Um longo e perturbador pesadelo. De uma história, que tem como pano de fundo o delicado mundo do balé, surge um tenebroso e inspirado terror psicológico. Magistralmente conduzido pelo mestre da claustrofobia, Darren Aronofsky, Cisne Negro(Black Swan , 2010) é um filme singular. Candidato ao Oscar de melhor longa-metragem, é exemplo de como se faz uma obra utilizando-se todos os elementos cinematográficos, da iluminação à trilha, de forma milimétrica com o único intuito de prender, em transe, o espectador na cadeira. Tornamo-nos reféns desse suspense de cores fortes que nos provoca um turbilhão de sensações, entre elas uma inquietante angústia que teima em nos acompanhar até o fim da trama.
Foi assim comigo assistindo o desenrolar da glória e tragédia, andando assim juntas, da bailarina Nina Sayers, interpretada com paixão por Natalie Portman, também candidata ao Oscar pelo papel. A personagem vive um momento limite em sua carreira - a idade crítica na qual ou conquista a fama ou cai no limbo -, ela consegue o papel principal no clássico balé O Lago dos Cisnes. A versão do coreógrafo Thomas Leroy, numa bela interpretação de Vincent Cassel, é, contudo, ousada e inovadora. E exige de Nina uma entrega pessoal extrema, na qual precisa viver com intensidade o lado diabólico e divino dos cisnes da coreografia.
Assista ao trailer:
Nina é colocada contra a parede por Leroy e a mãe castradora, Érica(Barbara Hershey), e pressionada ainda pelo seu perfeccionismo mergulha num mundo onde realidade e fantasia se misturam. Esse é o prato cheio para que Aronofsky, que já se mostrara um manipulador do real no excelente Réquiem para um Sonho(2000), exercite sua arte de confundir e encantar o público. Somos levados, feito cordeiros, a acompanhar a saga de Nina rumo ao espetáculo perfeito. Vítima da paranóia, a então doce bailarina mostra suas garras, aflorando o que tem de melhor e pior.
A tensão psicológica do filme é construída com brilhantismo pelo diretor. A virginal mulher cresce em fúria e belicismo diante de nossos olhos até o final apoteótico do filme. E haja elementos psicanalíticos para mexer com a nossa cabeça. A Nina recatada e reprimida se depara com impulsos sexuais forte, provocados por Leroy e uma colega de balé, Lily (Mila Kunis) em cenas provocantes. Em uma delas, o coreógrafo bolina sua pupila(na foto), misturando dança e erotismo como raramente é visto em um filme norte-americano. De arrepiar. Noutra, as colegas protagonizam uma arrebatadora cena na cama pra deixar qualquer macho com inveja.
Nesse mundo em que se perde a bailarina, a fantasia e a paranóia abrem espaço para o terror psicológico, que permeia, aliás, todo o longo. E saber levá-lo com decência é um trabalho para poucos. Que o diga Polansky, com seu imbatível O Bebê de Rosemary(1968). Não, Cisne Negro, é bom que se entenda, não é um filme de terror nos moldes convencionais. Mas, o horror, o inferno interior vivido pela personagem é transmitido plenamente para a platéia. E gera, com eficiência, incômodo e espanto. Uma enlouquecida bailarina apresenta sua dança do desespero e da morte diante de nossos incautos olhos. E nós dançamos juntos. O final é de tirar o fôlego. Uma aula de cinema.
Aronofsky(mais um candidato ao Oscar pelo filme) tem nas mãos um roteiro, se não original, mas levado com originalidade. A seu favor conta com as interpretações afiadas de Portman, séria candidata ao Oscar, Cassel e Hershey. Utiliza uma cenografia econômica e polarizada, o quarto colorido e cheio de bichinhos de pelúcia da personagem principal em contraponto aos cenários escuros da versão radical de O Lago do Cisne. Tudo pontuado por uma iluminação baixa, sufocante. A música, um matemático casamento da trilha composta por Clint Mansel com a erudita de Tchaikovsky, composta originalmente para o balé, é usada na hora certa. Enfim, como um maestro inspirado, o diretor fez de Cisne Negro uma obra impactante, de brilho próprio e perene, para ficar na memória. Fique impassível quem for capaz.
Cotação: 4
Ouça “Don’t Think”, música do Chemical Brothers incluído na trilha do filme:
Sou daqueles que costumam tecer loas para o Radiohead, essa esfinge musical do rock moderno. Fã mesmo de carteirinha. Os britânicos já se tornaram, merecidamente, eternos assim como Ava Gardner, Grande Otelo e o Chicabom. Possuem aquele brilho natural que só os que ousam e inovam tem. Criam, com isso, contudo, uma espécie de campo de força, que os livram de críticas mais duras. São meio que intocáveis até mesmo porque trilharam o caminho de uma musicalidade que, em seus momentos mais experimentais, beira ao inclassificável. Mas, essa busca de Thom Yorke, o cabeção do grupo(capturado nessa ótima caricatura aí acima), pela sua batida perfeita, seja ela qual for, dá sinais de cansaço.
The King of Limbs(2011), lançado este mês vai por aí. É um exercício radioheadiano de mesmice salvo por algumas faixas nas quais o talento de Yorke vem à tona. Permito-me detonar um ídolo, exatamente por ele ser isso para mim. E com os ídolos criamos um tipo de intimidade que nos possibilita falar bem com a mesma facilidade com que xingamos. E pela primeira vez ouço um disco do grupo que definitivamente não me desce bem, assim como uma vodca de segunda e de nome suspeito, tipo Roskoff(assim com dois “efes” para parecer original). Tem aquela incômoda esquisitice do instransponível ouKid A(2000) e a inspiração curta quando parte para os momentos mais caretas e deglutíveis.
