sábado, 5 de dezembro de 2009

Cozinhando o aipim

Poucas raízes têm uma relação tão significativa e profunda com o Brasil quanto a boa e velha mandioca. Ou aipim. Ou macaxeira. Nomes diferentes para um tubérculo que é a base da alimentação dos sábios índios brasileiros. Aqueles que foram “descobertos” pelo “descobridor” das terras tupiniquins. É alimento barato, substancioso e que inspira, por seu sabor neutro, deliciosas mestiçagens gastronômicas (que tal um Escondidinho – mistura de mandioca, carne de sol e queijo -, aí?). O título do primeiro álbum do pernambucano Fernando S., Aipim não é Macaxeira(2009), tem esse sabor radical de um país mestiço, que sorve influências mas carrega inapelavelmente em sua essência a buliçosa alma verdeamarela.

Aipim não é Macaxeira, que me chamou atenção de cara pelo bem humorado título, é obra de arquitetura coletiva. Tem aqui trechos de trilhas de cinema, parcerias gestadas como um filho, lentamente, o baixo de um colega de batalha, a voz terna de uma amiga de guerra, o violão gravado ao vivo. O álbum, segundo Fernando S., foi parido em dois anos, no compasso do tempo de cada um dos participantes do trabalho. O resultado é complexo e multifacetado, como o Brasil, com estilhaços de rock, MPB e música eletrônica. Um caldeirão ao qual os irrequietos músicos pernambucanos, dos mais criativos do país, já estão acostumados.

O disco de Fernando S. é democraticamente dividido. Meio somente instrumental. Meio contando com as vozes de amigos do Rio de Janeiro e Recife. É também um tanto desigual, até porque se oferece generoso a interferência, melhor seria dizer cumplicidade, de tanta gente. O CD é orgânico nas faixas instrumentais, onde pode ser percebido, em vários momentos, referências ao rock dos anos 60 e 70 no som do autor. Na bela “Fenix”, por exemplo, que abre o trabalho, o cara utiliza-se de um órgão Hammond e de barulhinhos eletrônicos para criar uma atmosfera viajante, típica do rock progressivo, quebrada pela entrada rascante da guitarra.

As boas idéias sonoras e as melodias consistentes perpassam as músicas exclusivamente instrumentais. O piano e a guitarra de Fernando se dizem presentes lindamente na quase trip hop, a melancólica “A Falta de Estrela”, uma das melhores do álbum. Nessa direção temos ainda a também viajandona “Ao Redor”, com muito eco de baterias e utilização de efeitos bem característicos daquele outonal gênero musical. Tem cara de cinema com sua evocação de paisagens etéreas e carregadas. Mais rocker e interesante é “Salvatore”, com suas cordas pesadas substituídas, depois que cai a ficha do músico (“Caraca, viajei”, diz o cara no meio da composição), por uma guitarra mais melodiosa, bem anos 70, levada com competência pelo agregador do disco.

Se o dono do projeto acerta em quase todas as faixas instrumentais, o mesmo não se pode dizer daquelas em que pediu a força de amigos letristas. Músicas chatinhas como a jovemguardista “Vestido Azul”, com a participação da cantora Mary Gaspari que não ajuda com sua vozinha infantil a levantar a canção, e “Caminhante Dub”, com Bruno Muniz, do grupo Laranja Dub, no vocal desapontam. Em compensação temos o divertido rock brega “Ventilador”, com a voz personalíssima de Carlos Posada, da banda Bárbara e os Perversos, e, principalmente, “Naianga”. Gravada ao vivo, essa canção é interpretada com alma por um surpreendente Mani Carneiro (o cara da fotografia ai ao lado), cantor afinado e timbre marcante. Tocante, é MPB de rara estirpe, com letra e melodia de arrepiar, uma das mais lindas que ouvi no gênero esse ano.

Ouça "Naianga" com Mani Carneiro e Taynah:



Aipim não é Macaxeira é um ensaio de bom gosto, um álbum que se equilibra bem entre a brasilidade de seu som e as influências de ritmos estrangeiros. É uma carta de intenções de um músico que ainda pode nos dar grandes alegrias. Talento não lhe falta. Talvez falte direção, mas o cara já provou que pode ser um bom timoneiro. É, com certeza, uma bela aposta para o futuro.

Cotação: 3

Prove do aipim:

http://www.mediafire.com/?tknfwlmljyy

Veja o clipe de "A Veneza"

domingo, 29 de novembro de 2009

Australianos surpreendentes

A terra dos cangurus de vez em quando nos surpreende com sua música. Do jurássico AC/DC, que pousou no Brasil neste fim de ano com seu metal baba, a The Vines, uma das boas bandas surgidas nessa década, passando por Midnight Oil, Wolfmother e Hoodoo Gurus, entre outras mais conhecidas, a moçada da Austrália bate a nossa porta com um sonzinho de qualidade que ultrapassa merecidamente as fronteiras da super ilha. O caso mais recente é de uma turma de Melbourne batizada The Temper Trap e que chamou atenção dos caçadores de novidades com Conditions(2009), álbum de estréia com bons achados e que tem no convincente senso pop e na voz em falsete de Dougy Mandagi seus maiores trunfos.

Há quem tenha classificado The Temper Trap como indie rock e até mesmo art-rock, mas acho que a galera australiana está mais para um indie pop, só para confundir um pouco mais a cabeça de quem adora uma segmentação. Mas, deixando esse tipo de definição de lado, o melhor mesmo é se ater a deliciosa busca do vocalista Dougy e de seus parceiros(o bom guitarrista Lorenzo Sttillito, o baixista Jonathon Aherne e o baterista Toby Dundas) por uma musicalidade objetiva que mescla popices a uma tendência glam, traduzida na intensidade da voz do líder da banda e nos arranjos bem trabalhados. E aqui tem os dedos e as mãos de Jim Abyss, produtor do trabalho e que já emprestou seu talento para discos de peixes grandes como Kasabian, Arctic Monkeys e Ladytron.

O lado pop se faz presente principalmente nas músicas mais dançantes e diretas, como “Fader”, uma das mais fracas do disco, com seu teclado datado, batida de bateria básica e corinho que lembram os anos 80. Feita pra tocar no rádio. E também na bacanuda “Rest”, com um refrão hipnótico e a interpretação irresistível, rasgada de Dougy, que dão ares de dance a essa poderosa canção. Rivaliza com “Science of Fear”(veja o clip abaixo), a mais rocker e com melodia inspirada do CD, candidata, entre as que ouvi, a uma das melhores e mais pegajosas canções do ano. Reparem no ótimo arranjo e na empolgante guitarra de Lorenzo. Uma prova inequívoca que esses meninos não estão para brincadeira.

Os australianos também sabem carregar no clima quando desaceleram. Perdem um pouco o pique em duas canções que tem seu forte nas mudanças de andamentos. Caso de “Down River”, com construção lenta e melodia mais arrastada, com um saxofone triste pontuando a canção, mas que ganham peso no refrão e no final com ajuda de bonito arranjo de cordas. A outra é “Love Lost”, que engana o espectador com seu teclado e palminhas no início, que sugerem uma sacode pista, mas acaba não saindo do lugar, apesar da guitarra e do gás que pega um pouco mais adiante. The Temper Trap volta a ganhar crédito na bela balada “Soldier On”, na qual sobressai a afinada voz de Dougy em tocante e preciosa composição.

