segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Beijo derramado

Ney Matogrosso é muito macho. Que me desculpe o Romário, mas Ney é o cara! Ao contrário de muitos medrosos que fogem das inevitáveis comparações na hora da escolha de um repertório, ele as encara do alto da serenidade que o talento lhe deu. E mais, desafiando afinado o tempo e limites em seus quase e bem vividos 70 anos. Em Beijo Bandido(2009), o cara retoma a MPB mais classuda, depois do investimento em um disco mais rocker, o superestimado Inclassificáveis(2008). E o faz sob a égide da paixão. Derramado e sensível, seu último trabalho é, quase todo ele, uma ode ao amor alinhavada por uma seleção competente de canções que atravessam gerações.

Não resisti, depois de ouvir algumas vezes a Beijo Bandido, a resenhar o álbum a partir da comparação de interpretações do repertório eclético selecionado por Ney Matogrosso. Fui motivado por uma lista de composições que ganharam notoriedade nas vozes de outros ases da Música Popular Brasileira. A começar por “Tango para Tereza”, clássica dor de cotovelo assinada por Evaldo Gouveia e Jair Amorim, e que fez sucesso na voz da grande Ângela Maria. Ney realinha, melhora a canção, enxugando os excessos da Sapoti, carinhoso apelido da cantora, mas mantendo a dramaticidade da letra e melodia, num tom acima ao da maioria das interpretações do disco, aproximando-a de sua essência de cabaré.

Em vários momentos, Ney Matogrosso se arrisca a interpretações mais ousadas e acerta a mão, presenteando o ouvinte com momentos sublimes. Em alguns, o cantor suplanta a ele próprio. Supera-se, por exemplo, na versão mais cadenciada de "Segredo"(Herivelton Martins/Marino Pinto), valorizando a sensualidade desse outro grande clássico, em detrimento da malícia que impôs a mesma música presente no maravilhoso O Pescador de Pérolas(1987). Em outros, nivela sua performance aquelas consagradas, caso da arrepiante “Medo de Amar”, uma das obras-primas de Vinícius de Morais(aquela que diz, depois de uma irretocável declaração de amor, que “o ciúme é o perfume do amor”), eternizada com maestria, entre outras, por Nana Caymmi. Ele mantem a intensidade da baiana num arranjo que começa suave, no solo com um piano tocante, para crescer em direção a um samba canção doído como a letra.

Duas outras interpretações revelam um Ney soberano. Até porque, as boas canções não haviam ganho, até onde vai meu conhecimento, defesas a altura de sua força e beleza. Exemplo de “Bicho de Sete Cabeças II”(Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha). A versão mais conhecida é a de Geraldo Azevedo, que até empresta dignidade a sua criação. Mas, Ney Matogrosso, amparado em um arranjo que transforma a música num quase chorinho, agiganta a nervosa composição dando-lhe ainda mais ritmo e impacto. A outra é “Invento”, do ótimo Vitor Ramil, gaúcho talentoso que precisa ser descoberto pela maioria dos brasileiros, cantada em Beijo Bandido, título tirado da música, com uma ternura que reforça as aveludadas letra e poesia.

Existem momentos, contudo, em que Ney perde a contenda. Casos de "A Bela e a Fera"(Chico Buarque e Edu Lobo, cantada com extremo vigor, não alcançado por Ney, por Tim Maia, e de “Fascinação”. Mas, é difícil, diria quase impossível, superar a interpretação da fantástica Elis Regina, para a versão de Armando Louzada e Dante Marchetti daquele clássico norte-americano. Ainda que, o artista tenha chegado muito perto da pimentinha com sua interpretação para "As Aparência Enganam"(Tunai/Sérgio Natureza), no disco de 19 que leva o título da música. Mas, ainda assim, sua "Fascinação" também emociona, enriquecida pelo lindo arranjo e pela bela introdução ao piano.

Ney acrescenta, porém, pouco a outras canções, como “Nada por Mim”(Herbert Viana/Paula Toller)”, que contrasta com a sensualidade imposta por Marina Lima, “Mulher sem Razão” ( Cazuza, Bebel Gilberto e Dé Palmeira), que tem na voz de Adriana Calcanhoto uma versão mais sincera, e “A Distância”(Roberto/Erasmo Carlos), insuperável na voz do rei e que ganhou de Ney uma interpretação burocrática. De qualquer forma, mesmo sem estar muito inspirado nesses momentos, o ex-Secos e Molhados, fez um álbum maduro (impossível ser diferente, para quem demonstrou uma imensa coerência em sua carreira) e que pode figurar com honra em sua longeva discografia. Uma obra para ser ouvida em horas tranqüilas e que leva a assinatura firme de um cara com muito a ensinar a todos nós. Longa vida a Ney.

Cotação: 4

Aceite esse beijo bandido:

http://rapidshare.com/files/298437547/UQT2009_Ney_Matogrosso_-_Beijo_Bandido.rar.html

sábado, 7 de novembro de 2009

De volta pro aconchego

A bola no gol e o eco do grito de dezenas de torcedores ribombando embaixo da mangueira alheia a tudo. A velha e solene mangueira no barzinho sujinho e repleto de gente de preto e branco e uma cruz de malta brilhando no peito trêmulo de orgulho. O impávido gol ateando fogo na paixão. Gente que nunca se viu se abraçando como se todos fossem conhecidos de longa data. Que engraçado, né? Que mágica doce. Futebol é isso. Essa magia besta e cotidiana que acontece no instante em que a danadinha resolve rir do goleiro e estaciona ali entre as traves, estática, alheia como a mangueira. Sábado, sete de novembro de 2009 e o Vasco, ou melhor, enchendo o peito com todo o oxigênio que me é possível, o Vascão reocupa seu lugar no olimpo do futebol brasileiro.

Nunca joguei futebol. Nunca quis. Sou perna de pau, mas gosto de assistir a uma partida bem jogada. Assisti a vitória do Vasco sobre o Juventude por 2 a 1 no bar sujinho que não tem nome, do Adilton, um cearense pançudo, simpático e completamente despreparado para administrar um estabelecimento daquele tipo. Bar ao deus dará. Mas, Vascaíno convicto, teve a competência para juntar apaixonados como ele. E foi essa gente, uniformizada como que para um desfile, que foi se juntando no quintal da mangueira alheia, ocupando cada metro com sua palpável e densa expectativa de ver o time do coração voltar a série A do campeonato de futebol nacional mais visceral e sanguíneo do planeta. Chão de terra batida, a cerveja solta e olhos ávidos grudados na tela da televisão em completa sinergia, uma comunhão potente, eclesiástica. Uma missa e uma missão.

A missão, cumprida. Teve lágrimas nos olhos. Marmanjos chorando de emoção sob os olhos incrédulos dos pequenos filhos, fardados como o pai, alheios ao impacto da vitória rasgando o peito daquele cara tão menino. Que engraçado. Que mágica pura. Teve riso solto, buzinas alucinadas em carros alheios a tamanha alegria. A alegria da recompensa depois da sofrida tragédia, com todos os elementos da gênese grega, de ter sido rebaixado. Rebaixado. Que palavra feia. Agourenta. Agora, a remissão. Que palavra bonita. Vasco fênix, afastando uma doída tristeza do passado. E depois do final, a partida acabada depois do fim no bar sujinho sem nome, nem havia mais a televisão, aquele aparelho anguloso que sugou toda a nossa atenção por ansiosos 90 minutos. Havia a felicidade. E ela nos bastou. A cruz de malta avermelhada, cor de sangue, impressa nos corações acelerados pode enfim dormir, na noite de sete de novembro de 2009, em paz.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Tarantino vai a guerra

Uma longa e tensa conversa se forma. Dois homens sentados em uma sala em posições antagônicas: o algoz e o benfeitor. A raposa e o coelho. O cenário, uma fazenda francesa em pleno auge da ocupação nazista. O diálogo habilmente construído revela um vilão arguto arrancando com extrema frieza aquilo que pretendia ouvir do interlocutor. O final da conversa é dramático e termina em carnificina para o horror de quem acompanha aquela espécie de pesadelo. Parece até cena de algum faroeste, corroborada inclusive por uma trilha que lembra um trabalho do diretor italiano Sergio Leone, mas é na verdade um filme de guerra, assinado pelo cultuado Quentin Tarantino. Estou falando de Bastardos Inglórios(2009), uma investida alucinada desse cineasta num gênero que há muito não trazia qualquer surpresa aos amantes da sétima arte.

