista de “Standing on the Edge of the Noise”, tudo parece remeter aos antigos. Até nas menos aceleradas, como a deliciosa “Milionaire”, há um quê de iê-iê-iê e cha lá lá que não escondem a reverência de Liam aqueles que realmente deram estofo ao rock como o conhecemos hoje.
Mas tá lá no disco também inspiradas baladas, nas quais é possível escutar ecos de seu próprio passado, aquela identidade oasiana com sua raiz e chupação fincadas em Beatles e o Lennon da carreira solo. A grande “The Roller”, que cresce a cada audição, é um decalque descarado da sonoridade do garoto de Liverpool mais revolucionário, morto precocemente. Um decalque brilhante e contagiante. O vírus melódico do Oasis pode ser visto, por sua vez, em canções pegajosas e de fácil assimilação, casos das tocantes “Kill for a Dream” e “The Morning Son” e ainda nas mais ritmadas “Wind Up Dream”, uma das melhores do CD, e “Tree Ring Circus”, as duas com refrões memoráveis.
Veja o clip de “The Roller”:
Enfim, em Different Gear, Still Sppeding (que tem uma das capas mais horrendas da história do rock), Liam Gallagher junta-se aos velhos “brothers” do Oasis para fazer um disco de rock maduro, básico, sem presunção, bem tocado e com composições que carregam brilho próprio. Ou seja, o belicoso inglês prova que pode andar com as próprias pernas, sem a muleta do irmão Noel, considerado o “cérebro” do antigo e explosivo grupo. E mostra-se ainda, nessa maturidade, um cantor afinado e de personalidade. Um trabalho que é uma volta por cima de quem estava devendo um pouco mais de música e menos demagogia.
Cotação: 4
Pra baixar a edição japonesa com dois bônus tracks:
Um longo e perturbador pesadelo. De uma história, que tem como pano de fundo o delicado mundo do balé, surge um tenebroso e inspirado terror psicológico. Magistralmente conduzido pelo mestre da claustrofobia, Darren Aronofsky, Cisne Negro(Black Swan , 2010) é um filme singular. Candidato ao Oscar de melhor longa-metragem, é exemplo de como se faz uma obra utilizando-se todos os elementos cinematográficos, da iluminação à trilha, de forma milimétrica com o único intuito de prender, em transe, o espectador na cadeira. Tornamo-nos reféns desse suspense de cores fortes que nos provoca um turbilhão de sensações, entre elas uma inquietante angústia que teima em nos acompanhar até o fim da trama.
Foi assim comigo assistindo o desenrolar da glória e tragédia, andando assim juntas, da bailarina Nina Sayers, interpretada com paixão por Natalie Portman, também candidata ao Oscar pelo papel. A personagem vive um momento limite em sua carreira - a idade crítica na qual ou conquista a fama ou cai no limbo -, ela consegue o papel principal no clássico balé O Lago dos Cisnes. A versão do coreógrafo Thomas Leroy, numa bela interpretação de Vincent Cassel, é, contudo, ousada e inovadora. E exige de Nina uma entrega pessoal extrema, na qual precisa viver com intensidade o lado diabólico e divino dos cisnes da coreografia.
Assista ao trailer:
Nina é colocada contra a parede por Leroy e a mãe castradora, Érica(Barbara Hershey), e pressionada ainda pelo seu perfeccionismo mergulha num mundo onde realidade e fantasia se misturam. Esse é o prato cheio para que Aronofsky, que já se mostrara um manipulador do real no excelente Réquiem para um Sonho(2000), exercite sua arte de confundir e encantar o público. Somos levados, feito cordeiros, a acompanhar a saga de Nina rumo ao espetáculo perfeito. Vítima da paranóia, a então doce bailarina mostra suas garras, aflorando o que tem de melhor e pior.