Conditions é, enfim, uma dessas estréias realmente surpreendentes e que merecem a atenção daqueles que gostam de boa música. Ainda mais num ano em que o rock andou meio bambo das pernas. E também porque senti nesse início de carreira do grupo, o que é mais complicado, claros sinais de maturidade inventividade. O destemor em encarar o universo pop, tão difícil de ser conectado com talento pela maioria das bancas, e a voz marcante do vocalista já valem o investimento nos poucos mais de 40 minutos do álbum. E aí é esperar para ver se a galera de Melbourne confirma mais adiante as boas intenções. Recomendo. Cheio de esperança.

Cotação: 4

Ao ataque:

http://hotfile.com/dl/11391176/72ed388/The_Temper_Trap_-_Conditions_2009_MusicStranger.rar.html

Clip bacana da ótima Science Fear

domingo, 22 de novembro de 2009

A vez dos desacelerados

Eles não são chegados em barulho, microfonia, guitarras no talo ou baterias desesperadas. Andam em marcha lenta, buscando a economia de sons, tentando convencer todos de que o mundo é mais bonito se desaceleramos. Os especialistas já deram nome a essa “síndrome” na música: lo-fi, abreviação para Low Fidelity, ou baixa fidelidade. E o que era uma opção estética de trabalhar com gravação caseira, sem os recursos de estúdio, virou estilo, um tipo de música serena, minimalista e sem sobressaltos, que tem no indie rock da ótima Wilco, uma de suas melhores e mais conhecidas representantes. E essa é a tradução exata para a sonoridade da banda Real Estate que colocou no mercado o seu primeiro disco, que leva o nome do grupo, um exercício de delicadeza e sobriedade.

Real Estate(Selo Woodsist, Underwater Peoples, Half Machine, 2009), o álbum, abusa da guitarra acústica e cordas dedilhadas, da bateria repetitiva e hipnótica para espelhar cenas de um cotidiano sereno. O nome das músicas do CD já adiantam um pouco esse ritmo interno das canções que acabam refletindo-se também nas melodias. “Nadadores de Piscinas”, “Lago Negro”, “Rio Verde”, “Dias de Neve”, os títulos transportam o ouvinte para situações de plena calmaria e descanso. Orgânicas, as composições do disco de estréia desses garotos norte-americanos cheiram a primavera e dias de sol, seguindo a cartilha do folk, ou melhor seria dizer, nesse caso, tentando achar uma definição mais exata, neo-folk com pitadas de psicodelismo, no qual a melodia se sobrepõe ao aparato técnico e efeitos sonoros, criando sensações na alma de quase letargia. Tudo realmente muito delicado e sensível, bom de se ouvir em momentos relaxantes, um fundo musical para se contrapor a correria dos nosso dia-a-dia.

Dezenas de outras bandas atualmente caminham na mesma praia do Real Estate. São herdeiros privilegiados dos anos 60 e 70, décadas preciosas e pioneiras em que a arte de gente prá lá de talentosa, como Joni Mitchell, Joan Baez e Van Morrison, só para ficar nos básicos, enriqueceram o folk rock, incorporando elementos modernos ao gênero. Os novos se permitem misturar ainda mais referências, munidos ainda das invenções musicais que surgiram de lá para cá. E o casamento folk, pop e psicodelia é hoje um dos preferidos dessa turma. Nessa direção, a galera de New Jersey, cevada no Brooklin, e que tem a frente Matt Mondanille (mais conhecido como integrante da banda Ducktaills), possui um senso real de direção, um equilíbrio e clareza musicais que vão ajudar a banda a evoluir, a meu ver, para uma sonoridade mais consistente.

É essa serenidade e equilíbrio do debut que transparecem em melodias bem construídas e com ares nostálgicos, como “Beach Comb” e “Pool Swimmers”, com a utilização enxuta de violão e guitarra, fazendo a cama para composições objetivas e suaves. As vozes, tão lo-fi quanto as músicas, coabitam com a instrumentação minimalista nos arranjos extremamente simples, como se fossem apenas mais um outro instrumento qualquer. A pop “Green River”, uma das melhores do disco, reforçam esse folk latente do grupo, com seu pandeiro, violão animadinho e coro alegre, como se tivesse saída de outros tempos, de dias mais inocentes e esperançosos. Na mesma linha, a bela “Snow Days” é mais bem resolvida melodicamente, fechando muito bem o álbum.

A opção pelos arranjos e execução dos instrumentos minimalistas nos leva a ter a sensação de que as músicas se parecem uma com as outras. É preciso ouvir Real Estate com cuidado e paciência para perceber as diferenças. A impressão é de que o grupo, com esse primeiro trabalho, está ensaiando algo maior, que reverbere mais. É possível sentir inconsistência e fragilidade em algumas músicas como em “Suburban Dogs” ou em “Fake Blues”, que, de Blues realmente, não tem nada, mas há lampejos de criatividade e talento como nas canções citadas no parágrafo anterior. Um trabalho em tom menor e claramente despretensioso(não espere encontrá-lo na lista de revelações do ano), mais uma estréia com bons achados que me faz apostar num futuro promissor para essa galera. Vou pagar pra ver.

Cotação: 3

Confira o som dos suburbanos de Nova Jersei:

http://www.mediafire.com/?nmjdq3yw1iz

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Discurso do amor terno

O gostar é um mistério. Daqueles mais incríveis e que fazem da natureza humana um fantástico e insondável calabouço que ajuda a tornar todos nós, homo sapiens, seres admiráveis. Há alguns anos atrás conheci a música do paulista Kleber Albuquerque(esse cara aí do lado) e, não sei por que motivos, resolvi gostar dele. Despretensiosamente. Poucos amigos embarcaram na minha. Poucos críticos, que eu saiba, teceram loas a sua arte. Quase nenhuma Maria Bethânia quis gravar alguma música dele. Mas, eu, a cada disco lançado do artista, ia liquifazendo suas canções dentro de mim. E ele foi se abancando, ajeitando, quarto pronto, a caminha e o travesseirinho, na minha casa do gostar.

Kleber Albuquerque lançou recentemente seu sexto trabalho, de nome banal, Só o Amor Constrói (Gravadora SeteSóis, 2009). Confesso que havia uns dois anos não visitava as músicas desse querido, quase um velho amigo, compositor e cantor. Como que se ele tivesse tirado umas férias da minha casa do gostar. Mas, seu quartinho, pude perceber com carinho, estava esperando por ele. Ouvindo seu novo álbum fui entendendo as razões da minha simpatia e admiração particular pela sua obra. O artista mantinha, com sólida coerência, ainda que com vigor arrefecido, seu discurso amoroso, sua verve crítica e as melodias sentimentais daqueles que cantam colocando o coração pela boca.

Colocar o coração pela boca, se doar inteiro na poesia, como se cada canção fosse uma espécie de retiro espiritual. É, talvez fosse esse o motivo, me veio agora com o reencontro e com o peso das idéias amadurecidas, que me fez gostar de Kleber Albuquerque. Só o Amor Constrói não é o seu melhor trabalho. Discos mais intensos como 17.777.700(1997) e Para a Inveja dos Tristes(2000) continham músicas inspiradas que me faziam assobiá-las entre o cafezinho do fim de tarde e a montanha de serviço que me aguardava na noite que se avizinhava. Mas, o álbum traz de volta o velho Kleber de guerra, sincero como sempre e capaz, como sempre, de construir canções tão doces quanto incisivas.