É bom salientar, de antemão, que Bastardos Inglórios não é um Tarantino(o figura sentado ao lado da loiraça na foto abaixo) absoluto. Em alguns momentos até, o longa-metragem navega tranqüilo na tradição, no convencional, como se pilotado por um desses cineastas norte-americanos medianos comprometidos apenas com a bilheteria. Mas, há elementos de sobra no transcorrer da história que deixam claro que a obra em questão tem um algo a mais, diferenciais com uma reconhecível e valorizada assinatura. Estão lá, como em Kill Bill e Pulp Fiction, as referências ao admirável mundo pop que fez a cabeça de milhões de simples mortais, desde a atmosfera do western spaghetti, a praia em que reinou Leone, até as intervenções musicais a princípio desconectadas com o tempo real da ação, mas que casam perfeitamente com a cena.

A trama é quadrinhesca, mais uma característica das obras do diretor. O filme é dividido em vários capítulos, habitados por personagens que beiram a caricatura e têm perfis bem definidos. Os bastardos do título são uma trupe de cruéis vingadores, uma espécie de polícia secreta norte-americana, formada para matar qualquer nazista que aparecesse pela frente. Liderando os inglórios está Aldo Apache, vivido por um farsesco Brad Pitt, o boi de piranha da produção para angariar público. A macabra ordem dada pelo chefe aos comandados é a de que cada um precisa reunir 100 escalpos dos soldados de Hitler. A história paralela traz a tona uma rancorosa judia Shosanna (Mélanie Laurente), traumatizada pela chacina da família e que encontra, anos depois, a perfeita oportunidade de se vingar dos impiedosos nazistas, incluindo aqui Adolf Hitler. É esse ápice também o momento do crossover de todos os personagens.

O fio condutor, espertíssimo, dessas duas tramas é exatamente o vilão mor do filme, um misto de detetive e matador de judeus, interpretado com maestria pelo excelente Christoph Waltz. Ele vive Hans Landa, um homem inescrupuloso e desalmado que interage acidamente com todos os mocinhos, se é que podemos chamá-los assim, de Bastardos Inglórios. Landa é o emblema do longa-metragem de Tarantino, no qual a ética e a benevolência são substituídas pelo cinismo e pelo desamor. Até a possibilidade de um romance, entre Shosanna e um soldado e candidato a ator nazista, vivido por Daniel Bruhl, é atropelada pela violência e sede de vingança. Ninguém é bonzinho no filme. No final, todos têm culpa, todos são um bando de bastardos sem a mínima glória.

Apesar das motivações objetivas e secas que levam todos a matar, a violência na fita é surpreendentemente arrefecida. Não se vê aqui aquele vale de sangue produzido fartamente nos outros filmes de Quentin Tarantino. O interessante é que o autor parece se focar mais na tensão e no suspense para contar uma história bem objetiva. O diálogo inicial, descrito rapidamente no início dessa resenha, é extremamente feliz. Assim também como nos encontros de Landa com Brad Pitt, um deles hilário, momento em que o bonitão, disfarçado de italiano, imita o Marlon Brandon lacônico de O Poderoso Chefão, obra-prima de Francis Ford Coppola.

A precisão do texto se junta às referências pops impressas pelo cineasta. A já citada linguagem das HQs sentida na arquitetura dos personagens, a homenagem ao compositor Ennio Morricone, a sublime inclusão de um David Bowie pouco conhecido cantando "Cat People(Putting out Fire)", resgatada do filme A Marca da Pantera, de Paul Schrader , no momento em que Shoshanna vizualiza seu plano incendiário, a divisão em capítulos e as inserções de tipias bem setentistas para identificar os bastardos... Toda essa reciclagem, a qual os fãs do diretor já se acostumaram, dá um toque novo, inesperado e moderno a esse filme de guerra, segmento que poucos têm coragem de incursionar e ousar. O despachado Tarantino entrou nessa seara e mostrou que pode dar uma saudável sacudida no gênero. Claro que do seu jeito autoral e mesmo sem o vigor cinematográfico que impôs no clássico Cães de Aluguel e Pulp Fiction, para mim ainda seus melhores trabalhos. De qualquer forma, Bastardos Inglórios é um filme acima da média, um programão para quem quer diversão criativa e inteligente.

Cotação: 4

Sinta o poder dos bastardos:

http://www.youtube.com/watch?v=v4ug2PGniMM

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Faltando um pedaço

Sabe quando um disco começa e termina bem, mas o miolo é cheio de altos e baixos e recheado de inconsistência. Pois é, essa foi a minha sensação depois de ouvir algumas vezes A Brief History of Love(2009), o álbum de estréia do The Big Pink, uma das bandas londrinas mais comentadas e elogiadas pela crítica da Inglaterra este ano. Uma aposta, aliás, do bacanudo selo 4AD. Mas, essa coisa de hype, de banda da moda, é mesmo um saco. Você, de tanto ouvir falar, acaba querendo entender, mesmo desconfiado, o porque do falatório. Acaba criando uma expectativa e quando ouve, em muitos casos, como esse, fica com aquele gosto travado na boca, sentimento de meio gozo, de incompleitude.

The Big Pink é um duo vindo da capital inglesa formado pelo vocalista Robbie Furze e pelo tecladista Milo Cordell. Fazem, para alguns comentaristas, um misto de shoegaze com noise industrial. Acho a classificação chula e imprecisa. Para mim, os dois tentam algo na linha do rock industrial, com influências do indie rock dos anos 90, sem focar num gênero específico. Tentam assim algo novo? Não, são simplesmente confusos. Falta equilíbrio e o que se vê são dois caras perdidos entre fazer um pop mais acessível e um som pretensiosamente cabeça, com excesso de microfonia e programação eletrônica barulhenta.

A Brief History of Love é um disco meia boca. Ele até começa bem com a bacana “Crystal Visions”, com um bom refrão e mudança empolgante no andamento da música, saindo do arranjo contemplativo e minimalista para um noise amparada principalmente na guitarra. Já na música seguinte, começa a se desenhar a frustração com uma cansativa carga de distorção que fazem de “Too Young to Love” uma música calculadamente cerebral e moderna. Não pega. Tentam novamente o mesmo caminho em outras composições como a instável “Velvet” e a sem graça e melosa “Golden Pendulum”, que jogam o disco para baixo.

Talvez o que o duo gostaria mesmo era de ser mais popezinhos e diretos(assim como suas letras românticas), sem frescuras na onipresente programação eletrônica. É o que demonstram nas mais degustáveis e sinceras, "Dominos", de melodia fácil, assobiável e que até se aproxima do shoegaze e as mais dançantes “Frisk”, com Robbie Furze cantando num estilo meio rapper, e o eletrorock “Tonight”, feito claramente para as pistas. A última canção do CD, a balada “Count Backwards from Ten”, deixa claro ainda que Furze e Cordell podem criar melodias poderosas, fechando o disco com a esperança de que o próximo trabalho seja mais contundente e corresponda a todo o barulho que fizeram em torno deles.