Escute a ótima “Little by Little”:
Longe do que parecia ser um retorno ao pop, ainda que anguloso, do bacana In Rainbows(2007), penúltimo álbum de estúdio, The King of Limbs radicaliza nas dissonâncias e assimetrias sonoras. Isso em metade das suas oito faixas. Nos deparamos com a mesma batidinha eletrônica e barulhinhos esquisitos, em descompasso com a voz de Thom Yorke, em músicas como “Bloom”, que abre o disco, e “Morning, Mr. Magpie”, com instrumental complexo e arranjo mais nervoso, mas que tende à chatice e um claro sentimento deja vu. Só perdem em experimentalismo para a quarta faixa, “Feral”, com sua fantasmagoria e repetições, uma espécie de mantra do yorke doido.
Nem naquelas faixas que poderiam ser um oasis em meio à pirotecnia musical do Radiohead, o disco instiga. As duas baladas, com engenharia sonora um pouco, digamos, mais convencional, “Codex” e “Give up the Ghost”, esta a melhor das duas, estão longe da poética e melodia arrebatadoras já demonstradas anteriormente pelos britânicos em suas primeiras obras. Essas duas canções, lentas e tristes, reforçam, pelo menos, aquilo que todo o álbum evidencia: Yorke revela-se sem artifícios um interprete vigoroso e refinado. Mesmo com todo o choro e esquizofrenia que suas composições exigem.
Veja o clip de “Lotus Flower”, com Yorke surtando:
Mas, não é apenas a voz de Yorke um dos alentos desse disco frustrante. Duas faixas demonstram o talento do Radiohead em criar gemas musicais. Exatamente naquela hora em que vislumbramos um certo equilíbrio entre a modernidade orgânica e barulhenta típica da banda e a vontade de fazer uma melodia mais pé no chão, assoviável. É assim com a fantástica “Little by Little”, cujos primeiros acordes lembram um xote(!) e que traz, lá pela sua metade, breaks melódicos de arrepiar. E também com “Lotus Flower”, que começa tensa e urgente para depois contagiar com sua inebriante melodia. Se todas seguissem essa toada teríamos, provavelmente, outra obra memorável. Infelizmente, a sensação desse The Kings of Limbs é de uma bola na trave. Dá até para ouvir o urro de decepção da torcida.
A capa enigmática de Let England Shake(2011), uma revoada sombria de pássaros em preto e branco, aponta a empreitada nada fácil proposta para o ouvinte nesse oitavo álbum de Polly Jean Harvey. É como entrar num turbilhão desconfortante e angustiante de sentimentos. Mas, isso já era de esperar em se tratando dessa irrequieta e genial artista inglesa. E PJ Harvey nunca foi tão inglesa quanto neste trabalho, inspirado por um país conflitante, ambíguo, marcado por um passado colonialista e bélico, que deixou um lastro cultural incômodo em pessoas sensíveis e antenadas, como a compositora em questão. Essa herança é o céu e o inferno numa obra que pode ser minimamente considerada como desconcertante.
Let England Shake é conceitual até a medula. PJ Harvey surpreende abandonando abruptamente o intimismo que chegou as raias do sublime no complexo e tocante White Chalk(2007) e assumindo cores política e dramáticas. A Inglaterra é personagem soberana de um álbum carregado de cinismo. A pátria amada está presente em momentos que vão da declaração de amor, exposta em “England”, com ecos da Londres multicultural, à crueza das memoráveis “The Glorious Land”, sem dúvida uma das melhores do disco, e “The Words That Maketh Murder”, que narra uma batalha campal com corpos estilhaçados de soldados voando pelo ar.
Ouça “The Glorious Land”:
“The Glorious Land”, que conta com a parceria do mesmo John Parish, com quem fez dobradinha em A Woman a Man Walked by(2009), tem tom dramático e invenções que só confirmam o acerto dos arranjos e do conceito abraçado por Harvey. A corneta marcial que aparece várias vezes no início da música, estranha e fora do andamento, está inteiramente dentro do espírito épico da composição que fala novamente de tanques e guerra. O vocal meio teatral imposto pela cantora e compositora destoa de outros instantes do disco, como na doce melodia de “Hanging in the Wire”, e no registro vocal quase operístico da linda e doída “On Battleship Hill”.
A voz de Polly Jean, que tornou-se uma das mais marcantes e pessoais da história do rock and roll em álbuns viscerais e antológicos como Dry(1992) e Rid of Me(1993), assume realmente em Let Englang Shake variações sonoras inesperadas. É um retrato e uma tradução da essência desse grande e assombroso disco. A inquietação vista aqui é também sentida na bem urdida trama musical do álbum, onde as guitarras voltam com personalidade, ainda que mais comportadas, e as canções soam melodicamente mal comportadas. Com algumas curiosas e poucas concessões, como o sampler da música “Blood and Fire”, do jamaicano Niney the Observer, em “Written on the Forehand”.
PJ Harvey apresenta um trabalho evocativo, onde experimentação e tradição andam de mãos dadas, mas nem sempre de forma amigável. A obra soa minimalista, como na bacanérrima música que dá título e abre o álbum de forma incandescente, ora mais próxima do folk, como na calminha “The Last Living Rose”, ora mais rocker, lembrando um pouco do início de carreira, como na pesada “Bitter Branches”. A inglesa nos presenteia com um álbum elaborado e de difícil audição. Escutei-o mais de uma dezena de vezes, mas ainda não me acostumei a sua sonoridade. Um estranhamento que longe de me afastar de Let England Shake só me seduz e me faz querer entendê-lo. E essa provocação, acredito, é uma das características de uma obra fadada a perenidade.