O universo radical e emotivo que move Kleber Albuquerque vem à tona em pelo menos três músicas que figuram entre as melhores que já produziu. Esse radicalismo está na valorização da família e da ancestralidade refletida “nos olhos do pai de meu pai e nos olhos da mãe da primeira mãe” em “Geração”, de melodia triste e bonita. Está nas imagens da infância recuperadas em atos cotidianos descritos em “Calafrio”, que conta com a participação de Renato Braz, uma das melhores vozes masculinas da MPB atualmente. As notas vermelhas no boletim, o prazer de brincar no quintal, imagens que navegam numa sonoridade que lembra a telúrica poética musical do Clube de Esquina de Milton Nascimento e seus parceiros mineiros.

O terceiro achado de Kleber Albuquerque é “Por um Triz”, na qual se vislumbra uma velha prática do artista, que é a de explorar com propriedade a riqueza melódica e vocabular de nossa língua mátria. Junta uma canção de melodia cativante, beirando a melancolia, a uma letra de viés concretista. Bom poeta, nos prende quando canta o lamento daquele que constata que “o triste é que pra ser feliz foi por um triz”. Todas as músicas, com arranjos caprichados, no qual se sobrassaem um bandolim e uma sanfona arrepiantes, ficaram a cargo da excelente Miniorkestra de Polkapunk (André Bedurê, Estevan Sinkovitz, Gustavo Souza, Paulo Souza), que dividem a assinatura, com muito justiça, deste Só o Amor Constrói.

A coerência de Kleber Albuquerque está ainda nas suas criações pops, que tentam envolver o ouvinte com uma temática leve, sem perder a inteligência jamais, e que revelam o lado mais lúdico do artista. É o caso de “Só o amor Constrói”, onde cita Che Guevara em meio a uma levada brega, com seu típico tecladinho de churrascaria. Chega mais perto do radiofônico na pegajosa “Teve”(em parceria com Zeca Baleiro), uma crítica ferina a TV e seus apelos comerciais em ritmo de reggae. Mas acerta mão mesmo, nessa busca do equilíbrio entre o pop e o definitivo, em "Logradouro", com melodia intensa e refrão delicioso: “Você verá, eu vou ser feliz de dar dó/ Vou rir até desaprumar as parabólicas”.

No mais há derrapadas, como sempre, a exemplo do rockabilly “Sete Faces”(yeah, o rock faz parte da cartilha musical do compositor) e da versão acelerada, na onda do ska, para “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto. Nada porém que afete essa minha inabalável fé na ternura que escorre pelas linhas e entrelinhas das canções de Kleber Albuquerque. Muita gente pode achá-lo chato e meloso. E até dizer que ele tem uma vozinha lá não muito convidativa (e aí, até concordo). Mas, esse mistério do gostar hoje em mim, pelo menos no caso desse artista de vozinha pouca, está bem resolvido. É na sinceridade desse Só o Amor Constrói que quero me espelhar. Ouça o disco. Ame-o ou deixe-o, mas se permita.

Cotação: 4

O elo para esse disco amoroso:

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sábado, 14 de novembro de 2009

Saudade do Strokes

Quando minha memória pousa no já quase longínquo ano de 2001, ela é invadida pela imagem de um puta álbum que marcou época. Is This It desembarcou no planeta arrasando quarteirão, embasbacando a crítica e tomando de assalto o cérebro da moçada cheia de expectativa com relação a música que poderia surgir com o novo século. Quem me apresentou esse grande Strokes foi um sobrinho, de ouvido esperto, que tem o saudável vício do rock and roll correndo forte no sangue. A banda novaiorquina nunca faria nada tão bom. Depois dele vieram o bacana Room on Fire(2003) e o bem mais ou menos First Impressions of Earth (2005). Daí a compreensível expectativa, quatro anos depois do último trabalho, em torno do recém lançado disco solo do vocalista Julian Casablancas.

Mas, a meu ver, não é com o primeiro álbum de Casablancas que vamos matar saudades dessa que foi uma das bandas mais legais de rock que surgiram nesta década. É claro que os fãs do grupo esperavam do vocalista um revival das canções pegajosas e vibrantes que ele ajudou a criar. Contudo, Phrazes for the Young(2009) é uma investida musical acabrunhante do carinha e não apenas por se distanciar em sua proposta dos Strokes. A sensação é de um disco desigual, sem norte, uma tentativa vã de Casablancas de criar uma identidade musical própria. Mas o que ficou em mim foi um gosto azedo na boca e a expectativa, reforçada agora, da propalada volta da saudosa banda com um novo disco para 2010, desses que deixem, desculpe a utopia, Is This It no chinelo.

Casablancas parece ter querido apostar em Phrazes for the Young num Synth pop com ares oitentistas. Quem ouve a pouca inspirada “Glass”, uma baladinha em que o teclado insistente e sacal torna a música cansativa, e a pop e descartável “11th Dimension”, até toma um susto. Afinal, o vocalista e compositor tem muito mais poder de fogo do que o mostrado nessas duas bobagens. Mas, há vida inteligente no álbum, principalmente quando a guitarra resolve dar um chega pra lá na tecladeira e toma conta da situação. “Out of the Blue”, a melhor e o que há de mais próximo de Strokes(olha a choradeira de novo...) no disco, é canção que pega de jeito o ouvinte com sua batida seca e hipnótica de bateria e a guitarra pontuando a melodia. Inspirada e animadinha de toda.

A guitarra manda muito bem também na bonita “Tourist” e naquela que considero a música mais emblemática do trabalho, “River of Breaklights”, os outros dois lampejos criativos do trabalho. A primeira tem um solo de guitarra marcante, arranjo inteligente e uma cadenciada e interessante melodia. Barulhenta e inquieta, a segunda, por sua vez, tem uma sonoridade um pouco estranha, com direito a teclado atonal no meio de toda aquela intensidade imposta por Casablancas. Mas, a estranheza é realinhada na hora que entra o cativante refrão. E aqui, vemos a luz própria, aquela que ele quis acender sem muita objetividade, do compositor. Aqui, ele deu a deixa de que pode ousar. Mas, esse vigor e ousadia infelizmente não se repetem em boa parte das composições.

Pelos insights, Phrazes for the Young não é um disco de se jogar fora. Mas, não corresponde a expectativa gerada por um compositor que, afinal, demorou para se mostrar em um trabalho solo. Julian Casablancas fica devendo um trabalho verdadeiramente consistente para os fãs que ele, e a culpa é toda dele e seus parceiros de Strokes, acostumou mal. E, no fundo, a gente sabe que essa álbum, mais cedo ou mais tarde, virá.

Cotação: 3

Control C control V para Casablancas:

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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Beijo derramado

Ney Matogrosso é muito macho. Que me desculpe o Romário, mas Ney é o cara! Ao contrário de muitos medrosos que fogem das inevitáveis comparações na hora da escolha de um repertório, ele as encara do alto da serenidade que o talento lhe deu. E mais, desafiando afinado o tempo e limites em seus quase e bem vividos 70 anos. Em Beijo Bandido(2009), o cara retoma a MPB mais classuda, depois do investimento em um disco mais rocker, o superestimado Inclassificáveis(2008). E o faz sob a égide da paixão. Derramado e sensível, seu último trabalho é, quase todo ele, uma ode ao amor alinhavada por uma seleção competente de canções que atravessam gerações.