A tensão psicológica do filme é construída com brilhantismo pelo diretor. A virginal mulher cresce em fúria e belicismo diante de nossos olhos até o final apoteótico do filme. E haja elementos psicanalíticos para mexer com a nossa cabeça. A Nina recatada e reprimida se depara com impulsos sexuais forte, provocados por Leroy e uma colega de balé, Lily (Mila Kunis) em cenas provocantes. Em uma delas, o coreógrafo bolina sua pupila(na foto), misturando dança e erotismo como raramente é visto em um filme norte-americano. De arrepiar. Noutra, as colegas protagonizam uma arrebatadora cena na cama pra deixar qualquer macho com inveja.
Nesse mundo em que se perde a bailarina, a fantasia e a paranóia abrem espaço para o terror psicológico, que permeia, aliás, todo o longo. E saber levá-lo com decência é um trabalho para poucos. Que o diga Polansky, com seu imbatível O Bebê de Rosemary(1968). Não, Cisne Negro, é bom que se entenda, não é um filme de terror nos moldes convencionais. Mas, o horror, o inferno interior vivido pela personagem é transmitido plenamente para a platéia. E gera, com eficiência, incômodo e espanto. Uma enlouquecida bailarina apresenta sua dança do desespero e da morte diante de nossos incautos olhos. E nós dançamos juntos. O final é de tirar o fôlego. Uma aula de cinema.
Aronofsky(mais um candidato ao Oscar pelo filme) tem nas mãos um roteiro, se não original, mas levado com originalidade. A seu favor conta com as interpretações afiadas de Portman, séria candidata ao Oscar, Cassel e Hershey. Utiliza uma cenografia econômica e polarizada, o quarto colorido e cheio de bichinhos de pelúcia da personagem principal em contraponto aos cenários escuros da versão radical de O Lago do Cisne. Tudo pontuado por uma iluminação baixa, sufocante. A música, um matemático casamento da trilha composta por Clint Mansel com a erudita de Tchaikovsky, composta originalmente para o balé, é usada na hora certa. Enfim, como um maestro inspirado, o diretor fez de Cisne Negro uma obra impactante, de brilho próprio e perene, para ficar na memória. Fique impassível quem for capaz.
Cotação: 4
Ouça “Don’t Think”, música do Chemical Brothers incluído na trilha do filme:
Sou daqueles que costumam tecer loas para o Radiohead, essa esfinge musical do rock moderno. Fã mesmo de carteirinha. Os britânicos já se tornaram, merecidamente, eternos assim como Ava Gardner, Grande Otelo e o Chicabom. Possuem aquele brilho natural que só os que ousam e inovam tem. Criam, com isso, contudo, uma espécie de campo de força, que os livram de críticas mais duras. São meio que intocáveis até mesmo porque trilharam o caminho de uma musicalidade que, em seus momentos mais experimentais, beira ao inclassificável. Mas, essa busca de Thom Yorke, o cabeção do grupo(capturado nessa ótima caricatura aí acima), pela sua batida perfeita, seja ela qual for, dá sinais de cansaço.
The King of Limbs(2011), lançado este mês vai por aí. É um exercício radioheadiano de mesmice salvo por algumas faixas nas quais o talento de Yorke vem à tona. Permito-me detonar um ídolo, exatamente por ele ser isso para mim. E com os ídolos criamos um tipo de intimidade que nos possibilita falar bem com a mesma facilidade com que xingamos. E pela primeira vez ouço um disco do grupo que definitivamente não me desce bem, assim como uma vodca de segunda e de nome suspeito, tipo Roskoff(assim com dois “efes” para parecer original). Tem aquela incômoda esquisitice do instransponível ouKid A(2000) e a inspiração curta quando parte para os momentos mais caretas e deglutíveis.
Escute a ótima “Little by Little”:
Longe do que parecia ser um retorno ao pop, ainda que anguloso, do bacana In Rainbows(2007), penúltimo álbum de estúdio, The King of Limbs radicaliza nas dissonâncias e assimetrias sonoras. Isso em metade das suas oito faixas. Nos deparamos com a mesma batidinha eletrônica e barulhinhos esquisitos, em descompasso com a voz de Thom Yorke, em músicas como “Bloom”, que abre o disco, e “Morning, Mr. Magpie”, com instrumental complexo e arranjo mais nervoso, mas que tende à chatice e um claro sentimento deja vu. Só perdem em experimentalismo para a quarta faixa, “Feral”, com sua fantasmagoria e repetições, uma espécie de mantra do yorke doido.