Cotação: 5
Baixe se ainda tiver no ar:
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Assista a clip de “The Last Living Rose”, dirigido por Seamus Murphy:
Ele esteve presente ano passado na radiolinha de grande parte dos brasileiros atentos à música que se impõe pela qualidade. Em março do ano passado. O período de lançamento de seu primeiro trabalho. Com nome de filme, tipo road movie, Berlim, Texas(2010), assim mesmo, bem curioso. E eu me deparo bem mais tarde, praticamente um ano depois, com esse trabalho de malas prontas e passaporte já carimbado pelos críticos musicais mais severos do país. Teve até um tal de Caetano que pensou e disse, não com essas palavras, “esse menino é um talento”. O garoto, Thiago Pethit (o cara da foto, esse misto de Nick Cave e Jeff Bucley), surge assim viajando em emoções pessoais e em delicadeza tão intensa no seu primeiro álbum, que nos deixa feito um turista meio abobalhado diante de uma pequena e surpreendente preciosidade.
Berlim, Texas traz a poeira das emoções vividas por Pethit. É assumidamente confessional, cheio desses testemunhos febris que a gente gosta de escrever em guardanapos de bares na madrugada. E soa meio nostálgico, como a caixinha de música de seu clipe da bela canção “Mapa-Mundi”, com vibrações de épocas não vividas pelo ex-ator paulistano, hoje compositor e cantor. Do tempo da delicadeza. Como a música citada na frase anterior, uma valsa com piano e cordas marcantes, que passeia por um romance que saiu por aí, viajou sem data de retorno, deixando saudades. “Descreva pra mim sua latitude/ Que eu tento te achar no mapa-múndi”.
Assista ao clipe de “Mapa-Múndi”:
De veia acústica e com arranjos sutis, o álbum de Pethit muitas vezes deságua na tristeza. Suas notas pessoais parecem ter sido escritas em dias chuvosos. Como na dobradinha “Forasteiro”, que conta com a voz melosa e aturdida de Hélio Flanders, vocalista do Vanguart, uma linda e arrebatadora melodia, e “Sweet Funny Melody”, de levada arrastada, mas não menos bela. Nelas, há aquela pessoalidade e singeleza que marcam o gênero folk, onde o artista, assim como o amigo da primeira música, é enquadrado. Habitam o mesmo território musical e poético de uma Tiê, que lançou em 2009 o refinado “Sweet Jardim”, outra paulistana também rotulada de folk, que mergulham em si mesmos para regurgitarem canções cristalinas.
Esse estilo folk, emocional, está presente em pequenas pepitas, como a curtinha “Não se Vá” e a doce “Outra Canção Tristonha”. Mas, tem mais do que isso nessa carta de intenções do paulistano. A alma retrô de Thiago Pethit, rescendendo sentimentos cotidianos, vagueia também decidida pelo passado. A rota foi premeditada. Roteiro planejado. Amante de música de cabaret, de Kurt Weil e Bertold Brecht, da viva memória dos tempos de teatro, ele abre seu teatro de vaudeville para arranhar músicas daquela datada sonoridade, a exemplo de “Voix de Ville”, cantada em francês, e a pungente “Fuga No. 1”, com seu jeitão de chanson, reforçado pelo acordeon choroso. As duas apaixonadas e carregadas de dramaticidade, desculpem o lugar comum, quase teatral.
Para dar água na boca, escute “Não se Vá”:
Essa resenha sobre a obra inicial de Pethit chega atrasada como a minha lista de melhores do ano passado. Perdi o trem da história. Mas, faz justiça a um belo álbum que, de tão sincero, chega a arrepiar. Quer cantando em português ou inglês (cinco das músicas foram escritas nessa língua), e a voz pequena combina com perfeição ao estofo delicado das composições, Pethit é uma promessa que não podemos perder de vista. Sigamos o itinerário sentimental do paulistano. Em algum momento poderemos nos encontrar com ele nessas estradas cavadas pela sensibilidade. É só abrir o ouvido e, é claro, nosso forasteiro coração.
Menino malino, Conor Oberst(esse aí da foto) quer ser amado por novos e multiplicados fãs. Líder espiritual do Bright Eyes, banda cultuada pelo som low fi e melancólico, um indie rock confessional, ele agora quer produzir mais do que carinhas enlevadas. Pelo menos é o que aponta seu último álbum, The People’s Key(2011), sétimo da carreira, que chega ao mercado quatro anos depois do candente Cassadaga(2007). Engendrou aquilo que poderia fazer de mais dançante e alegre. Talvez porque saiba, como o título do trabalho insinua, que a alegria é a grande chave para o bem-estar de qualquer povo
Oberst tenta ser pleno nesse projeto de canções mais felizes e ensolaradas. “Shell Games”, a primeira música de trabalho do álbum é sintomática desse seu afã. Com pinceladas acanhadas de synth-pop, a música é pra cima, com sintetizador quase moleque. É um ensaio para a composição que vem na sequência. “Jejune Stars” é aquilo que o artista arquitetou de mais próximo do pop. É dançante e despojada. O trintão de Nebraska já havia dito para a imprensa que buscaria em seu novo trabalho algo mais rocker, mais alheio ao seu próprio umbigo. Conseguiu.
Vídeo de “Shell Games”:
Mais equilibrada e cadenciada, ainda no pique “carnavalesco” de Conor Oberst, “Haile Selassie”, (ele mesmo, o imperador etíope e inspirador dos rastas) é uma das melhores de The People’s Key. Principalmente pelo refrão encantador e a guitarra com seus acordes claros e garageiros. Um mar de leveza no território acidentado de que é feito a alma do norte-americano que a compôs. “A Machine Spiritual”, disparado a minha preferida, é outra delícia do disco, com sua melodia bem acabada e arranja arrebatador. Repare na semelhança do refrão dessa música com o da clássica “Sound of Freedom”, de Mister Bob Marley.