Não resisti, depois de ouvir algumas vezes a Beijo Bandido, a resenhar o álbum a partir da comparação de interpretações do repertório eclético selecionado por Ney Matogrosso. Fui motivado por uma lista de composições que ganharam notoriedade nas vozes de outros ases da Música Popular Brasileira. A começar por “Tango para Tereza”, clássica dor de cotovelo assinada por Evaldo Gouveia e Jair Amorim, e que fez sucesso na voz da grande Ângela Maria. Ney realinha, melhora a canção, enxugando os excessos da Sapoti, carinhoso apelido da cantora, mas mantendo a dramaticidade da letra e melodia, num tom acima ao da maioria das interpretações do disco, aproximando-a de sua essência de cabaré.

Em vários momentos, Ney Matogrosso se arrisca a interpretações mais ousadas e acerta a mão, presenteando o ouvinte com momentos sublimes. Em alguns, o cantor suplanta a ele próprio. Supera-se, por exemplo, na versão mais cadenciada de "Segredo"(Herivelton Martins/Marino Pinto), valorizando a sensualidade desse outro grande clássico, em detrimento da malícia que impôs a mesma música presente no maravilhoso O Pescador de Pérolas(1987). Em outros, nivela sua performance aquelas consagradas, caso da arrepiante “Medo de Amar”, uma das obras-primas de Vinícius de Morais(aquela que diz, depois de uma irretocável declaração de amor, que “o ciúme é o perfume do amor”), eternizada com maestria, entre outras, por Nana Caymmi. Ele mantem a intensidade da baiana num arranjo que começa suave, no solo com um piano tocante, para crescer em direção a um samba canção doído como a letra.

Duas outras interpretações revelam um Ney soberano. Até porque, as boas canções não haviam ganho, até onde vai meu conhecimento, defesas a altura de sua força e beleza. Exemplo de “Bicho de Sete Cabeças II”(Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha). A versão mais conhecida é a de Geraldo Azevedo, que até empresta dignidade a sua criação. Mas, Ney Matogrosso, amparado em um arranjo que transforma a música num quase chorinho, agiganta a nervosa composição dando-lhe ainda mais ritmo e impacto. A outra é “Invento”, do ótimo Vitor Ramil, gaúcho talentoso que precisa ser descoberto pela maioria dos brasileiros, cantada em Beijo Bandido, título tirado da música, com uma ternura que reforça as aveludadas letra e poesia.

Existem momentos, contudo, em que Ney perde a contenda. Casos de "A Bela e a Fera"(Chico Buarque e Edu Lobo, cantada com extremo vigor, não alcançado por Ney, por Tim Maia, e de “Fascinação”. Mas, é difícil, diria quase impossível, superar a interpretação da fantástica Elis Regina, para a versão de Armando Louzada e Dante Marchetti daquele clássico norte-americano. Ainda que, o artista tenha chegado muito perto da pimentinha com sua interpretação para "As Aparência Enganam"(Tunai/Sérgio Natureza), no disco de 19 que leva o título da música. Mas, ainda assim, sua "Fascinação" também emociona, enriquecida pelo lindo arranjo e pela bela introdução ao piano.

Ney acrescenta, porém, pouco a outras canções, como “Nada por Mim”(Herbert Viana/Paula Toller)”, que contrasta com a sensualidade imposta por Marina Lima, “Mulher sem Razão” ( Cazuza, Bebel Gilberto e Dé Palmeira), que tem na voz de Adriana Calcanhoto uma versão mais sincera, e “A Distância”(Roberto/Erasmo Carlos), insuperável na voz do rei e que ganhou de Ney uma interpretação burocrática. De qualquer forma, mesmo sem estar muito inspirado nesses momentos, o ex-Secos e Molhados, fez um álbum maduro (impossível ser diferente, para quem demonstrou uma imensa coerência em sua carreira) e que pode figurar com honra em sua longeva discografia. Uma obra para ser ouvida em horas tranqüilas e que leva a assinatura firme de um cara com muito a ensinar a todos nós. Longa vida a Ney.

Cotação: 4

Aceite esse beijo bandido:

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sábado, 7 de novembro de 2009

De volta pro aconchego

A bola no gol e o eco do grito de dezenas de torcedores ribombando embaixo da mangueira alheia a tudo. A velha e solene mangueira no barzinho sujinho e repleto de gente de preto e branco e uma cruz de malta brilhando no peito trêmulo de orgulho. O impávido gol ateando fogo na paixão. Gente que nunca se viu se abraçando como se todos fossem conhecidos de longa data. Que engraçado, né? Que mágica doce. Futebol é isso. Essa magia besta e cotidiana que acontece no instante em que a danadinha resolve rir do goleiro e estaciona ali entre as traves, estática, alheia como a mangueira. Sábado, sete de novembro de 2009 e o Vasco, ou melhor, enchendo o peito com todo o oxigênio que me é possível, o Vascão reocupa seu lugar no olimpo do futebol brasileiro.

Nunca joguei futebol. Nunca quis. Sou perna de pau, mas gosto de assistir a uma partida bem jogada. Assisti a vitória do Vasco sobre o Juventude por 2 a 1 no bar sujinho que não tem nome, do Adilton, um cearense pançudo, simpático e completamente despreparado para administrar um estabelecimento daquele tipo. Bar ao deus dará. Mas, Vascaíno convicto, teve a competência para juntar apaixonados como ele. E foi essa gente, uniformizada como que para um desfile, que foi se juntando no quintal da mangueira alheia, ocupando cada metro com sua palpável e densa expectativa de ver o time do coração voltar a série A do campeonato de futebol nacional mais visceral e sanguíneo do planeta. Chão de terra batida, a cerveja solta e olhos ávidos grudados na tela da televisão em completa sinergia, uma comunhão potente, eclesiástica. Uma missa e uma missão.

A missão, cumprida. Teve lágrimas nos olhos. Marmanjos chorando de emoção sob os olhos incrédulos dos pequenos filhos, fardados como o pai, alheios ao impacto da vitória rasgando o peito daquele cara tão menino. Que engraçado. Que mágica pura. Teve riso solto, buzinas alucinadas em carros alheios a tamanha alegria. A alegria da recompensa depois da sofrida tragédia, com todos os elementos da gênese grega, de ter sido rebaixado. Rebaixado. Que palavra feia. Agourenta. Agora, a remissão. Que palavra bonita. Vasco fênix, afastando uma doída tristeza do passado. E depois do final, a partida acabada depois do fim no bar sujinho sem nome, nem havia mais a televisão, aquele aparelho anguloso que sugou toda a nossa atenção por ansiosos 90 minutos. Havia a felicidade. E ela nos bastou. A cruz de malta avermelhada, cor de sangue, impressa nos corações acelerados pode enfim dormir, na noite de sete de novembro de 2009, em paz.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Tarantino vai a guerra

Uma longa e tensa conversa se forma. Dois homens sentados em uma sala em posições antagônicas: o algoz e o benfeitor. A raposa e o coelho. O cenário, uma fazenda francesa em pleno auge da ocupação nazista. O diálogo habilmente construído revela um vilão arguto arrancando com extrema frieza aquilo que pretendia ouvir do interlocutor. O final da conversa é dramático e termina em carnificina para o horror de quem acompanha aquela espécie de pesadelo. Parece até cena de algum faroeste, corroborada inclusive por uma trilha que lembra um trabalho do diretor italiano Sergio Leone, mas é na verdade um filme de guerra, assinado pelo cultuado Quentin Tarantino. Estou falando de Bastardos Inglórios(2009), uma investida alucinada desse cineasta num gênero que há muito não trazia qualquer surpresa aos amantes da sétima arte.