Nem naquelas faixas que poderiam ser um oasis em meio à pirotecnia musical do Radiohead, o disco instiga. As duas baladas, com engenharia sonora um pouco, digamos, mais convencional, “Codex” e “Give up the Ghost”, esta a melhor das duas, estão longe da poética e melodia arrebatadoras já demonstradas anteriormente pelos britânicos em suas primeiras obras. Essas duas canções, lentas e tristes, reforçam, pelo menos, aquilo que todo o álbum evidencia: Yorke revela-se sem artifícios um interprete vigoroso e refinado. Mesmo com todo o choro e esquizofrenia que suas composições exigem.
Veja o clip de “Lotus Flower”, com Yorke surtando:
Mas, não é apenas a voz de Yorke um dos alentos desse disco frustrante. Duas faixas demonstram o talento do Radiohead em criar gemas musicais. Exatamente naquela hora em que vislumbramos um certo equilíbrio entre a modernidade orgânica e barulhenta típica da banda e a vontade de fazer uma melodia mais pé no chão, assoviável. É assim com a fantástica “Little by Little”, cujos primeiros acordes lembram um xote(!) e que traz, lá pela sua metade, breaks melódicos de arrepiar. E também com “Lotus Flower”, que começa tensa e urgente para depois contagiar com sua inebriante melodia. Se todas seguissem essa toada teríamos, provavelmente, outra obra memorável. Infelizmente, a sensação desse The Kings of Limbs é de uma bola na trave. Dá até para ouvir o urro de decepção da torcida.
A capa enigmática de Let England Shake(2011), uma revoada sombria de pássaros em preto e branco, aponta a empreitada nada fácil proposta para o ouvinte nesse oitavo álbum de Polly Jean Harvey. É como entrar num turbilhão desconfortante e angustiante de sentimentos. Mas, isso já era de esperar em se tratando dessa irrequieta e genial artista inglesa. E PJ Harvey nunca foi tão inglesa quanto neste trabalho, inspirado por um país conflitante, ambíguo, marcado por um passado colonialista e bélico, que deixou um lastro cultural incômodo em pessoas sensíveis e antenadas, como a compositora em questão. Essa herança é o céu e o inferno numa obra que pode ser minimamente considerada como desconcertante.
Let England Shake é conceitual até a medula. PJ Harvey surpreende abandonando abruptamente o intimismo que chegou as raias do sublime no complexo e tocante White Chalk(2007) e assumindo cores política e dramáticas. A Inglaterra é personagem soberana de um álbum carregado de cinismo. A pátria amada está presente em momentos que vão da declaração de amor, exposta em “England”, com ecos da Londres multicultural, à crueza das memoráveis “The Glorious Land”, sem dúvida uma das melhores do disco, e “The Words That Maketh Murder”, que narra uma batalha campal com corpos estilhaçados de soldados voando pelo ar.
Ouça “The Glorious Land”:
“The Glorious Land”, que conta com a parceria do mesmo John Parish, com quem fez dobradinha em A Woman a Man Walked by(2009), tem tom dramático e invenções que só confirmam o acerto dos arranjos e do conceito abraçado por Harvey. A corneta marcial que aparece várias vezes no início da música, estranha e fora do andamento, está inteiramente dentro do espírito épico da composição que fala novamente de tanques e guerra. O vocal meio teatral imposto pela cantora e compositora destoa de outros instantes do disco, como na doce melodia de “Hanging in the Wire”, e no registro vocal quase operístico da linda e doída “On Battleship Hill”.
A voz de Polly Jean, que tornou-se uma das mais marcantes e pessoais da história do rock and roll em álbuns viscerais e antológicos como Dry(1992) e Rid of Me(1993), assume realmente em Let Englang Shake variações sonoras inesperadas. É um retrato e uma tradução da essência desse grande e assombroso disco. A inquietação vista aqui é também sentida na bem urdida trama musical do álbum, onde as guitarras voltam com personalidade, ainda que mais comportadas, e as canções soam melodicamente mal comportadas. Com algumas curiosas e poucas concessões, como o sampler da música “Blood and Fire”, do jamaicano Niney the Observer, em “Written on the Forehand”.