Por enquanto, o que temos é uma banda mediana, ajudada por uma ótima produção (repare na mixagem e limpeza do som, apesar do noise e suas guitarra e tecladeira sujas), tentando entrar para o hall da fama pela porta da frente. Deram de cara, a meu ver, apenas com a porta dos fundos. Talvez A Brief History of Love apareça em alguma das listas de melhores do ano. De antemão, devo torcer o nariz, mas vou receber o próximo trabalho da dupla de coração aberto, esperando o convencimento. Adoraria, com toda sinceridade, que isso acontecesse, Afinal, som bom é sempre bem vindo.

Cotação: 3

Os rosadões a seu dispor:

http://sharebee.com/eec34d98

ou

http://www.filestube.com/6f73f3036fe323e203ea/go.html

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Meu mundo caiu

No dia internacional da animação, comemorado todo santo dia 28 de outubro, resolvi fazer jus a essa maravilhosa arte e fui, animado é claro, ao cinema. Escolhi para assistir a 9, A Salvação, estréia em desenho de longa duração do norte-americano Shane Acker. Fui sem muitas expectativas, apesar da grife Tim Burton impressa no cartaz. Sai da sala certo de que o desembolso do valor da entrada tinha valido a pena, mas com o espírito contrário ao que tinha entrado: carregado, ensimesmado, com a certeza de que esse é o tipo filme inapropriado para menores de 16 anos, uma criação sombria a aterradora feita para adultos.

9, A Salvação foi produzido por Tim Burton, criador talentoso dos também acinzentados e excepcionais A Noiva Cadáver e Sweeney Tood, só para citar seus trabalhos mais recentes e tenebrosos. A inclinação para o macabro, para uma estética explicitamente dark desse cultuado diretor está refletida no filme de Acker. Aliás, foi Burton, encantado com o que viu, quem resolveu desafiar esse cara a transformar o seu inspirado curta-metragem 9, indicado ao Oscar de animação em 2005, num longa.

O produto final bem que poderia ter a assinatura do desafiante, que sugeriu a utilização de dois de seus mais caros colaboradores, Pamela Pettler, co-roteirista de 9, A Salvação, que havia trabalhado antes em A Noiva Cadáver, e Danny Elfman (do falecido grupo Oingo Boingo), trilheiro de praticamente todos os seus mais impactantes filmes. O que se vê é uma animação sombria, opressora, com poucas cores e que reflete organicamente o universo pós-apocalíptico em que se inserem os inesperados personagens, bonecos de pano, misto de máquinas e ser humano, que buscam um lugar ao sol.

Na história, 9 é um desses bonecos que ganha vida em um laboratório de um cientista. Ele descobre que está no planeta terra depois que máquinas e homens se digladiaram até a morte. Logo, junta-se a acuados congêneres seus, saídos da sombra, que optam pela luta de guerrilha para poderem sobreviver. Anti-belicista este longa de animação não se cerca de altruísmo, como o também em cartaz Up-Altas Aventuras, mas carrega nas tintas em sua crítica à ganância e a irracionalidade da humanidade, que se auto-destrói em nome do poder e do ego. Acerta na mensagem. Deixa o coração apertado e, mais importante, faz refletir, papel que o cinema deveria exercer com mais assiduidade.

O roteiro inteligente não dá margem a choro nem vela. Muito menos ao humor. Só um ou dois diálogos permitem o sorriso, tímido, do espectador. Ameaçados pelo vilão feito de parafusos, fios e maldade, 9 e seus amigos não tem muito tempo para fazer graça ou para emprenhar uma relação afetiva, mas só para se esquivar e, por fim, a muito custo, partir para o ataque redentor. O final, engenhoso e com alto teor poético, surpreende. Não é exatamente um final feliz, mas abre a porta da esperança para um planeta mostrado apenas como uma triste e grande praça de guerra.

Esse mundo destruído, os personagens esteticamente simples, pálidos e sem graça, não geram, claro, grande simpatia, mas são soberbamente construídos. A computação é primorosa, mesmo tendo contra si a utilização de poucas cores, praticamente o preto e o marrom e seus semitons. A trilha de Danny Elfman acentua a atmosfera carregada e as vozes de Elijah Wood, como 9, John C. Reilly, Jennifer Connelly, Christopher Plummer, Crispin Glover, Fred Tatasciore e Martin Landau... bem, dessas não posso falar já que, infelizmente, em Boa Vista só tive acesso à versão dublada do filme. De qualquer forma, mesmo sem ser uma obra-prima, 9, A Salvação, é recomendável para nossa educação sentimental e para quem curte animação inteligente e de bom gosto. Deixe-se surpreender.

Cotação: 3

Vai aí um aperitivo?

http://www.filminfocus.com/video/9___teaser_trailer

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ousadia desfraldada

Escolher um disco de um grupo como The Flaming Lips para resenhar deve, ou pelo menos deveria, provocar um certo temor em quem encara o desafio. Comigo foi assim. Me benzi e pedi a ajuda de santos e orixás do alto clero, aqueles mais bem cotados no olimpo das entidades, antes da árdua tarefa. Escarafunchar o som esquizofrênico e ousado desses caubóis de Oklahoma é assustador. Perder-se na dissonância das composições para se achar depois, aturdido, na proposta musical ensandecida dessa galera configura-se, porém, em um prazer maiúsculo, um duelo enriquecedor.

A nada surpreendente coragem de ousar se faz presente desfraldada no último trabalho do Flaming Lips, Embryonic(2009), um retorno a sonoridade tortuosa e altamente experimental de discos difíceis da banda como Zaireeka (1997), esse Ulisses do rock, e o assombroso Hit to Death In the Future Head (1992). Os caras têm cancha para fazer suas transcendentais experimentações. São 26 anos de estrada em que oscilam entre trabalhos digamos mais pops, no sentido mais estrito da palavra, e muitas loucuras. Quando resolvem enveredar por esta última linha, os norte-americanos o fazem sem dó nem piedade. E aí precisamos de disciplina e disposição para tentar entender as viagens que a banda empreende.

Embryonic é complexo como a dor da perda. Tipo do trabalho, perdão pelo chavão, ao qual você ama ou odeia. A intrincada sonoridade onde aos instrumentos parecem ricochetear cada um para um lado, atarantados como uma multidão quando ouve tiros, acompanha praticamente todas as músicas. Já em “Convinced on the Hex”, a primeirona, guitarra e baixo desencontrados com a melodia deixam o ouvinte perplexo, tentando costurar as sílabas musicais dessa espécie de rock do crioulo doido que seduz pela complexidade da equação. Enveredam aqui e na experiência seguinte, a ótima "The Sparrow Looks Up at the Machine" num gênero que poderíamos chamar de krautrock ou acidrock, como já tentaram segmentar alguns.

O melhor mesmo é não buscar encontrar qualquer segmentação no que o grupo faz. The Flaming Lips produz aqui um som um tanto inclassificável, onde você pesca, aqui e ali, algumas referências de gêneros ou bandas que se tornaram marcos na história musical da humanidade. É possível perceber ecos distantes de blues e lisergia em duas das melhores músicas do disco, “Your Bats” e “Worm Mountain”, essa última contando com a participação, dispensável até, do superestimado MGMT. Há traços de psicodelia, talvez o mais comum em todo o disco, e rock progressivo, da fase Ummagumma de Pink Floyd, e guitarras hard rock ledzepellinianas na decentíssima “See The Leaves”.