É bom salientar, de antemão, que Bastardos Inglórios não é um Tarantino(o figura sentado ao lado da loiraça na foto abaixo) absoluto. Em alguns momentos até, o longa-metragem navega tranqüilo na tradição, no convencional, como se pilotado por um desses cineastas norte-americanos medianos comprometidos apenas com a bilheteria. Mas, há elementos de sobra no transcorrer da história que deixam claro que a obra em questão tem um algo a mais, diferenciais com uma reconhecível e valorizada assinatura. Estão lá, como em Kill Bill e Pulp Fiction, as referências ao admirável mundo pop que fez a cabeça de milhões de simples mortais, desde a atmosfera do western spaghetti, a praia em que reinou Leone, até as intervenções musicais a princípio desconectadas com o tempo real da ação, mas que casam perfeitamente com a cena.

A trama é quadrinhesca, mais uma característica das obras do diretor. O filme é dividido em vários capítulos, habitados por personagens que beiram a caricatura e têm perfis bem definidos. Os bastardos do título são uma trupe de cruéis vingadores, uma espécie de polícia secreta norte-americana, formada para matar qualquer nazista que aparecesse pela frente. Liderando os inglórios está Aldo Apache, vivido por um farsesco Brad Pitt, o boi de piranha da produção para angariar público. A macabra ordem dada pelo chefe aos comandados é a de que cada um precisa reunir 100 escalpos dos soldados de Hitler. A história paralela traz a tona uma rancorosa judia Shosanna (Mélanie Laurente), traumatizada pela chacina da família e que encontra, anos depois, a perfeita oportunidade de se vingar dos impiedosos nazistas, incluindo aqui Adolf Hitler. É esse ápice também o momento do crossover de todos os personagens.

O fio condutor, espertíssimo, dessas duas tramas é exatamente o vilão mor do filme, um misto de detetive e matador de judeus, interpretado com maestria pelo excelente Christoph Waltz. Ele vive Hans Landa, um homem inescrupuloso e desalmado que interage acidamente com todos os mocinhos, se é que podemos chamá-los assim, de Bastardos Inglórios. Landa é o emblema do longa-metragem de Tarantino, no qual a ética e a benevolência são substituídas pelo cinismo e pelo desamor. Até a possibilidade de um romance, entre Shosanna e um soldado e candidato a ator nazista, vivido por Daniel Bruhl, é atropelada pela violência e sede de vingança. Ninguém é bonzinho no filme. No final, todos têm culpa, todos são um bando de bastardos sem a mínima glória.

Apesar das motivações objetivas e secas que levam todos a matar, a violência na fita é surpreendentemente arrefecida. Não se vê aqui aquele vale de sangue produzido fartamente nos outros filmes de Quentin Tarantino. O interessante é que o autor parece se focar mais na tensão e no suspense para contar uma história bem objetiva. O diálogo inicial, descrito rapidamente no início dessa resenha, é extremamente feliz. Assim também como nos encontros de Landa com Brad Pitt, um deles hilário, momento em que o bonitão, disfarçado de italiano, imita o Marlon Brandon lacônico de O Poderoso Chefão, obra-prima de Francis Ford Coppola.

A precisão do texto se junta às referências pops impressas pelo cineasta. A já citada linguagem das HQs sentida na arquitetura dos personagens, a homenagem ao compositor Ennio Morricone, a sublime inclusão de um David Bowie pouco conhecido cantando "Cat People(Putting out Fire)", resgatada do filme A Marca da Pantera, de Paul Schrader , no momento em que Shoshanna vizualiza seu plano incendiário, a divisão em capítulos e as inserções de tipias bem setentistas para identificar os bastardos... Toda essa reciclagem, a qual os fãs do diretor já se acostumaram, dá um toque novo, inesperado e moderno a esse filme de guerra, segmento que poucos têm coragem de incursionar e ousar. O despachado Tarantino entrou nessa seara e mostrou que pode dar uma saudável sacudida no gênero. Claro que do seu jeito autoral e mesmo sem o vigor cinematográfico que impôs no clássico Cães de Aluguel e Pulp Fiction, para mim ainda seus melhores trabalhos. De qualquer forma, Bastardos Inglórios é um filme acima da média, um programão para quem quer diversão criativa e inteligente.

Cotação: 4

Sinta o poder dos bastardos:

http://www.youtube.com/watch?v=v4ug2PGniMM

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Faltando um pedaço

Sabe quando um disco começa e termina bem, mas o miolo é cheio de altos e baixos e recheado de inconsistência. Pois é, essa foi a minha sensação depois de ouvir algumas vezes A Brief History of Love(2009), o álbum de estréia do The Big Pink, uma das bandas londrinas mais comentadas e elogiadas pela crítica da Inglaterra este ano. Uma aposta, aliás, do bacanudo selo 4AD. Mas, essa coisa de hype, de banda da moda, é mesmo um saco. Você, de tanto ouvir falar, acaba querendo entender, mesmo desconfiado, o porque do falatório. Acaba criando uma expectativa e quando ouve, em muitos casos, como esse, fica com aquele gosto travado na boca, sentimento de meio gozo, de incompleitude.

The Big Pink é um duo vindo da capital inglesa formado pelo vocalista Robbie Furze e pelo tecladista Milo Cordell. Fazem, para alguns comentaristas, um misto de shoegaze com noise industrial. Acho a classificação chula e imprecisa. Para mim, os dois tentam algo na linha do rock industrial, com influências do indie rock dos anos 90, sem focar num gênero específico. Tentam assim algo novo? Não, são simplesmente confusos. Falta equilíbrio e o que se vê são dois caras perdidos entre fazer um pop mais acessível e um som pretensiosamente cabeça, com excesso de microfonia e programação eletrônica barulhenta.

A Brief History of Love é um disco meia boca. Ele até começa bem com a bacana “Crystal Visions”, com um bom refrão e mudança empolgante no andamento da música, saindo do arranjo contemplativo e minimalista para um noise amparada principalmente na guitarra. Já na música seguinte, começa a se desenhar a frustração com uma cansativa carga de distorção que fazem de “Too Young to Love” uma música calculadamente cerebral e moderna. Não pega. Tentam novamente o mesmo caminho em outras composições como a instável “Velvet” e a sem graça e melosa “Golden Pendulum”, que jogam o disco para baixo.

Talvez o que o duo gostaria mesmo era de ser mais popezinhos e diretos(assim como suas letras românticas), sem frescuras na onipresente programação eletrônica. É o que demonstram nas mais degustáveis e sinceras, "Dominos", de melodia fácil, assobiável e que até se aproxima do shoegaze e as mais dançantes “Frisk”, com Robbie Furze cantando num estilo meio rapper, e o eletrorock “Tonight”, feito claramente para as pistas. A última canção do CD, a balada “Count Backwards from Ten”, deixa claro ainda que Furze e Cordell podem criar melodias poderosas, fechando o disco com a esperança de que o próximo trabalho seja mais contundente e corresponda a todo o barulho que fizeram em torno deles.