PJ Harvey apresenta um trabalho evocativo, onde experimentação e tradição andam de mãos dadas, mas nem sempre de forma amigável. A obra soa minimalista, como na bacanérrima música que dá título e abre o álbum de forma incandescente, ora mais próxima do folk, como na calminha “The Last Living Rose”, ora mais rocker, lembrando um pouco do início de carreira, como na pesada “Bitter Branches”. A inglesa nos presenteia com um álbum elaborado e de difícil audição. Escutei-o mais de uma dezena de vezes, mas ainda não me acostumei a sua sonoridade. Um estranhamento que longe de me afastar de Let England Shake só me seduz e me faz querer entendê-lo. E essa provocação, acredito, é uma das características de uma obra fadada a perenidade.
Cotação: 5
Baixe se ainda tiver no ar:
http://www.mediafire.com/?s4yrbudjfe61b1k
Assista a clip de “The Last Living Rose”, dirigido por Seamus Murphy:
Ele esteve presente ano passado na radiolinha de grande parte dos brasileiros atentos à música que se impõe pela qualidade. Em março do ano passado. O período de lançamento de seu primeiro trabalho. Com nome de filme, tipo road movie, Berlim, Texas(2010), assim mesmo, bem curioso. E eu me deparo bem mais tarde, praticamente um ano depois, com esse trabalho de malas prontas e passaporte já carimbado pelos críticos musicais mais severos do país. Teve até um tal de Caetano que pensou e disse, não com essas palavras, “esse menino é um talento”. O garoto, Thiago Pethit (o cara da foto, esse misto de Nick Cave e Jeff Bucley), surge assim viajando em emoções pessoais e em delicadeza tão intensa no seu primeiro álbum, que nos deixa feito um turista meio abobalhado diante de uma pequena e surpreendente preciosidade.
Berlim, Texas traz a poeira das emoções vividas por Pethit. É assumidamente confessional, cheio desses testemunhos febris que a gente gosta de escrever em guardanapos de bares na madrugada. E soa meio nostálgico, como a caixinha de música de seu clipe da bela canção “Mapa-Mundi”, com vibrações de épocas não vividas pelo ex-ator paulistano, hoje compositor e cantor. Do tempo da delicadeza. Como a música citada na frase anterior, uma valsa com piano e cordas marcantes, que passeia por um romance que saiu por aí, viajou sem data de retorno, deixando saudades. “Descreva pra mim sua latitude/ Que eu tento te achar no mapa-múndi”.
Assista ao clipe de “Mapa-Múndi”:
De veia acústica e com arranjos sutis, o álbum de Pethit muitas vezes deságua na tristeza. Suas notas pessoais parecem ter sido escritas em dias chuvosos. Como na dobradinha “Forasteiro”, que conta com a voz melosa e aturdida de Hélio Flanders, vocalista do Vanguart, uma linda e arrebatadora melodia, e “Sweet Funny Melody”, de levada arrastada, mas não menos bela. Nelas, há aquela pessoalidade e singeleza que marcam o gênero folk, onde o artista, assim como o amigo da primeira música, é enquadrado. Habitam o mesmo território musical e poético de uma Tiê, que lançou em 2009 o refinado “Sweet Jardim”, outra paulistana também rotulada de folk, que mergulham em si mesmos para regurgitarem canções cristalinas.
Esse estilo folk, emocional, está presente em pequenas pepitas, como a curtinha “Não se Vá” e a doce “Outra Canção Tristonha”. Mas, tem mais do que isso nessa carta de intenções do paulistano. A alma retrô de Thiago Pethit, rescendendo sentimentos cotidianos, vagueia também decidida pelo passado. A rota foi premeditada. Roteiro planejado. Amante de música de cabaret, de Kurt Weil e Bertold Brecht, da viva memória dos tempos de teatro, ele abre seu teatro de vaudeville para arranhar músicas daquela datada sonoridade, a exemplo de “Voix de Ville”, cantada em francês, e a pungente “Fuga No. 1”, com seu jeitão de chanson, reforçado pelo acordeon choroso. As duas apaixonadas e carregadas de dramaticidade, desculpem o lugar comum, quase teatral.