Para quem está acostumado à melancolia e serenidade do velho Bright Eyes, há resquícios sim do passado recente em alguns momentos do álbum. Em “Firewall”, que começa apocalípitica com um discurso panfletário sobre o futuro do planeta, a galera Oberst (leia-se Natel Walcott e Mike Mogis, também produtor do disco, junto a mais uma penca de convidados) comandada por Oberst soa quase soturna. Mais próximo do recorrente som do grupo está a linda “Ladder Song” com seu piano dolorido, e, por fim, a hipnótica e adorável “One for you, one for me”, prova cabal da força poética e talento melódico de Conor Oberst.
Escute “Ladder Song”:
The Peoples Key´s não é o melhor disco do Bright Eyes. Contudo, é o mais corajoso. A postura de renovação interior proposta aqui talvez não encontre eco na maioria dos fãs. E tem o brilho de quem, irrequieto, sabe que o rock é feito de mudanças de atitude e de substância, matérias primas palpáveis nesse álbum. Aventure-se também nesse bravo mundo novo de Oberst.
Ela tá chegando vergonhosamente atrasada, mas tinha que vir: a inevitável listinha dos melhores do ano. De 2010. Vá lá – mea culpa – estamos já em fevereiro, mas precisava documentar e firmar posição sobre os álbuns nacionais e estrangeiros que mais mexeram comigo. É importante que se diga novamente que essa lista é pessoal e intransferível. E tem a ver com meus humores (tem dias que, pela pressão do mundo, ficamos embrutecidos e assim imunes ao brilho de algumas pepitas sonoras) e tempos próprios. É obvio que há uma tonelada de som bacana que não ouvi. E rendo-me com humildade a esse peso, mas a carruagem necessita seguir em frente.
O que vem a seguir é uma restrita escolha, uma eleição acabrunhada dos mares sonoros pelos quais naveguei. E para pontuar e terminar a lenga-lenga por aqui: essa lista dos bacanudos de 2010 é mais emocional do que crítica. Porque música só serve mesmo se mexe com nossas tripas e coração. E esses CDS aí foram terremotos dentro de mim.
OS DEZ MAIS NACIONAIS
1.- Efêmera – Tulipa Ruiz. Sigo neste caso a linha de raciocínio de algumas das revistas de músicas editadas no Brasil. Tulipa fez um disco de rara sensibilidade e melodias marcantes, agigantadas pela voz divina da moça. Uma estréia mais do que afinada. Te vejo flores em você.
2.- Eu Menti para Você – Karina Buhr. A pernambucaninha de sotaque carregado atravessa a avenida com muita modernidade e vigor. Fez um disco cheio de personalidade e ambição. Ousou e convenceu.
3.- Marcelo Jeneci – Feito pra Acabar. Perdi o show desse cara no Festival Natura Nós, em São Paulo. Cheguei atrasado. Tinha lido que o dito cujo era muito talentoso. Seu disco de estréia carregado de frescor confirmava as suspeitas. "Quarto de Dormir", com seu lirismo sem fronteiras, não saiu da minha radiolinha.
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4.- Luisa Maita – Lero-lero.Com a ajuda do namorado Rodrigo Campos, um músico surpreendente Luisa Maita presenteou o ouvinte com um álbum intenso. Feito de sambas candentes, MPB sofisticada e letras confessionais, Lero-lero se tornou um dos bons achados de 2010.
5.- Cibelle - Las Venus Resort Palace Hotel. O nome do disco é em inglês, a maioria das músicas e a produção também. Mas, a danada da cantora é brasileira. Por isso, preferi incluí-la nessa lista. O álbum beira a estranheza, mas é tão bem acabado e orgânico em sua intenção de seduzir, que me ganhou. Dá-lhe, Cibelle.
6.- Rodrigo Maranhão - Passageiro. Não havia gostado muito de seu álbum anterior, Bordado(2007) que achei um tanto melodramático e sem inspiração. Mas este Passageiro é tão conciso em sua poesia e com melodias tão interessantes, e diversas, que dei meu braço a torcer. O rapaz merece mais atenção.
7.- Túlio Borges – Eu venho vagando no ar. O título lírico do CD é correspondido em seu conteúdo. Sem querer dourar a pílula, o brasiliense Túlio Borges é direto e preciso em suas composições. Emociona com isso. E a gente ganha um criador de verve e peso.
8.- Música de Brinquedo – Pato Fu. Torci o nariz para a proposta do grupo. Usar instrumentos de brinquedo para tocar e cantar hits nacionais e gringos. Ouvindo o álbum percebi que o quarteto levou a sério a brincadeira produziu uma música encantadora e realmente surpreendente. Coisa de gente grande.
9.- Fino Coletivo – Copacabana. O Fino Coletivo é uma reunião de bambas das Alagoas e do Rio de Janeiro. Sem Wado, que participou do primeiro trabalho, mas com Adriano Siri, Alvinho Cabral, Alvinho Lancellotti, Daniel Medeiros, Donatinho e Marcus Cesar o grupo arrepia com sua brasilidade a toda prova. Belo disco.
10.- Mundialmente Anônimo – Maquinado. Lúcio Maia, o irrequieto guitarrista do Nação Zumbi, bebe da música negra para fazer um disco suingado, com muita mixagens e experimentação. Fique parado se for capaz.
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OS DEZ MAIS INTERNACIONAIS
1.- The Drums – The Drums. Carne fresca no pedaço, quatro boys norte-americanos foram buscar no passado marcantes referências para fazer um dos álbuns de rock mais desencanados do ano. Com ecos de Smiths e do rock oitentista, esses novaiorquinos se divertem tocando e passam essa ludicidade para nós, agraciados ouvintes.
http://multiupload.com/FBY3CKFMLX
2. The Suburbs – Arcade Fire. Funeral(2004) foi um álbum sem condescendência que desconcertou a crítica. Neon Bible(2007) um passo experimental que para mim está mais para um passo em falso. No terceiro, The Suburbs, os canadenses resolveram ser menos cabeças e mais pop. Acertaram na escolha e nas melodias, fabricando um puta disco.