Por enquanto, o que temos é uma banda mediana, ajudada por uma ótima produção (repare na mixagem e limpeza do som, apesar do noise e suas guitarra e tecladeira sujas), tentando entrar para o hall da fama pela porta da frente. Deram de cara, a meu ver, apenas com a porta dos fundos. Talvez A Brief History of Love apareça em alguma das listas de melhores do ano. De antemão, devo torcer o nariz, mas vou receber o próximo trabalho da dupla de coração aberto, esperando o convencimento. Adoraria, com toda sinceridade, que isso acontecesse, Afinal, som bom é sempre bem vindo.

Cotação: 3

Os rosadões a seu dispor:

http://sharebee.com/eec34d98

ou

http://www.filestube.com/6f73f3036fe323e203ea/go.html

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Meu mundo caiu

No dia internacional da animação, comemorado todo santo dia 28 de outubro, resolvi fazer jus a essa maravilhosa arte e fui, animado é claro, ao cinema. Escolhi para assistir a 9, A Salvação, estréia em desenho de longa duração do norte-americano Shane Acker. Fui sem muitas expectativas, apesar da grife Tim Burton impressa no cartaz. Sai da sala certo de que o desembolso do valor da entrada tinha valido a pena, mas com o espírito contrário ao que tinha entrado: carregado, ensimesmado, com a certeza de que esse é o tipo filme inapropriado para menores de 16 anos, uma criação sombria a aterradora feita para adultos.

9, A Salvação foi produzido por Tim Burton, criador talentoso dos também acinzentados e excepcionais A Noiva Cadáver e Sweeney Tood, só para citar seus trabalhos mais recentes e tenebrosos. A inclinação para o macabro, para uma estética explicitamente dark desse cultuado diretor está refletida no filme de Acker. Aliás, foi Burton, encantado com o que viu, quem resolveu desafiar esse cara a transformar o seu inspirado curta-metragem 9, indicado ao Oscar de animação em 2005, num longa.

O produto final bem que poderia ter a assinatura do desafiante, que sugeriu a utilização de dois de seus mais caros colaboradores, Pamela Pettler, co-roteirista de 9, A Salvação, que havia trabalhado antes em A Noiva Cadáver, e Danny Elfman (do falecido grupo Oingo Boingo), trilheiro de praticamente todos os seus mais impactantes filmes. O que se vê é uma animação sombria, opressora, com poucas cores e que reflete organicamente o universo pós-apocalíptico em que se inserem os inesperados personagens, bonecos de pano, misto de máquinas e ser humano, que buscam um lugar ao sol.

Na história, 9 é um desses bonecos que ganha vida em um laboratório de um cientista. Ele descobre que está no planeta terra depois que máquinas e homens se digladiaram até a morte. Logo, junta-se a acuados congêneres seus, saídos da sombra, que optam pela luta de guerrilha para poderem sobreviver. Anti-belicista este longa de animação não se cerca de altruísmo, como o também em cartaz Up-Altas Aventuras, mas carrega nas tintas em sua crítica à ganância e a irracionalidade da humanidade, que se auto-destrói em nome do poder e do ego. Acerta na mensagem. Deixa o coração apertado e, mais importante, faz refletir, papel que o cinema deveria exercer com mais assiduidade.

O roteiro inteligente não dá margem a choro nem vela. Muito menos ao humor. Só um ou dois diálogos permitem o sorriso, tímido, do espectador. Ameaçados pelo vilão feito de parafusos, fios e maldade, 9 e seus amigos não tem muito tempo para fazer graça ou para emprenhar uma relação afetiva, mas só para se esquivar e, por fim, a muito custo, partir para o ataque redentor. O final, engenhoso e com alto teor poético, surpreende. Não é exatamente um final feliz, mas abre a porta da esperança para um planeta mostrado apenas como uma triste e grande praça de guerra.

Esse mundo destruído, os personagens esteticamente simples, pálidos e sem graça, não geram, claro, grande simpatia, mas são soberbamente construídos. A computação é primorosa, mesmo tendo contra si a utilização de poucas cores, praticamente o preto e o marrom e seus semitons. A trilha de Danny Elfman acentua a atmosfera carregada e as vozes de Elijah Wood, como 9, John C. Reilly, Jennifer Connelly, Christopher Plummer, Crispin Glover, Fred Tatasciore e Martin Landau... bem, dessas não posso falar já que, infelizmente, em Boa Vista só tive acesso à versão dublada do filme. De qualquer forma, mesmo sem ser uma obra-prima, 9, A Salvação, é recomendável para nossa educação sentimental e para quem curte animação inteligente e de bom gosto. Deixe-se surpreender.

Cotação: 3

Vai aí um aperitivo?

http://www.filminfocus.com/video/9___teaser_trailer

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ousadia desfraldada

Escolher um disco de um grupo como The Flaming Lips para resenhar deve, ou pelo menos deveria, provocar um certo temor em quem encara o desafio. Comigo foi assim. Me benzi e pedi a ajuda de santos e orixás do alto clero, aqueles mais bem cotados no olimpo das entidades, antes da árdua tarefa. Escarafunchar o som esquizofrênico e ousado desses caubóis de Oklahoma é assustador. Perder-se na dissonância das composições para se achar depois, aturdido, na proposta musical ensandecida dessa galera configura-se, porém, em um prazer maiúsculo, um duelo enriquecedor.

A nada surpreendente coragem de ousar se faz presente desfraldada no último trabalho do Flaming Lips, Embryonic(2009), um retorno a sonoridade tortuosa e altamente experimental de discos difíceis da banda como Zaireeka (1997), esse Ulisses do rock, e o assombroso Hit to Death In the Future Head (1992). Os caras têm cancha para fazer suas transcendentais experimentações. São 26 anos de estrada em que oscilam entre trabalhos digamos mais pops, no sentido mais estrito da palavra, e muitas loucuras. Quando resolvem enveredar por esta última linha, os norte-americanos o fazem sem dó nem piedade. E aí precisamos de disciplina e disposição para tentar entender as viagens que a banda empreende.

Embryonic é complexo como a dor da perda. Tipo do trabalho, perdão pelo chavão, ao qual você ama ou odeia. A intrincada sonoridade onde aos instrumentos parecem ricochetear cada um para um lado, atarantados como uma multidão quando ouve tiros, acompanha praticamente todas as músicas. Já em “Convinced on the Hex”, a primeirona, guitarra e baixo desencontrados com a melodia deixam o ouvinte perplexo, tentando costurar as sílabas musicais dessa espécie de rock do crioulo doido que seduz pela complexidade da equação. Enveredam aqui e na experiência seguinte, a ótima "The Sparrow Looks Up at the Machine" num gênero que poderíamos chamar de krautrock ou acidrock, como já tentaram segmentar alguns.

O melhor mesmo é não buscar encontrar qualquer segmentação no que o grupo faz. The Flaming Lips produz aqui um som um tanto inclassificável, onde você pesca, aqui e ali, algumas referências de gêneros ou bandas que se tornaram marcos na história musical da humanidade. É possível perceber ecos distantes de blues e lisergia em duas das melhores músicas do disco, “Your Bats” e “Worm Mountain”, essa última contando com a participação, dispensável até, do superestimado MGMT. Há traços de psicodelia, talvez o mais comum em todo o disco, e rock progressivo, da fase Ummagumma de Pink Floyd, e guitarras hard rock ledzepellinianas na decentíssima “See The Leaves”.