Há ainda música que parece música, como a bela e terna, apesar do nome, “Evil” e “Watching the Planets”, com a parceria da musa do eletro-rock Karen O (Yeah Yeah Yeahs), que participa em vários outros momentos do CD . E também algumas composições que não parecem seguir qualquer norte musical, avacalhando notas e estilhaçando instrumentos. São o caso da espacial “Virgo Self-Esteem Broadcast” e das chatíssimas "Scorpio Sword", uma esquálida viagem instrumental, e da incompreensível “The Impulse”, com overdose de vocoder, que poderiam muito bem estar fora do disco. É que, certa hora, entre as 18 músicas apresentadas e 79 músicas de pura experimentação, você acaba se cansando.

Wayne Coyne, vocalista e cidadão instigado da banda, quis fazer um impiedoso álbum duplo. Parece ter pretendido debulhar de uma só vez todas as suas fantasmagorias e esquisitices sonoras. Embryonic é, sem sombra de dúvida, um trabalho potente e de grande fôlego. Mas, recomendo, apenas para escutar nas horas mais vagas e descansadas. Não se assemelha a nada do que é feito hoje em dia, mas, quer saber, eu gostei muito. Porque, no fim de tudo, apesar dos pequenos deslizes, você tem a certeza de que participou de uma experiência fascinante e provocadora. Por isso, amigas e amigos, embarquem de peito aberto nessa viagem enriquecedora.

Cotação: 4

Encare a fera de frente:

http://depositfiles.com/pt/files/ntphzzp18

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conto erótico numa noite de senões

Foi um gozo e tanto. O fim de uma briga e desencontros que começou com o crepúsculo, num bar beiradeiro e fétido, de garçom cheirando a pinga, única testemunha desinteressada de um romance febril e repleto de interrogações. Nós dois discutindo o que é o amor, tentando entender a língua estranha um do outro, procurando legendas para as frases desconexas e ininteligíveis que saíam das bocas mergulhadas em cerveja quente. O desejo havia e pairava e cobrava a cama quente. Não antes de todo aquele tesão resguardado e adormecido por uma disputa infantil na qual éramos gato e rato numa luta sem vencedores, dois estúpidos animais.

Eu a amava e achava que ela tinha que me amar. Dever absoluto. Resposta esperada com fervor a uma ação intensa que bulia incansavelmente com todas as minhas células e minha combalida razão. Assim como um liquidificador que estilhaça a maça em milhões de pedaçinhos, eu por dentro, intranqüilo sem saber se toda aquela ebulição também morava nela. E ela, uma esfinge, intransponível em todos os movimentos, nos olhos sempre fugidios, que teimavam em alcançar os pedintes meus. Se ela dizia sim, eu entendia não. Se tudo ok, mais ou menos. Se queria sexo, cobrava, no fim, carinho. Se carinho, crueza de sentimentos. Poço de inconsistência diante de minha alma completamente aturdida por um turbilhão de dúvidas, afogada na nulidade homicida dela.

Naquele início de noite, no bar malcheiroso, ela pairava irritante ora respondendo com sua mudez ensurdecedora, ora matraqueando em seu intraduzível dialeto africano.

– Você me ama? – Perguntei penitente já sabendo que o troco viria em duas cédulas de sete reais e cinqüenta centavos.
- Porque você sempre me pergunta isso? – Despejava ela, com uma seriedade artificial, deixando tudo abissalmente por isso mesmo. Vácuo profundo.

Idiota, pensava comigo mesmo. Nem ser chamada de idiota ela merecia, aquela vaca, me indispunha, depois, em segredo. Me sentia como um velho garimpeiro, escanhoando com teimosia a pedra dura com um minúsculo canivete atrás de um diamante inexistente, um brilhante que antigas ambições já haviam consumido. Nada havia por debaixo daquela pedra. Nada havia dentro daquele gélido e embaçado coração ali na minha frente, que parecia caçoar insolente de minha raiva. Queria demonstrar desinteresse, ela, como se estivesse fazendo um favor a mim, fustigando cruelmente minha angústia. Sua majestade brincando, para fugir do tédio, com o pobre vassalo. Idiota sou eu, pensava por fim, depois de tanto murro em ponta de faca. Pobre vassalo idiota.

Durante cinco vezes, ela sorriu alto confirmando minha rendição construída dolorosamente, minuto a minuto, naquele ringue biafra. Soberana, ela saiu arrastando seu orgulho e sua insensibilidade, derrubando mesas e copos americanos, chamando a atenção do garçom, comparsa involuntário daquela noite de implacável incomunicabilidade. Eu feito cão sarnento sem dono a segui, dona da situação, equilibrando ódio e fúria domada, no rastro de suas pernas lindamente torneadas por um jeans azul escuro. Ela disse não para a sugestão de minha casa. Entendi como um sim. Fomos direto para minha cama desalinhada.

Outra longa disputa estava pronta para ser travada. Eu, já lanhado, arregimentei forças, amparado dessa vez pelo surdo desejo de tê-la, se não cúmplice de meu amor, pelo menos refém de meus instintos. Briga sem palavras, feita da troca de suor, de uma pele esquadrinhando a outra. Ela, em sua resistência provocadora, esquivava-se resoluta, malandra, de minhas investidas vorazes. Molhada, escorregadia, fingindo espanto e estupor. Como uma virgem temerosa diante do sacrifício. Puta, ela. Talvez quisesse eu, em minha sanha, compensar a frieza polar dos sentimentos dela dando, com todas minhas forças, um choque inesperado e intenso de prazer que talvez a acordasse, que talvez a fizesse ver que o sexo, o sexo puro, era um elogio de minha paixão.

E ele, o sexo, foi se fazendo devagarzinho naquela guerra santa. O desejo desamarrado depois de duas horas de heróica batalha se impôs com seu vigor desenraizado. As pernas dela, antes anteparos, escudos de poderosa liga, dançaram depois em minha direção num balé bêbado. A resistência foi se desfazendo diante da minha imperturbável e quase disciplinada insistência. Meu pau duro riscou suas coxas desenhando paisagens do paraíso, beijando a vontade da moça, ela, enfim, rendida. A buceta dela aberta em todo seu esplendor segredava juras de amor que a dona recusava-se a dizer. A boca, a outra, em direção ao meu ouvido, lambido e displicente, sussurrou então a frase, mínima frase. Dita soletrada com o ardor dos deuses. – Te amo. Foi um gozo e tanto.

Todas as obras de Rubens Gerchman(1942-2008), artista que pintou toda a sensualidade do beijo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eles estão certos

A voz doce e firme de Lisa Von Billerbeck é como um chamado irrecusável à navegação em mares brandos diante de um pôr de sol que tudo pereniza. Foi assim que me senti - do alto de minha pachorra, headphone no ouvido e os pés riscando o Rio Branco no domingo de vento amigo numa calorenta Boa Vista - logo depois da primeira audição do álbum no qual impera a voz da moça de cabelo curtinho da foto aí de cima. As canções folks e acústicas da banda alemão I Might be Wrong em seu segundo trabalho, Circle the Yes(2009), me provocaram um certo niilismo, uma vontade de se abandonar diante da leveza pop e melódica do grupo. É como se repente Lisa fosse uma Elizabeth Fraser, da psicodélica e inesquecível Cocteau Twins, teletransportada para os anos 2000 em ataques de franca alegria.

Circle the Yes é um álbum de pura suavidade e pouca gravidade. Lisa Billerbeck flutua soberana nas canções, domando com destreza as guitarras acústicas, quase sempre dedilhadas, e o baixo e bateria discretos que amplificam ainda mais o clima de delicadeza do CD. A vocalista é a grande força motriz de toda essa história.“A Propos” tem, por exemplo, a pegada cool que me fez lembrar, voltando novamente a década de 80 do século passado, o exercício jazzy dos ingleses do Style Council. “A Penny for Your Thoughts” tem construção melódica precisa, arrematada por um belo piano. A mais animada “Jalopy” com sua guitarra meio “oitentista” mostra que os berlinenses têm instrumentos afiados e coerência na proposta musical que arranha o psicodelismo e abraça forte o dream pop, gênero marcado pela atmosfera solar.