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3. Black Mountain – Wilderness Heart. "Hair Song" foi provavelmente a música que mais ouvi em 2010. Guitarras no talo, bateria enfurecida, é rock de macho. O álbum vai no mesmo diapasão. Não vi esse disco na lista das melhores revistas especializadas do gênero, mas que é altamente recomendável, pode ter certeza.
http://www.mediafire.com/?qv3cso568qce9t2
4.- Teen Dream – Beach House. Som de baixa rotação, low fi clássico, amparado por melodias bem construídas e bom instrumental. Indies de carteirinha, a dupla mergulha na leveza e compõe canções mântricas, boas para te deixar de bem com a vida. Reafirmam o poder de fogo que já haviam demonstrado no belo Devotion(2008).
5.- The Courage of Others – Midlake. Folk até o caroço. E dos bons. Os norte-americanos reforçaram sua poética com tons de música medieval já presentes no ótimo The Trials of Van Occupanther(2006). E radicalizaram nesse viés com um álbum coeso e repleto de grandes canções.
http://uploaded.to/file/snk6k9
6.- This is Happening – LCD Soundsystem. Esse está na lista de quase todas as revistas especializadas em música. Mas, James Murphy é fodão mesmo. Depois do incrível Sound of Silver (2007), o cara volta a mexer com a nossa cabeça e pés com um álbum cheio de longas (a maioria tem seis minutos de duração) e arrasadoras músicas. Vide "All I Want" e "Home", só para ficar em duas.
7.- The Sea of Cowards – The Dead Weather. O segundo disco desse projeto do talentosíssimo Jack White, cercado de super músicos, está mais pesado, mais vociferante e bacana. Já era de se esperar. Uma paulada atrás da outra para quem gosta de rock visceral e bem tocado. Pode aumentar o volume, que esse é pra fazer tremer o chão. Valeu, Jack.
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8. – Brothers - The Black Keys. Sempre gostei do rock sem firulas do Black Keys. Desde The Big Come Up(2002. Em Brothers, Dan Auerbach e Patrick Carney equalizaram de maneira magistral o gosto que têm por uma música direta, seja o bom rock de raiz ou um sedutor e bom blues."Tighten Up" é um belo exemplo do que essa dupla é capaz. Discaço.
http://www.mediafire.com/?boiqjmwnxr4
9. Write About Love – Belle and Sebastian. Eles já foram queridinhos de toda uma geração indie e talvez um dos melhores representantes de um rock “fofinho” e sensível. Vazaram da mídia e do coração de muitos fãs nos últimos anos graças a álbuns pouco inspirados. Não é o caso desse Write About Love, um retorno bem vindo a sonoridade que os tornaram cult.
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10. Sisters - Ghost Fits. Os sujinhos da vez. Pelo menos da minha. Não estão na lista de ninguém, acho que nem dos pais desse duo norte-americano. Lembram um pouco Pavement com seu desleixo vocal, porém com uma energia, diríamos, mais punk. São os mais desconhecidos dessa lista e minha aposta mais underground. Gosto da sonoridade suja e a pegada garageira. Espero que vocês não me odeiem por isso, mas vale a provocação.
Foram quatro meses olhando marés, fitando desconcertado luas cheias, catando conchas, beijando minha mãe, abraçando os irmãos, entregando-se, nas entrevírgulas, ao rock and roll. Faz um bem danado se desconectar completamente, por uma temporada, das agruras do mundo. Sondar-se. Perceber-se alheio a tudo para, revitalizado, plugar-se de novo com o ritmo frenético dessas coisas cotidianas de metrópole que parecem não ter freio. Porque essas, mesmo vestidas de urgência, podem também esperar. Porque são só coisas.
Muitos desses dias, de bobeira, barba por fazer, descalço, tentava ser simplesmente um bicho que acompanha o vagar lento da comunidade de pescadores que me abrigou. Como um calango dormitando ao sol.
Nesse tempo, com o tempo tomando conta de mim, nocauteei feliz a ansiedade que, normalmente, teima em me dominar. Desacelerar. O mar me ensinou muito e muito tem ainda a me dizer nos momentos para aqueles que precisam dar uma parada técnica. A conversa com velhos pescadores com sua sabedoria sem subterfúgios. Os meninos que brincam despreocupados. Viver o romantismo do ócio, observando o movimento impreciso da natureza. Tudo isso é uma puta escola para quem faz um pacto com o isolamento. Foi tudo redentor.
E aí, chega a hora de voltar pro redemoinho da vida. Enredar-se no trabalho, fazer parte do mecanismo avassalador do cotidiano que nos faz se sentir útil, operários de algo muito maior do que a gente: a evolução. O passo que damos, se carregado de boa vontade e fortuna, azeita o mundo ao nosso redor. Temos sim o poder de melhorar nossa casa. Porque no fundo, somos revolucionários. Do nosso jeito abestalhado. Assim mesmo. Basta ter fé que podemos ser engenheiros do bem estar daquele que caminha do nosso lado com beleza na alma.
Imbuído dessa crença na humanidade (e esse credo veio tatuado de nascença) voltei a trabalhar e a escrever aqui no meu blog, feliz de estar construindo esse texto. É bom estar aqui de novo, dando atenção a essa espécie de filho que a gente põe no mundo e, como um pai desnaturado, às vezes, abandonamos. Peguei na mão dele de novo, saudoso. Quem sabe para vê-lo crescer com saúde. Meu bobo blog com o mesmo velho pai babão. E atrasado, termino com um desejo: que venha 2011 com a fúria dos justos. Meu coração torce por isso.
P.S.: As fotos dessa postagens foram capturadas nos meses de ócio e valem unicamente pelo seu valor sentimental.