Há ainda música que parece música, como a bela e terna, apesar do nome, “Evil” e “Watching the Planets”, com a parceria da musa do eletro-rock Karen O (Yeah Yeah Yeahs), que participa em vários outros momentos do CD . E também algumas composições que não parecem seguir qualquer norte musical, avacalhando notas e estilhaçando instrumentos. São o caso da espacial “Virgo Self-Esteem Broadcast” e das chatíssimas "Scorpio Sword", uma esquálida viagem instrumental, e da incompreensível “The Impulse”, com overdose de vocoder, que poderiam muito bem estar fora do disco. É que, certa hora, entre as 18 músicas apresentadas e 79 músicas de pura experimentação, você acaba se cansando.

Wayne Coyne, vocalista e cidadão instigado da banda, quis fazer um impiedoso álbum duplo. Parece ter pretendido debulhar de uma só vez todas as suas fantasmagorias e esquisitices sonoras. Embryonic é, sem sombra de dúvida, um trabalho potente e de grande fôlego. Mas, recomendo, apenas para escutar nas horas mais vagas e descansadas. Não se assemelha a nada do que é feito hoje em dia, mas, quer saber, eu gostei muito. Porque, no fim de tudo, apesar dos pequenos deslizes, você tem a certeza de que participou de uma experiência fascinante e provocadora. Por isso, amigas e amigos, embarquem de peito aberto nessa viagem enriquecedora.

Cotação: 4

Encare a fera de frente:

http://depositfiles.com/pt/files/ntphzzp18

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conto erótico numa noite de senões

Foi um gozo e tanto. O fim de uma briga e desencontros que começou com o crepúsculo, num bar beiradeiro e fétido, de garçom cheirando a pinga, única testemunha desinteressada de um romance febril e repleto de interrogações. Nós dois discutindo o que é o amor, tentando entender a língua estranha um do outro, procurando legendas para as frases desconexas e ininteligíveis que saíam das bocas mergulhadas em cerveja quente. O desejo havia e pairava e cobrava a cama quente. Não antes de todo aquele tesão resguardado e adormecido por uma disputa infantil na qual éramos gato e rato numa luta sem vencedores, dois estúpidos animais.

Eu a amava e achava que ela tinha que me amar. Dever absoluto. Resposta esperada com fervor a uma ação intensa que bulia incansavelmente com todas as minhas células e minha combalida razão. Assim como um liquidificador que estilhaça a maça em milhões de pedaçinhos, eu por dentro, intranqüilo sem saber se toda aquela ebulição também morava nela. E ela, uma esfinge, intransponível em todos os movimentos, nos olhos sempre fugidios, que teimavam em alcançar os pedintes meus. Se ela dizia sim, eu entendia não. Se tudo ok, mais ou menos. Se queria sexo, cobrava, no fim, carinho. Se carinho, crueza de sentimentos. Poço de inconsistência diante de minha alma completamente aturdida por um turbilhão de dúvidas, afogada na nulidade homicida dela.

Naquele início de noite, no bar malcheiroso, ela pairava irritante ora respondendo com sua mudez ensurdecedora, ora matraqueando em seu intraduzível dialeto africano.

– Você me ama? – Perguntei penitente já sabendo que o troco viria em duas cédulas de sete reais e cinqüenta centavos.
- Porque você sempre me pergunta isso? – Despejava ela, com uma seriedade artificial, deixando tudo abissalmente por isso mesmo. Vácuo profundo.

Idiota, pensava comigo mesmo. Nem ser chamada de idiota ela merecia, aquela vaca, me indispunha, depois, em segredo. Me sentia como um velho garimpeiro, escanhoando com teimosia a pedra dura com um minúsculo canivete atrás de um diamante inexistente, um brilhante que antigas ambições já haviam consumido. Nada havia por debaixo daquela pedra. Nada havia dentro daquele gélido e embaçado coração ali na minha frente, que parecia caçoar insolente de minha raiva. Queria demonstrar desinteresse, ela, como se estivesse fazendo um favor a mim, fustigando cruelmente minha angústia. Sua majestade brincando, para fugir do tédio, com o pobre vassalo. Idiota sou eu, pensava por fim, depois de tanto murro em ponta de faca. Pobre vassalo idiota.

Durante cinco vezes, ela sorriu alto confirmando minha rendição construída dolorosamente, minuto a minuto, naquele ringue biafra. Soberana, ela saiu arrastando seu orgulho e sua insensibilidade, derrubando mesas e copos americanos, chamando a atenção do garçom, comparsa involuntário daquela noite de implacável incomunicabilidade. Eu feito cão sarnento sem dono a segui, dona da situação, equilibrando ódio e fúria domada, no rastro de suas pernas lindamente torneadas por um jeans azul escuro. Ela disse não para a sugestão de minha casa. Entendi como um sim. Fomos direto para minha cama desalinhada.

Outra longa disputa estava pronta para ser travada. Eu, já lanhado, arregimentei forças, amparado dessa vez pelo surdo desejo de tê-la, se não cúmplice de meu amor, pelo menos refém de meus instintos. Briga sem palavras, feita da troca de suor, de uma pele esquadrinhando a outra. Ela, em sua resistência provocadora, esquivava-se resoluta, malandra, de minhas investidas vorazes. Molhada, escorregadia, fingindo espanto e estupor. Como uma virgem temerosa diante do sacrifício. Puta, ela. Talvez quisesse eu, em minha sanha, compensar a frieza polar dos sentimentos dela dando, com todas minhas forças, um choque inesperado e intenso de prazer que talvez a acordasse, que talvez a fizesse ver que o sexo, o sexo puro, era um elogio de minha paixão.

E ele, o sexo, foi se fazendo devagarzinho naquela guerra santa. O desejo desamarrado depois de duas horas de heróica batalha se impôs com seu vigor desenraizado. As pernas dela, antes anteparos, escudos de poderosa liga, dançaram depois em minha direção num balé bêbado. A resistência foi se desfazendo diante da minha imperturbável e quase disciplinada insistência. Meu pau duro riscou suas coxas desenhando paisagens do paraíso, beijando a vontade da moça, ela, enfim, rendida. A buceta dela aberta em todo seu esplendor segredava juras de amor que a dona recusava-se a dizer. A boca, a outra, em direção ao meu ouvido, lambido e displicente, sussurrou então a frase, mínima frase. Dita soletrada com o ardor dos deuses. – Te amo. Foi um gozo e tanto.

Todas as obras de Rubens Gerchman(1942-2008), artista que pintou toda a sensualidade do beijo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eles estão certos

A voz doce e firme de Lisa Von Billerbeck é como um chamado irrecusável à navegação em mares brandos diante de um pôr de sol que tudo pereniza. Foi assim que me senti - do alto de minha pachorra, headphone no ouvido e os pés riscando o Rio Branco no domingo de vento amigo numa calorenta Boa Vista - logo depois da primeira audição do álbum no qual impera a voz da moça de cabelo curtinho da foto aí de cima. As canções folks e acústicas da banda alemão I Might be Wrong em seu segundo trabalho, Circle the Yes(2009), me provocaram um certo niilismo, uma vontade de se abandonar diante da leveza pop e melódica do grupo. É como se repente Lisa fosse uma Elizabeth Fraser, da psicodélica e inesquecível Cocteau Twins, teletransportada para os anos 2000 em ataques de franca alegria.