Acredito que muitos vão achar o disco da banda alemã cansativo, até meio chato. Talvez porque o álbum é irritantemente coerente e homogêneo em seu conceito de fazer um som açucarado e melodioso, sem reviravoltas, microfonias ou invencionices. Mas, nem de longe Circle the Yes chega a ser enjoativo. Dentro de sua homogeneidade há variações – sutis ou até mesmo mais escancaradas – que podem ser sentidas, dependendo, é claro, da boa vontade e da cultura musical do ouvinte. Em “Checov”, por exemplo, uma linda introdução de guitarra convida Lisa para uma canção quase falada, sensual e provocativa. “Salomon”, para mim uma das melhores do disco, dosa tristeza e energia vital com equilíbrio, deixando aquela sensação que nos propicia a mistura excitante do doce e salgado na boca.

Li em algum lugar, não lembro onde exatamente, o texto de alguém buscando uma comparação entre o som da banda alemã e os experimentos sonoros do aclamado Radiohead, que compôs a música “I Might be Wrong”. A marcante música de Thom Yorke pode até ter sido a inspiração para o nome do grupo de Berlin e sugere a tentativa de aproximações, mas não há muitas intersecções entre um e outro. “Woodpecker” com sua bateria dura em contraste com a guitarra mais sinuosa pode até sugerir alguma semelhança entre os dois. Mas, Circle The Yes é um trabalho calcado na linda voz de Lisa Von Billerbeck e em um instrumental menos barroco e complexo, amparado basicamente na leveza e em melodias mais diretas. Nesse sentido, a banda sabe ser objetiva e faz bem seu dever de casa.

Cotação: 4

Confira se estou certo em minha avaliação:

http://www.easy-share.com/1908072028/I

sábado, 17 de outubro de 2009

Te vejo flores em você

Sempre defendi a tese de que a gentileza é um dos grandes remédios para curar os males desse nosso castigado mundo. O velho e amigo “bom dia” jogando o tapete vermelho para o sorriso cordial da pessoa do outro lado, o pedido de desculpas na hora certa, desarmando rancores e raivas gratuitas, o “como vai você?” dito com sincero interesse... tudo isso faz uma doce diferença, ainda que resistamos a esse tipo de grandeza. E isso não é “coisa de viado” como poderiam sustentar os duros de coração. Gentileza é simplesmente um gesto límpido de humanidade. Ah, e como estas atitudes se mostram cada vez mais essenciais nessa era de chumbo e ácido...

A música é também uma gentileza para os ouvidos quando chega robusta e com brilho próprio ou mesmo inquieta e provocadora, buscando uma cadeira cativa em nosso coração. Todo esse prólogo foi inspirado, na verdade, por uma banda curitibana que se chama exatamente Gentileza. O grupo me chegou sem apresentação. O nome curioso, por tudo aquilo que escrevi antes beirando até à pieguice, me chamou logo a atenção. Botei o cd da turma na vitrolinha e me surpreendi com o que ouvi: uma sonoridade plural que ora lembra os cariocas dos Los Hermanos, ora remete aos emergentes candangos do Móveis Coloniais de Acajú e até mesmo a leveza sinfônica, com elementos do leste europeu, do ícone Beirut.

O sexteto curitibano faz no álbum Gentileza (2009)um som que desafia classificações. No meio do tsunami de influências no qual cada um dos seis jovens integrantes são chacoalhados, o resultado sonoro não poderia sem mais democrático e encantador. Poderia-se dizer que Gentileza é uma banda de rock e de MPB, ou um híbrido com toda a liberdade desses dois gêneros sem a pretensão, diga-se de passagem, de ser exato nessa definição. É legal ouvir ecos de Los Hermanos – uma comparação inevitável que o vocalista Heitor Humberto (também guitarra, violino e cavaquinho) já chamou de preguiçosa – na bolerosa e interessante “Coracion”, com seu arranjo de metal precioso.

Fugindo da indesejável – para a banda – comparação, a trupe capitaneada por Heitor e cimentada por Artur Lipori (trompete, guitarra, baixo, kazuo), Diego Perin (baixo, concertina), Diogo Fernandes (bateria), Emílio Mercuri (guitarra, violão, viola caipira, ukelele, backings) e Tetê Fontoura (saxofone, teclado) passeia por outras praias. Escute, por exemplo, o violino e metais típicos do leste europeu, presentes também em algumas criações do Móveis Coloniais, sonoridade que tempera ainda “Afinal de Contas”, essa condimentada pela música brega nordestina, com direito a citação literal de uma frase de música do Reiginaldo Rossi.

Os meninos e menina da banda são francamente generosos nessa estréia. Oferecem um leque amplo de gêneros musicais aos ouvintes. Seduzem na ótima “O Estopim”, com sua cadência circense e exercício a la Nino Rota. São ainda brejeiros no pouco inspirado rock rural “Teu Capricho, meu Despacho” e atacam com toda simpatia do mundo no pseudo ska “33B” e até de baticum na super bem humorada “Preguiça”, que, se é preguiçosa na melodia inspirada nos sambinhas antigos se supera na bem engendrada letra. Nesse hino à vagabundice, Heitor, com sua voz pequena, diverte a gente: “Minha vida é quase esteira ergométrica / Eu ando e ando e não chego a lugar algum(...) E dessa forma só lamento a minha preguiça, mas fazer nada é uma delícia/ Se for pra mim, diga que não estou”.

As boas letras são, aliás, um dos grandes trunfos desse disco bem intencionado. Rimas e construções poéticas inteligentes valorizam as composições, como na já citada “O Estopim”, de refrão memorável: “Pois o estupor foi o estopim de todo esse horror que se instalou em mim/ Mas, se alguém falou, eu nada ouvi. E por não pôr tudo a perder, tudo perdi”. Ou ainda em “Coracion”: “Meu coração anda contente, já faz tempo que não sente/ Já faz tempo que não bate. Eu bato nele, ele consente/ Eu sinto muito disparate em que ele não dispare, quando você está presente”. São boas sacadas que compensam algumas derrapadas como no samba gramatical “Maior com Sétima” e no dispensável e bobo funk “Pseudo Eu”. De qualquer forma, uma estréia excepcional de um grupo que tem gana e potencial de surpreender ainda mais.

Cotação: 3

Faça a gentileza:

http://www.4shared.com/file/130011822/1ae6af73/Banda_Gentileza_-_Banda_Gentileza__2009_.html

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Abba is not dead

Espalhafatosos e pretensamente glam, o Abba(o quarteto fantástico aí do lado) saiu da fria Suécia para conquistar o mundo nos fins dos anos 70 e início dos anos 80. Disco e pop até a tampa, o grupo fez metade da humanidade dançar com babas irresistíveis como “Dancing Queen”, “Honey, Honey” e “Fernando”. Mas, mamma mia, quem poderia imaginar que o som bregoso dos suecos fosse resistir ao século 20? E ainda gerar filhotes nas décadas seguintes. Pois é, os tais escandinavos deixaram um grande rastro de fãs, hoje na faixa dos 40 e 50 anos, e alguns seguidores que transformaram a influência em música. Aliás, boa música. Estamos falando de Music Go Music.