"Sendero Mestiço", com Jabu Morales, foi uma das músicas que embalou minhas férias:
Tem meninas do Brasil que nasceram para tocar a alma da gente. Tão ligadas a tudo que diz respeito ao coração que basta abrir a boca para o universo acender. Algumas nascem prontas e por isso surpreendem quando resolvem debutar pros nossos ouvidos. É o caso de Luísa Maita. Uma estréia tipo crônica de um encanto anunciado. A paulistinha já vinha dando lampejos de seu imenso potencial no circuito alternativo. Dividindo o talento ao lado do também surpreendente músico Rodrigo Campos, autor de um dos mais belos discos de MPB de 2009, São Mateus não é um lugar assim tão longe. Agora, a cantora de voz suave, compositora acima da média, resolveu se mostrar por inteira. A moça fez de Lero-lero uma pequena e graciosa pepita, lapidada por uma carreira curtida pelas boas companhias, bom gosto musical e força autoral.
E logo de início, com a bela “Lero-lero”, Luísa já mostra a que veio. Música incandescente puxada pro samba a falar de amizades telepáticas, de gente que se entende sem precisar palavras. Letra curta, minimalista, com uma cama percussiva que incendeia os sentidos. E continua seu discurso com a também hipnótica “Alento”, uma das melhores do disco. A letra guerreira dá o recado do que pode ser a moça: “É, eu tou na vida é pra virar/ que a felicidade vem/ eu tou sonhando mais além/ Eu não fui feita pra fingir. Eu tou ligada é no amor, que se tem pra viver”. Ligada no amor, é música boa, sem fingimento. E moderna com suaves toques de eletrônica e muita percussão alinhavadas organicamente. Do mesmo modo, "Aí, vem ele" é trilha urbana para horas de reflexão, chá de camomila pro coração. Tudo embalado ainda por músicos de primeira linha. A artista conta com os produtores Paulo Lepetit e Rodrigo Campos, e Kuki Storlarski e Sérgio Reze (bateria), Théo da Cuíca e Jorge Neguinho (cuíca), Siba (rabeca), Fabio Tagliaferri (viola) e Swami Jr (violão).
Aí vem sequências de outras pequenas maravilhas. “Desencabulada” é som de morro, samba cadenciado. Sobre Isabel, “a morena de cabelo cacheado que dançou desesperada num baile funk molhando de suor os parceiros muitos.” Deliciosa melodia. Com se fossem uma música só, a desencabulada engata em “Fulaninha”, uma embolada contemporânea com arranjo econômico e corinho feminino feito sob medida para o feitiço proposto por Luísa. Destilando urbanidade, as poderosas “Maria e Moleque”, em parceria com Rodrigo Campos, e “Anunciou”, com sua batida pulsante só reforçam o sentimento de que a moça veio para ficar. Luísa Maita, autora de quase todas as letras do disco, é uma das boas surpresas do ano e Lero-lero uma estréia antológica. Lembra a ótima cantora Céu quando lançou sem primeiro disco. As duas têm em comum uma natural gana de reinventar a MPB. E nesse quesito Luísa já se colocou na linha de frente.
É sem dúvida uma das peças mais pops e desencanada do ano. O álbum de estréia da novaiorquina The Drums, que leva o nome do grupo, é como um delicioso parque de diversão à moda antiga. Esses meninos fazem música por esporte. Ouvi o disco no carro do meu chapa Wagner, deslizando pelas avenidas longitudinais de Brasília. Trilha sonora eficiente. O velho parceiro, o meu melhor guru musical, atento a todas as novidades, sabe das coisas. A batidinha nostálgica do grupo ora soa como um The Smiths redivivo e descarado, como na ótima “Best Friend”, ora tem a pulsação típica da juventude, a exemplo das excelentes “Skippin Town” e “Forever and ever Amen”. A banda carrega, pela idade mesmo dos integrantes, um despojamento natural que tem tudo para agrada até os mais sisudos e renitentes críticos do novo rock.
The Drums é carne fresca no pedaço. Filé mignon pronto para o consumo. Jonathan Pierce, o vocalista, tem uma voz bêbada, largada, pendendo para um ensaiado desleixo. Os guitarristas Jacob Graham e Adam Kessler (este que deixou a banda recentemente) mergulham na onda revivalista dos anos 80 sem qualquer pudor e destilando barulheira. O baterista Connor Hanwick entra na festa com igual vigor. A animada “Me and the Moon” é uma prova concreta dessa afinação juvenil de uma galera que parece se divertir a beça nos palcos. A crítica especializada tem chamado a atenção para as apresentações lúdicas desses norte-americanos, que provam ser bons também de melodias. As ganchudas “It will all end in tears” e “I need fun in my life” indicam que os caras estão num bom caminho.
The Drums acertou nessa festiva e marcante estréia. Que sejam hypes enquanto durem. E que a maturidade não tire desses rapazes esse frescor e energia que fazem do rock and roll eterno. Aproveite bem essa novidade:
Nesse domingo ouvi reggae. E achei todo aquele som tão na contramão das minhas horas estufadas de pressão e responsabilidades. Mas, de qualquer forma, veio o sentimento da domingueira abusada, daquele cio besta, do não ter nada a fazer (meu Deus, isso existe!). Só por alguns instantes. Só por alguns instantes me senti em Sagi, minha praia idílica, refúgio na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Resolvi, também saudoso desse outro exercício, o de escrever para meu blog, postar esse disco(esse aí da foto). Para espalhar entre os amigos com o domingo de boreste esse sonzinho de maluco, de ouvir em horas de espreguiçadeira. Assim mesmo, resolvi postar rapidindo esse texto expresso e mal alinhavado. Porque agora mesmo dona responsabilidade bateu enfezada na minha porta dizendo que tenho só mais alguns minutos para voltar pro trabalho.