Circle the Yes é um álbum de pura suavidade e pouca gravidade. Lisa Billerbeck flutua soberana nas canções, domando com destreza as guitarras acústicas, quase sempre dedilhadas, e o baixo e bateria discretos que amplificam ainda mais o clima de delicadeza do CD. A vocalista é a grande força motriz de toda essa história.“A Propos” tem, por exemplo, a pegada cool que me fez lembrar, voltando novamente a década de 80 do século passado, o exercício jazzy dos ingleses do Style Council. “A Penny for Your Thoughts” tem construção melódica precisa, arrematada por um belo piano. A mais animada “Jalopy” com sua guitarra meio “oitentista” mostra que os berlinenses têm instrumentos afiados e coerência na proposta musical que arranha o psicodelismo e abraça forte o dream pop, gênero marcado pela atmosfera solar.

Acredito que muitos vão achar o disco da banda alemã cansativo, até meio chato. Talvez porque o álbum é irritantemente coerente e homogêneo em seu conceito de fazer um som açucarado e melodioso, sem reviravoltas, microfonias ou invencionices. Mas, nem de longe Circle the Yes chega a ser enjoativo. Dentro de sua homogeneidade há variações – sutis ou até mesmo mais escancaradas – que podem ser sentidas, dependendo, é claro, da boa vontade e da cultura musical do ouvinte. Em “Checov”, por exemplo, uma linda introdução de guitarra convida Lisa para uma canção quase falada, sensual e provocativa. “Salomon”, para mim uma das melhores do disco, dosa tristeza e energia vital com equilíbrio, deixando aquela sensação que nos propicia a mistura excitante do doce e salgado na boca.

Li em algum lugar, não lembro onde exatamente, o texto de alguém buscando uma comparação entre o som da banda alemã e os experimentos sonoros do aclamado Radiohead, que compôs a música “I Might be Wrong”. A marcante música de Thom Yorke pode até ter sido a inspiração para o nome do grupo de Berlin e sugere a tentativa de aproximações, mas não há muitas intersecções entre um e outro. “Woodpecker” com sua bateria dura em contraste com a guitarra mais sinuosa pode até sugerir alguma semelhança entre os dois. Mas, Circle The Yes é um trabalho calcado na linda voz de Lisa Von Billerbeck e em um instrumental menos barroco e complexo, amparado basicamente na leveza e em melodias mais diretas. Nesse sentido, a banda sabe ser objetiva e faz bem seu dever de casa.

Cotação: 4

Confira se estou certo em minha avaliação:

http://www.easy-share.com/1908072028/I

sábado, 17 de outubro de 2009

Te vejo flores em você

Sempre defendi a tese de que a gentileza é um dos grandes remédios para curar os males desse nosso castigado mundo. O velho e amigo “bom dia” jogando o tapete vermelho para o sorriso cordial da pessoa do outro lado, o pedido de desculpas na hora certa, desarmando rancores e raivas gratuitas, o “como vai você?” dito com sincero interesse... tudo isso faz uma doce diferença, ainda que resistamos a esse tipo de grandeza. E isso não é “coisa de viado” como poderiam sustentar os duros de coração. Gentileza é simplesmente um gesto límpido de humanidade. Ah, e como estas atitudes se mostram cada vez mais essenciais nessa era de chumbo e ácido...

A música é também uma gentileza para os ouvidos quando chega robusta e com brilho próprio ou mesmo inquieta e provocadora, buscando uma cadeira cativa em nosso coração. Todo esse prólogo foi inspirado, na verdade, por uma banda curitibana que se chama exatamente Gentileza. O grupo me chegou sem apresentação. O nome curioso, por tudo aquilo que escrevi antes beirando até à pieguice, me chamou logo a atenção. Botei o cd da turma na vitrolinha e me surpreendi com o que ouvi: uma sonoridade plural que ora lembra os cariocas dos Los Hermanos, ora remete aos emergentes candangos do Móveis Coloniais de Acajú e até mesmo a leveza sinfônica, com elementos do leste europeu, do ícone Beirut.

O sexteto curitibano faz no álbum Gentileza (2009)um som que desafia classificações. No meio do tsunami de influências no qual cada um dos seis jovens integrantes são chacoalhados, o resultado sonoro não poderia sem mais democrático e encantador. Poderia-se dizer que Gentileza é uma banda de rock e de MPB, ou um híbrido com toda a liberdade desses dois gêneros sem a pretensão, diga-se de passagem, de ser exato nessa definição. É legal ouvir ecos de Los Hermanos – uma comparação inevitável que o vocalista Heitor Humberto (também guitarra, violino e cavaquinho) já chamou de preguiçosa – na bolerosa e interessante “Coracion”, com seu arranjo de metal precioso.

Fugindo da indesejável – para a banda – comparação, a trupe capitaneada por Heitor e cimentada por Artur Lipori (trompete, guitarra, baixo, kazuo), Diego Perin (baixo, concertina), Diogo Fernandes (bateria), Emílio Mercuri (guitarra, violão, viola caipira, ukelele, backings) e Tetê Fontoura (saxofone, teclado) passeia por outras praias. Escute, por exemplo, o violino e metais típicos do leste europeu, presentes também em algumas criações do Móveis Coloniais, sonoridade que tempera ainda “Afinal de Contas”, essa condimentada pela música brega nordestina, com direito a citação literal de uma frase de música do Reiginaldo Rossi.

Os meninos e menina da banda são francamente generosos nessa estréia. Oferecem um leque amplo de gêneros musicais aos ouvintes. Seduzem na ótima “O Estopim”, com sua cadência circense e exercício a la Nino Rota. São ainda brejeiros no pouco inspirado rock rural “Teu Capricho, meu Despacho” e atacam com toda simpatia do mundo no pseudo ska “33B” e até de baticum na super bem humorada “Preguiça”, que, se é preguiçosa na melodia inspirada nos sambinhas antigos se supera na bem engendrada letra. Nesse hino à vagabundice, Heitor, com sua voz pequena, diverte a gente: “Minha vida é quase esteira ergométrica / Eu ando e ando e não chego a lugar algum(...) E dessa forma só lamento a minha preguiça, mas fazer nada é uma delícia/ Se for pra mim, diga que não estou”.

As boas letras são, aliás, um dos grandes trunfos desse disco bem intencionado. Rimas e construções poéticas inteligentes valorizam as composições, como na já citada “O Estopim”, de refrão memorável: “Pois o estupor foi o estopim de todo esse horror que se instalou em mim/ Mas, se alguém falou, eu nada ouvi. E por não pôr tudo a perder, tudo perdi”. Ou ainda em “Coracion”: “Meu coração anda contente, já faz tempo que não sente/ Já faz tempo que não bate. Eu bato nele, ele consente/ Eu sinto muito disparate em que ele não dispare, quando você está presente”. São boas sacadas que compensam algumas derrapadas como no samba gramatical “Maior com Sétima” e no dispensável e bobo funk “Pseudo Eu”. De qualquer forma, uma estréia excepcional de um grupo que tem gana e potencial de surpreender ainda mais.

Cotação: 3

Faça a gentileza:

http://www.4shared.com/file/130011822/1ae6af73/Banda_Gentileza_-_Banda_Gentileza__2009_.html