Quem tem saudade dos suecos podem dar agora uma sobrevida a antiga paixão. Music Go Music é um trio californiano que cometeu um álbum, o primeiro do grupo, que traz claramente a marca e o estilo do Abba. Synth pop pras pistas carregado de romantismo e melodias inspiradas, o álbum segue a linha revivalista que está se tornando uma característica da música feita nessa década. Quem diria, o futuro, parece, está no passado tal a quantidade de bandas que vão beber em vigorosas fontes que brotaram em outras épocas. Umas dão com a cara no muro, outras mostram que aprenderam bem a lição. Neste caso específico, Music Go Music se lambuzou na onda retrô e se deu muito bem no bacana Expressions (2009).

A banda californiana é formada por Gala Bell(voz), Kamer Maza(teclado) e Torg(baixo). Os dois primeiros, na realidade, são pseudônimos de Meredith e David Metcalf, mulher e marido por trás do bom grupo Bodies of Water. Music Go Music é um projeto paralelo onde o casal e Torg deságuam seu amor pela disco pop que arrastou tanta gente em outros tempos. O trio abusa do sintetizador e da bela e afinada voz de Meredith Metcalf, cujo timbre lembra realmente, como já foi citado pela crítica, Debby Harry. Ela esquenta popices como a deliciosa “Light of Love”, musiquinha dançante que já está no ipod de muitos europeus. É Abba puro. Repare no teclado que introduz a música e no corinho feminino melodioso e diga o contrário se for capaz. Os ecos da banda sueca podem ser ouvidos ainda na bem legal “I Walk Alone” com seu poderoso refrão e na animadíssima “Explorers of the Love”, com sua bateria e teclados monolíticos que fazem a cama para a vocalista invocar o sol e os mais afoitos a assumirem a pista de dança.

Mas, não podemos ver Music Go Music e esse Expressions como um simples decalque de Abba. Em muitas composições temos os elementos e diferenciais de quem afinal vive no século 21 e deixa-se levar saudavelmente por outras influências sonoras. O psicodelismo, por exemplo, mostra as asinhas na climática “Love, Violent Love” e na ótima “Reach Out”, com o trio pesando um pouco mais a mão na guitarra e baixo que dividem espaço com um sintetizador ora onírico ora selvagem, alternando o andamento que torna a música um verdadeiro achado.

Tão inspirada quanto “Reach Out” é a longa (nove minutos!) “Warm in the Shadows”, com bela melodia e memorizável refrão. As duas são provas incontestes de que o retrô pode muito bem ser trabalhado com frescor, sem parecer um mero deja vu. Music Go Music conseguiu essa mágica e fizeram de Expressions(cuja capa é aterradora, como podem ver aí do lado) um revival vigoroso e sem cheiro de mofo de um período em que a galera se esbaldava nos salões de dança sem medo do futuro. Álbum certeiro para animar gregos e troianos. Abbrace sem preconceito. Abba is not dead.

Cotação: 4

Go Music Go:

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os xx da questão

Jovens adoram falar de sexo. Naquilo que o ato tem de mais frugal. Relacionamentos rápidos na cama, o próximo ou a próxima da lista. Flashes de uma noite mais tórrida para os ouvidos atentos dos espectadores que esperam a sua vez de contar a própria e talvez mais espetacular experiência. Vida legalizada esta. O gozo e o suor transpiram na conversa apimentada da galera Ipod, que imagina às vezes poder tudo. Pode mesmo? The xx é tipicamente uma banda dessa geração mais desencucada, que abre o verbo e a garganta para falar de coisas tão pessoais e intensas, contadas até algumas décadas atrás em voz baixa, segredada.

Talvez por isso tenham virado a sensação do momento entre aqueles mais modernos e antenados, que vivem intensamente a liberalidade que os novos padrões comportamentais possibilitaram e respiram a forte maresia criada pelo up grade tecnológico produzido nos últimos anos. Cidadãos desse admirável mundo novo. Questão mesmo de identidade de discurso e de vivência cotidiana. Os quatro integrantes, com idade próxima dos 20 anos, fizeram da estréia, XX(2009) uma espécie de carta de apresentação singela, repleta de letras sensuais e sobre relacionamentos amorosos, tudo com uma levada elegante, minimalista que caiu no gosto da crítica.

Sabe aquela banda que chega sem fazer barulho e vai conquistando devagarzinho os amigos, depois o quarteirão, a cidade e, quando menos percebe, está sendo citada pelos formadores de opinião em todo o país. Pois é, como quem não quer nada, The xx (eles assinam assim, com letras minúsculas) armou-se de influências que vão do rithym’n’blues, góticos e ícones como Young Marble Giants, essa uma referência declarada, para fazer um álbum leve e envolvente.

Para seduzir os corações, os quatro ingleses, dois homens e duas mulheres, amparam-se em uma linha de baixo e guitarra simples e repetitiva. O dedilhado cool acompanha boa parte das composições como na grudenta "Crystalised", com introdução climática das cordas, que lembra a ótima banda Interpol, e um refrão de singelo lalalaiá que fica lálalaiá rodopiando, insistente, em sua cabeça. Utilizam-se ainda de uma boa solução vocal, no duo de uma voz masculina e feminina, respectivamente a do baixista Oliver Sim, mais soturna, e a da guitarrista Romy Croft, bem Lolita, num instigante contraste.

O bom diálogo entre os dois vocalistas produzem alguns momentos sublimes, como na triste e linda “Infinity”, na qual Romy e Oliver carregam no tom sensual, ou na mais pra cima “Heart Skipped a Beat”, onde esquentam o arranjo minimalista, cheio de batidinhas eletrônicas bem sem-vergonhas, mas que não comprometem o todo. Na letra, promessas de prazeres indizíveis: “Não diga que está acabado/eu poderia fazer você se sentir como nunca se sentiu antes”. Essa carga de sexualidade está presente em outras canções como em “Island”, onde o duo se diz, na letra, paralisado pelo desejo.

Com seu debut, The xx não inventou a roda, mas foram espertos o suficiente para criar um disco que conversa com um público mais sensível. Usam e abusam do intimismo e dessa coisa que mexem com todos, que é a sensualidade. E com talento na elaboração de melodias que beiram o pop, sem perder de vista platéias mais exigentes. Resta saber se o hype vai deixar de ser momentâneo e se configurar, lá na frente, em um som mais perene. Inteligência para isso, a molecada mostrou que tem de sobra.

Cotação: 4

O xx da questão:

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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Hora de fazer história

O Cine Brasília é um dos grandes templos da cultura na capital federal. Palco de empolgantes festivais de sétima arte que marcaram a história brasileira, o belo prédio de formas arredondadas resistiu à pressão das igrejas canibalescas, devastadoras incansáveis de tradicionais salas de cinema, e aos governos desastrosos e burros que sempre viram a arte como uma necessidade menor do ser humano. Pobres governos. Há algum tempo, aquele espaço é vítima do descaso imperdoável do poder público.

Corações valentes fazem hoje sua defesa. Meu grande amigo Doriva, de Brasília, faz parte de uma frente de resistência para salvar o Cine Brasília. Guerreiros bons de batalha, ele e seus amigos de fé convidam a comunidade para participar de um ato para descortinar o esquecimento ao qual aquele soberbo cinema foi relegado. Hora de por a consciência na rua. Doriva pediu para divulgar aqui a convocação. E esse pedido é, para mim, grande parceiro, uma ordem.