Para dar água na boca, escute “Não se Vá”:
Essa resenha sobre a obra inicial de Pethit chega atrasada como a minha lista de melhores do ano passado. Perdi o trem da história. Mas, faz justiça a um belo álbum que, de tão sincero, chega a arrepiar. Quer cantando em português ou inglês (cinco das músicas foram escritas nessa língua), e a voz pequena combina com perfeição ao estofo delicado das composições, Pethit é uma promessa que não podemos perder de vista. Sigamos o itinerário sentimental do paulistano. Em algum momento poderemos nos encontrar com ele nessas estradas cavadas pela sensibilidade. É só abrir o ouvido e, é claro, nosso forasteiro coração.
Menino malino, Conor Oberst(esse aí da foto) quer ser amado por novos e multiplicados fãs. Líder espiritual do Bright Eyes, banda cultuada pelo som low fi e melancólico, um indie rock confessional, ele agora quer produzir mais do que carinhas enlevadas. Pelo menos é o que aponta seu último álbum, The People’s Key(2011), sétimo da carreira, que chega ao mercado quatro anos depois do candente Cassadaga(2007). Engendrou aquilo que poderia fazer de mais dançante e alegre. Talvez porque saiba, como o título do trabalho insinua, que a alegria é a grande chave para o bem-estar de qualquer povo
Oberst tenta ser pleno nesse projeto de canções mais felizes e ensolaradas. “Shell Games”, a primeira música de trabalho do álbum é sintomática desse seu afã. Com pinceladas acanhadas de synth-pop, a música é pra cima, com sintetizador quase moleque. É um ensaio para a composição que vem na sequência. “Jejune Stars” é aquilo que o artista arquitetou de mais próximo do pop. É dançante e despojada. O trintão de Nebraska já havia dito para a imprensa que buscaria em seu novo trabalho algo mais rocker, mais alheio ao seu próprio umbigo. Conseguiu.
Vídeo de “Shell Games”:
Mais equilibrada e cadenciada, ainda no pique “carnavalesco” de Conor Oberst, “Haile Selassie”, (ele mesmo, o imperador etíope e inspirador dos rastas) é uma das melhores de The People’s Key. Principalmente pelo refrão encantador e a guitarra com seus acordes claros e garageiros. Um mar de leveza no território acidentado de que é feito a alma do norte-americano que a compôs. “A Machine Spiritual”, disparado a minha preferida, é outra delícia do disco, com sua melodia bem acabada e arranja arrebatador. Repare na semelhança do refrão dessa música com o da clássica “Sound of Freedom”, de Mister Bob Marley.
Para quem está acostumado à melancolia e serenidade do velho Bright Eyes, há resquícios sim do passado recente em alguns momentos do álbum. Em “Firewall”, que começa apocalípitica com um discurso panfletário sobre o futuro do planeta, a galera Oberst (leia-se Natel Walcott e Mike Mogis, também produtor do disco, junto a mais uma penca de convidados) comandada por Oberst soa quase soturna. Mais próximo do recorrente som do grupo está a linda “Ladder Song” com seu piano dolorido, e, por fim, a hipnótica e adorável “One for you, one for me”, prova cabal da força poética e talento melódico de Conor Oberst.
Escute “Ladder Song”:
The Peoples Key´s não é o melhor disco do Bright Eyes. Contudo, é o mais corajoso. A postura de renovação interior proposta aqui talvez não encontre eco na maioria dos fãs. E tem o brilho de quem, irrequieto, sabe que o rock é feito de mudanças de atitude e de substância, matérias primas palpáveis nesse álbum. Aventure-se também nesse bravo mundo novo de Oberst.
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
As cores da festa
Fantasiaram o Centro Cultural Casa de Taipa para a sua festa de aniversário de um ano. Tanto verde e amarelo tornaram nossa paixão pela cultura ainda mais vibrante.
Verão
As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
Rio na boa
Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
Lavrado iluminado
Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
Missa do Vaqueiro
O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.