Bem, o disco se chama Rockamovya e é de uma banda que leva esse mesmo e estranho nome. É reggae e dub tradicionalzão, sem invencionices e bem feito. Também pudera, os feras por trás do projeto são integrantes do Groundation (Ryan Newman, Marcus Urani e Harrison Stafford), grupo Cult que tem uma legião de fãs no Brasil. Quem gosta do ritmo, com certeza tem algo dessa galera em sua lista de músicas pra fazer dançar. E esse projeto paralelo tem também o auxílio mais que luxuoso de Leroy Wallace, baterista jamaicano que é praticamente um sinônimo do reggae e do guitarrista Will Bernard, que empresta seu lado jazzy para enriquecer ainda mais o álbum (sinta esse peso na boa “Take the Night”, composta pelo próprio). Ouça o lindo e afinado dub “The Bounty”, com guitarras sonolentas e sensuais, e o malemolente reggae “Warrior Sound”, com teclado roots e um baixo matador que abrem espaço para a voz vibrante de Stafford e viva preguiçosamente o domingo.
Estou fazendo campanha política. Esse fazer tem um peso e comprometimento descomunais. É como entrar num tobogã gigantesco eivado de curvas e emoções inesperadas. De ondas desencontradas de sentimentos afoitos. Raiva, prazer, ódio e sapos engolidos, sapos vomitados. E aqueles bastidores, o melhor da festa, onde tudo acontece. E tudo aquilo que vale a pena: a alegria de um projeto realizado, os personagens animados que vestem a camisa, estufam o peito e saem agitando bandeiras mal impressas. O testemunhal do sinhozinho daquele bairro pobre, esparramando honestidade em cada frase construída. E o brilho intenso no olhar de quem realmente se entrega ao debulhar inclemente da câmera de vídeo. E aquilo que faz pensar se realmente vale a pena: gente com choro represado e outros com choro solto rendidos a pressão das horas. As horas que passam lentas e que desafiam o sono, que não pode chegar. A briga contra o cansaço que namora a cama morna que vira nuvem que abraça o guerreiro morno. Noites não dormidas, noites mal dormidas. Mas, no fim, tem aquele amanhecer iluminado contaminando a esperança de que tudo termine bem naquele dia para que a alma se refestele, lá na frente, nos braços da vitória. Ah, campanha política. Dói, mas é uma delícia.
P.S.: Diante desse quadro, este todoouvido faz uma pausa de alguns meses. Todo ouvido agora só para jingles políticos e discursos nos palanques. Até mais ver. Enquanto isso, ouça tulipa.
Na minha infância ao pé do rádio, meu ouvido era inundado pela música brega e romântica de Odair José, Waldick Soriano, Lindomar Castilho, Paulo Sérgio, Núbia Lafayette e afins. Um estouro popular na época. A classe média e baixa do Nordeste se esbaldava, chorava e consumia cachaça escutando esse som passional repleto de dores de amores e chifres colossais. No meio dessa tempestade intimista, um som diferente, mais quente e moleque fazia, para mim, a diferença nos dials das AMs. Era o carimbó de um cara do Pará de nome divertido, hoje cultuado e imitado, chamado Pinduca. Mais tarde, entenderia que o cara nasceu em um estado com um dos ritmos populares mais hardcore já criados no Brasil, a guitarrada, que teve exatamente no carimbó, uma de suas maiores inspirações.
Toda essa longa introdução era para falar que o carimbó e a guitarrada, com sua força rítmica, começam a ser justamente revisitados pelos mais novos, como a interessante banda paraense La Pupuña, e pelos não tão novinhos mais que provavelmente tiveram o carimbó como um dos elementos de sua formação musical, a exemplo do fenomenal Kassin. E foi essa pegada que me chamou a atenção no som de um cara aqui de Boa Vista conhecido Ben Charles. O cara foi um dos pioneiros da cena rocker em Roraima. Em seu upgrade sonoro, evoluiu para um som que ele chama de “carimbóelectroseco”, uma mistura eclética e explosiva de ritmos, onde a guitarra reina impávida e nervosa. O cara, inclusive, é um dos artistas do portal da Trama. Vá em http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/ben_charles para conhecer um pouco mais sobre o sujeito. Pra mim, que só pude assistir a um espetáculo do cabra até agora, foi um achado.
Um amigo meu, Ed, talentoso fotógrafo e diretor de arte, chama o Ben Charles de “Chico Science do lavrado”. A conexão tem a ver. As composições do músico bebem de influências múltiplas, provocadas pela localização geográfica de Roraima e a forte miscigenação racial. O músico mistura desavergonhadamente carimbó com música eletrônica com ritmos latinos e, é claro, com rock and roll. Esse caldeirão acaba tornando a música de Ben Charles um tanto inclassificável, mas claramente autoral. E é isso que chama atenção de cara na catarse dessa figuraça em cima do palco. É bom demais ver alguém que se permite divagar, numa puta entrega, a partir de nossa riqueza musical explorando ainda o que de bom a música do mundo já produziu.
O show que assisti do Ben Charles, com sua banda, a Los The Os, foi em sua própria casa, cercado de amigos, numa noite daquelas em que uma chuva fina ameaçava virar chuva grande, iludindo a galera. Era aniversário dele. E o presente foi pra gente. Inspirado, o cantor e compositor destilou sua música bem temperada, com direito a longos improvisos de guitarra. O carimbó presente aqui e ali em seu som me fez voltar à infância. Isso e a energia de suas músicas garantiram uma noite mágica. Quero ouvir mais Ben Charles para poder falar com mais propriedade sobre as experimentações que o cara faz. A primeira impressão, marcante, é que esse cara tem que ser mais ouvido pelo Brasil e pelas gerações mais novas. Até mesmo para implodir a caretice e para que os candidatos a músicos se reinventem e se tornem engenheiros da novidade. Ben Charles, com 23 anos de estrada, mostra o caminho.