Segue a convocação:

Amigos (as),
No dia 08 de outubro, quinta-feira, às 16h, realizaremos (Adeilton Lima, Wellington Abreu, Walter Sarça e Doriva) mais uma ação artística na rua. A proposta é empacotar o Cine Brasília com sacos de lixo, numa espécie de abraço. Quem quiser se somar a nós, é só chegar.
Os espaços culturais de Brasília estão sucateados! O Cine Brasília é símbolo da cultura brasiliense e mais uma vez será maquiado para receber o Festival de Cinema/2009, enquanto o Secretário de Cultura anuncia que vai antecipar o edital do FAC de 2010, considerando que sequer divulgou os contemplados de 2009 ou zerou os pagamentos dos editais anteriores. Em defesa de nossa cidade e de nossos artistas e devido ao fato de o governo até aqui não ter apresentado sua política cultural para a cidade, voltaremos à rua para mostrar à sociedade que mais uma vez o governo Arruda e o seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, blefam.
Na ação, cobriremos as duas placas do cinema com plástico preto.

Adeilton Lima
92399644
Doriva Brandão
8492 8158
Wellington Abreu
9629 9516

domingo, 27 de setembro de 2009

Não ignore este álbum

Era uma vez três porquinhos que num certo dia encontraram o lobo feroz e aí...montaram uma banda de rock. Na verdade, os porquinhos já tinham uma banda, o lobo chegou apenas para dar a dinâmica, poesia e a consistência que faltava aos três irmãos. Os brothers no caso são o guitarrista e vocalista Ryan Jarman, o baixista e também vocalista Gary e o baterista Ross. O lobo é, nada mais nada menos, que Johnny Marr, que veio para bagunçar o coreto, para dar uma sacudida no som dos caras e ajudar a fazer de Ignore the Ignorant (2009) o melhor álbum da curta discografia dos ingleses conhecidos como The Cribs.

The Cribs havia lançado três álbuns, todos metidos a engraçadinhos e com aquela sonoridade pueril de quem parecia não ter um norte, um foco. Muita música festiva, tiros para todos os lados e uma forte impressão de algo estava faltando na arquitetura torta montada pelos irmãos. Somente com o penúltimo de seus trabalhos, o bom Men's Needs, Women's Needs, Whatever(2007), os ingleses entraram nos trilhos. Alex Kapranos, o band leader da ótima Franz Ferdinand e produtor do álbum, contribuiu para aquele que parece ter sido o ponto de partida da maturidade da banda.

Com Ignore the Ignorant, o grupo passa um recadinho para os críticos, do tipo: olha estamos dispostos a ser considerados como uma banda realmente promissora. Parte dessa assunção tem a ver com Johnny Marr (veja ele aí na foto ao lado), para quem não conhece, a cara metade de Morrissey naquela que foi uma das grandes bandas de rock – talvez a mais autoral – dos anos 80, The Smiths. Marr emprestou sua guitarra competentíssima para que o último do The Cribs crescesse em peso, inspiração e ótimos riffs e solos daquele instrumento que é alma do som que fazem. Eles são assumidamente uma guitar band e, tendo no elenco, o grande Marr, estão com meio caminho andado para fazer um belo álbum.

E Ignore the Ignorant é realmente um excelente trabalho. Johnny e sua guitarra agregaram inspiração melódica a The Cribs, mantendo o frescor juvenil que o grupo vendia antes. Há uma moldura garageira tangenciando todas as composições, que conseguem, na maioria delas, manter um bom padrão de excelência. E olhem que isso hoje em dia é muito raro. “We Were Aborted” e a música de trabalho “Cheat on Me” abrem o disco com efervescência e vigor, dando as cartas para o que vai vir na sequência: canções alegres, alto astral, com melodias inteligentes e refrões, desculpem o chavão, grudentos.

Impossível não ressaltar: a guitarra de Marr, mais alucinada e liberta, dialoga com perfeição com a de Ryan Jarman. As duas abrilhantam ainda mais as ótimas “City of Bugs”, uma das melhores do disco com uma bateria repetindo batida marcial para as cordas consonantes dos caras, e “We Share The Same Skies” e “Nothing”, essas duas com ecos dos anos 80 e refrões marcantes. O disco abre generoso espaço para os solos de guitarra, principalmente de Marr, que só reforça a qualidade de sua impecável arte. Outro destaque é a “engajada”, "Victim of Mass Production", que critica aqueles que só conseguem surfar na onda do modismo: “Ele só consegue usar aquilo que vê nas revistas, ele é uma vítima da produção em massa”, numa livre tradução da letra que conta com um riff ensandecido de Marr.

O disco tem umas pequenas derrapadas, como a balada “Save your Secret”, “fofinha” demais a meu ver, e “Stick to your Guns”, além da capa tosca e de mau gosto(essa aí do lado), mas que não tiram os méritos desse que é um dos melhores álbuns de rock do ano. Não ignore “Ignore the Ignorant” com o seu frescor que salta de cada inspirada música. Biscoito finíssimo, este é um eficiente disco de rock'n'roll que pode fazer seu dia mais alegre e pulsante.

Cotação: 5

Quer ouvir? Vá:

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ou

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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Macacos me mordam!

Já faz um tempinho que o grafite vem ganhando merecido espaço no mundo da arte dita erudita. Muito bacana isso. Sinal dos tempos e uma vitória promissora contra o preconceito, esse cancro que insiste em puxar a humanidade pra baixo. Grafite é arte sim, dependendo, é claro, do talento e da grandeza do coração de quem empunha as latinhas de spray. Aí você vê a moderna pintura dos muros das grandes cidades, grafiteiros com muito a dizer, ex-moleques urbanos dividindo, com sua nova maturidade, espaço com telas de gente renomada, consagrando-se assim também. Aqui, não cabe a palavra pixação no que isso tem de mais abusivo, mas sim no que ela tem de mais abrasivo, incandescente. Mudou até de nome, nesse caso. Virou grafitagem.

No Brasil artistas como Speto e Os Gêmeos (obra abaixo), só para citar os mais conhecidos, romperam fronteiras e conquistaram a crítica mundial. Emprestam sua arte para muros de museus, de fábricas, de casas e indústrias planeta afora, tornando o cenário caótico de muitas cidades mais alegre e espirituoso. Em comum esses caras tem a reinvenção da figura do homem, que na ponta da latinha, transformam-se em personagens de olhos esbugalhados ou de rostos quadrados e amarelos. Uma encruzilhada de quadrinhos e elementos pops criando universos novos e fantasiosos ou mesmo reforçando a crueza da realidade em um estupendo e contrastante colorido.

Hoje conheci mais um artista do grafite com envergadura próxima a de Speto e dos Gêmeos. Seu nome é Hudson Melo, o Magão(olha o cara na foto ao lado), um piauiense radicado em Teresina que usa a técnica da grafitagem e desenvolve projetos com toy art. Garoto talentoso que baixou, qual exu do bem, com sua arte provocadora e lúdica no superbacana espaço cultural do Sesc Mecejana aqui em Boa Vista, numa visita relâmpago. Foi uma das atrações dos projetos Cruviana e Overdoze (ótimo nome esse), este último responsável por uma bem vinda maratona de doze horas de música, pintura, teatro e dança para a galera macuxi. Hudson bem que podia ter tido mais espaço na imprensa local. Merecia.

Pouco mais de uma dezena de obras do artista piauiense Magão iluminaram uma das paredes da sala de exposições. Como acontece com os artistas que trabalham com grafite, ele tem personagens recorrentes, como se fossem uma marca ou assinatura própria. Um deles é um histriônico magrelo com uma caixa de papelão na cabeça, um avestruz cosmopolita, anônimo como milhares cidadãos das metrópoles que passam pela gente e a gente nem vê. O espadaúdo mora, dentro da exposição, em um cenário quase monocromático, com elementos circenses e traços rústicos que remetem claramente ao grafite puro, direto.

O outro personagem é um macaco, desenhado com traços mais refinados e que aproxima o trabalho de Hudson da xilogravura, aquela que ilustra os cordéis, uma referência declarada do cara. Gosto mais dessa tendência ao barroco e também a liberdade do artista de trabalhar os símios em suportes diferenciados, como madeiras vazadas(como o "Kill Boy" aí da foto) e compensados, abusando do vermelho (uma obsessão, parece, do artista) e do negro e, em algumas obras, sambando nas cores. Extremamente pop e visceral, o animal salta a vista como quisesse agarrar em seu pescoço.

É possível ver semelhanças, em alguns trabalhos, entre a arte de Hudson e de Speto e dos Gêmeos. Mas, não é cópia. Cada um deles tem traços próprios. O que se vê, na verdade, é uma espécie de sadio canibalismo que ajuda a alimentar e fortalecer o grafite cada vez, uma arte mágica que seduz principalmente aquela geração, ou os filhos destas, que viveu a transição da arte mais tradicional para uma arte mais despojada e que permite a influência dos quadrinhos, da televisão e da internet, do universo pop na criação artística. Gente que quer ver rediviva numa suruba visual e orgiástica Bacon, Matisse, Miró, Mangás, Crepax, Tin tin, Batman e Robin, pop arte e cordel, Pinguim de geladeira e óculos 3D, Michael Jackson, Madonna e Chacrinha, fadas, deuses da mitologia e curupiras, tudo misturado numa arte que fale alto aos olhos e coração. Hudson sabe usar os elementos culturais que o fizeram artista. Esse cara tá no caminho certo e tem tudo para ir longe.

Cinco perguntas pro Magão:

Qual o grande barato da grafitagem?

• O grande barato é o poder de ação, você ser o responsável pela mensagem sem interferência de ninguém! Graffit e liberdade para mim são a mesma palavra!

Como é o movimento dos grafiteiros no Piauí? É uma arte entendida pela comunidade?

• É sempre difícil para pessoas entenderem pela proximidade do graffit com a pixação, mas é bem aceito mesmo assim.O movimento aqui no Piauí é forte, mas bem reduzido. Existe um grupo no qual faço parte chamado feitotinta(www.feitotintacrew.blogspot.com), que é bem atuante. Aqui, a uma luta pela sobrevivência desta arte está praticamente por nossa conta. Existem bem poucas pessoas fazendo street art fora do nosso grupo.

Quais as grandes dificuldades de se fazer street art por aí e quais as recompensas?

• As dificuldades são as informações palpáveis, ou seja, os materiais que dificilmente chegam aqui. Mas a gente se vira. Todos do meu grupo têm oito anos de graffit, então já temos um pouco experiência para se virar, conseguir trampo. Temos que pintar algumas coisas que não queremos, como os trabalhos comerciais. Mas precisamos sobreviver.

Quem é o cara com a caixa na cabeça. De onde vem a inspiração para compor seus personagens?

• O cara com a caixa na cabeça é um pensamento sobre as pessoas que fazem street art em geral. É sobre o desejo e força de fazer algo forte como a arte sem precisar se identificar. Deixar que a minha arte faça parte da vida das pessoas antes de mim, porque isso pra mim é o mais importante. Os meus personagens são frutos primeiramente da minha rotina de observação sobre as coisas. Depois falo um pouco sobre a falta de espaço pra natureza e a invasão dos animais na nossa vida por falta de espaço e milhões de problemas ambientais.

Alguma influência artística em sua vida?

• No geral gosto de uma arte mais simples e inocente, como a arte africana e a mexicana.


Vá no blog do Magão:

www.feitotintacrew.blogspot.com

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra fazer a cabeça

Otto nasceu pro mundo artístico em vôo solo com um belo exercício de modernidade de título provocador. A obra em questão era Samba pra Burro (1998), discaço no qual desbravava, qual um navegador assanhado e febril, novos territórios sonoros. Mestiçagem da boa, um flerte entre a tradição e o novo que se tornou referência para muitos outros músicos bons de bola. O faixa Otto era como um Carlinhos Brown pernambucano, inquieto na experimentação musical, com uma cabeça astronauta funcionando a mil. Quando não estava, é claro, sob a influência da diamba, filosofando palavras soltas, rindo de si mesmo e do mundo. Uma figuraça.

O galego, que deixou muito marmanjo morrendo de inveja quando teve um longo relacionamento com a bela Alessandra Negrini, tinha tirado umas férias. Desde o bacana Sem Gravidade(2003), não gravava nada. Voltou agora, seis anos depois, com Certa Manhã acordei de Sonhos Intranquilos (2009), quarto trabalho de estúdio, que traz sua incontestável assinatura. É uma continuação de seu disco anterior, sereno, fruto de um Otto mais maduro, desenvolto, disposto a assumir descaradamente influências do passado e arriscar passos mais dramáticos e objetivos. Um artista cada vez mais desnudado, corajoso, sem querer vender a imagem de moderninho que marcou o início de sua carreira.

A filosófica “6 minutos”, tamanho real da música, é bem sintomática dessa sua fase atual. Com uma bela melodia, o artista assume um lado despudoradamente passional. A competente guitarra derramada, sinuosa que introduz a composição abre caminho para uma letra rasgada e viajandona. “Nasceram flores no canto de um quarto escuro/ Mas eu te juro, são flores de um longo inverno”, canta Otto com sua voz carregada. É talvez a declaração de renascimento depois do período de reclusão. O artista, um dos pais do mangue beat, nunca foi tão confessional. Sem medo de ser feliz.

Esse Otto romântico, até meio brega, surge solene em outros momentos do álbum. Como na releitura de "Naquela Mesa", clássico incandescente de Sérgio Bittencourt. O artista mantém a dramaticidade da música, hit dos anos 70 do século passado na voz do mítico Nélson Gonçalves, acrescentando um teclado típico do brega nordestino – referência assumida –, tornando ainda mais popular o velho samba canção. Uma delícia. Há também nostalgia em “Saudade”, uma da melhores do álbum, com uma levada de carimbó, percussão e cordas marcadas, sensuais, boa para dançar coladinho. A participação especial da mexicana Julieta Venegas (que também canta na ótima “Lágrimas Negras”) só aumenta o clima caribenho da canção.

Mas, há ecos, mais contidos, daquele Otto do Samba Pra Burro, na busca de sonoridades mais modernas. É o caso da chata “Meu Mundo” e da fantástica “O Leite”, esta última com inserção de toques eletrônicos e batucada, numa mistura sedutora, valorizada cem por cento pela voz da cantora Céu e a letra passional. Como num tango. “Quando eu saí da sua vida, bati a porta / saí morrendo de medo do desejo de ficar”, canta docemente os dois, perfeitamente coadunados. Pra dançar, o artista nos oferece a gostosa “Janaína”, onde reverencia o batuque do candomblé, presente invariavelmente em todos os seus discos, dessa vez com um marcante solo de guitarra, a cargo do instigado Fernando Catatau. Fazem parte ativa da trupe ainda, entre outros, Pupillo e Dengue, baterista e baixista da amiga Nação Zumbi.

Certa manhã acordei de sonhos intranquilos, lançado até agora só na gringa, é um disco instável, sem a vitalidade do debut e de Condom Black (2001), mas ainda assim uma obra com personalidade e bons achados. É raro ver um artista que mantem uma coerência em sua carreira, como Otto. O cara não ta aí pra agradar a crítica de plantão nem os filhinhos do Faustão. Não quer se amaziar com o sucesso, nem ser o guru da nova geração. Quer fazer o que gosta, uma música desapegada, honesta, que tem a ver com seu momento e sua verdade. Esse álbum é assim, verdadeiro e por isso tá aí pra fazer a cabeça de muita gente. Com ou sem diamba.

Cotação: 3

Download ottorizado:

http://www.mediafire.com/?1mjxyzzjdjj

ou:

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