Para ouvir a música de Ben Charles e Los The Os vá em : http://www.reverbnation.com/bencharles
Assista a clip da música “Ubá”, momento completamente lounge de Ben Charles:
(Tarde de feriado. Dois sujeitos olhando para o rio que corre manso falam de música ao som de gritos de papagaios em revoada para o descanso.) Um cara – Baixei um disco de uma banda nova da Irlanda. Butterfly Explosion. Nome esquisito, explosão de borboletas.
O outro – E como seria uma explosão de borboletas?
Um cara – Sei lá...Talvez como um desses fogos de artifícios que encantam os olhos da gente. Desses bem surpreendentes nos quais a explosão se multiplica em outras formando uma miríade de cores que deixa o céu em festa.
O outro – E a banda irlandesa? É por aí?
Um cara – É sim...por aí. É um quinteto que faz o que se costuma chamar de dream pop, aquele rock cheio de texturas, delicado e sinuoso. E são bons nessa linha. Sabem tocar, principalmente o guitarrista e vocalista Gazz Carr. Na guitarra, o cara dialoga bem com outro membro da banda, Jay Carty. Os dois têm uma forte influência dos anos 90...
O outro – Muitos detonam essa década, dizem que musicalmente não teve lá grandes lampejos criativos. Bobageira. A maioria desses reclamões são viúvos da hecatombe sonora produzida nos anos 60 e 70... Um cara – Podicrê. A imprensa estrangeira compara o som do Buttefly Explosion a My Blood Valentine e Jesus and Mary Chain, duas das bandas mais interessantes e intensas daquela década...
O outro – E...
Um cara – E a comparação procede. Principalmente pelo “noise”, pela distorção da guitarra e baixo que criam um contraste bacana com as melodias. E esse é um dos pontos fortes da banda. Músicas como “Closer”, que abre o disco, tem uma melodia intensa, emocionalmente vasta e que é chafurdada por cordas distorcidas. Uma bela introdução para o que vem depois.
O outro – E o que vem depois continua impressionando? Dá até medo...
Um cara – Olha, os caras não são a oitava maravilha do mundo. Mas, são honestos no que fazem. Quase todo o disco pende para a leveza e a suavidade...tipo...tipo dream pop mesmo... Mais, há por trás disso tudo meio que uma raiva contida que aflora aqui e ali em, aproveitando uma expressão que você usou, lampejos. Isso está bem claro em duas músicas instrumentais do disco, as belas “Automatic” e “Carpak”. As duas começam mais sonolentas até despertarem do meio para diante em distorções e barulho.
O outro – Gosto da distorção como lenitivo para a caretice...
Um cara – Os caras até abusam um pouco disso. Mas, a barulheira não compromete o conjunto da obra. Compensa inclusive a voz pequena, banal de Garr. Esse é a cabeça da história. Sua composição são inspiradas. Além daqueles duas instrumentais que te falei, tem pelo menos, dois grandes achados musicais, além da fantástica “Closer”: a lenta e etérea “Sophia” e a intensa “Crass...See you on the other side”. Mas, se quiser algo mais agitadinho vá de “Chemistry”, um raro momento nervoso da Butterfly Explosion.
O outro – Vou experimentar... Mas, no geral...
Um cara – No geral é um dos bons discos que ouvi esse ano. Um daqueles grandes álbuns de estréia de uma banda. É esperar para ver se os caras não vão descarrilhar na sequência. Por enquanto, vale a pena curtir e provar a boa sopa sonora dos caras. Não engorda e faz bem. Recomendo. O outro – Ei, qual é mesmo o nome do disco.
Um cara - Lost Trails. Anote. (Finalmente, o garçon perdido na contemplação do rio percebe que dois clientes, nós, os únicos do bar ribeirinho, estão ali falando de música. A cerveja gelada se avizinha. Já sinto seu sabor. A noite promete.)
Cotação: 4
Experimente os irlandeses:
http://www.mediafire.com/?mmotf0z0mkn
Escute a bela “Closer”:
E também “Crash...See you on the Other Side”:
Os caras num vídeo amador feito em um show ao vivo nos EUA:
Este blog é uma manifestação de amor à música. Não tem caráter comercial, mas apenas o de compartilhar um gosto pessoal por grupos, bandas e artistas de todo o mundo. A idéia não é detonar a indústria fonográfica, como alguns blogueiros acreditam que possam fazer ao postar discos. Sugiro que esse blog sirva como mera pesquisa e, se gostar dos trabalhos comentados, procure comprar. É um mimo que você faz ao artista.
As cores da festa
Fantasiaram o Centro Cultural Casa de Taipa para a sua festa de aniversário de um ano. Tanto verde e amarelo tornaram nossa paixão pela cultura ainda mais vibrante.
Verão
As pranchas apontam o caminho do sol. Alegria refletida na areia, Verão pra não mais esquecer. Natal, dezembro de 2011.
Rio na boa
Rio da vida, que não ri de mim. Rio porque sei que assim eu sei que vivo melhor. Porque tudo o mais se ilumina em minha volta. Rio pra te fazer feliz. Catingueira - Sobradinho - DF - Brasil. Outubro de 2011
Lavrado iluminado
Um arco-iris no meio do lavrado e um fim de tarde banhado de luz. As vezes, a visão do paraíso está mais perto do que imaginamos. Mucajaí-RR. Agosto de 2011.
Missa do Vaqueiro
O vaqueiro do sertão nordestino, seco e encouraçado, carrega uma fé ardente como o sol que o incandeia. Exemplar de bravura que o Brasil precisa conhecer melhor. Suas missas em cidades do interior são rituais a parte. Meu amigo Flávio Aquino clicou esse momento mágico em Piranhas(AL), numa de suas muitas viagem Nordeste profundo adentro. Roubei essa de seu álbum no Facebook.