terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conto erótico numa noite de senões

Foi um gozo e tanto. O fim de uma briga e desencontros que começou com o crepúsculo, num bar beiradeiro e fétido, de garçom cheirando a pinga, única testemunha desinteressada de um romance febril e repleto de interrogações. Nós dois discutindo o que é o amor, tentando entender a língua estranha um do outro, procurando legendas para as frases desconexas e ininteligíveis que saíam das bocas mergulhadas em cerveja quente. O desejo havia e pairava e cobrava a cama quente. Não antes de todo aquele tesão resguardado e adormecido por uma disputa infantil na qual éramos gato e rato numa luta sem vencedores, dois estúpidos animais.

Eu a amava e achava que ela tinha que me amar. Dever absoluto. Resposta esperada com fervor a uma ação intensa que bulia incansavelmente com todas as minhas células e minha combalida razão. Assim como um liquidificador que estilhaça a maça em milhões de pedaçinhos, eu por dentro, intranqüilo sem saber se toda aquela ebulição também morava nela. E ela, uma esfinge, intransponível em todos os movimentos, nos olhos sempre fugidios, que teimavam em alcançar os pedintes meus. Se ela dizia sim, eu entendia não. Se tudo ok, mais ou menos. Se queria sexo, cobrava, no fim, carinho. Se carinho, crueza de sentimentos. Poço de inconsistência diante de minha alma completamente aturdida por um turbilhão de dúvidas, afogada na nulidade homicida dela.

Naquele início de noite, no bar malcheiroso, ela pairava irritante ora respondendo com sua mudez ensurdecedora, ora matraqueando em seu intraduzível dialeto africano.

– Você me ama? – Perguntei penitente já sabendo que o troco viria em duas cédulas de sete reais e cinqüenta centavos.
- Porque você sempre me pergunta isso? – Despejava ela, com uma seriedade artificial, deixando tudo abissalmente por isso mesmo. Vácuo profundo.

Idiota, pensava comigo mesmo. Nem ser chamada de idiota ela merecia, aquela vaca, me indispunha, depois, em segredo. Me sentia como um velho garimpeiro, escanhoando com teimosia a pedra dura com um minúsculo canivete atrás de um diamante inexistente, um brilhante que antigas ambições já haviam consumido. Nada havia por debaixo daquela pedra. Nada havia dentro daquele gélido e embaçado coração ali na minha frente, que parecia caçoar insolente de minha raiva. Queria demonstrar desinteresse, ela, como se estivesse fazendo um favor a mim, fustigando cruelmente minha angústia. Sua majestade brincando, para fugir do tédio, com o pobre vassalo. Idiota sou eu, pensava por fim, depois de tanto murro em ponta de faca. Pobre vassalo idiota.

Durante cinco vezes, ela sorriu alto confirmando minha rendição construída dolorosamente, minuto a minuto, naquele ringue biafra. Soberana, ela saiu arrastando seu orgulho e sua insensibilidade, derrubando mesas e copos americanos, chamando a atenção do garçom, comparsa involuntário daquela noite de implacável incomunicabilidade. Eu feito cão sarnento sem dono a segui, dona da situação, equilibrando ódio e fúria domada, no rastro de suas pernas lindamente torneadas por um jeans azul escuro. Ela disse não para a sugestão de minha casa. Entendi como um sim. Fomos direto para minha cama desalinhada.

Outra longa disputa estava pronta para ser travada. Eu, já lanhado, arregimentei forças, amparado dessa vez pelo surdo desejo de tê-la, se não cúmplice de meu amor, pelo menos refém de meus instintos. Briga sem palavras, feita da troca de suor, de uma pele esquadrinhando a outra. Ela, em sua resistência provocadora, esquivava-se resoluta, malandra, de minhas investidas vorazes. Molhada, escorregadia, fingindo espanto e estupor. Como uma virgem temerosa diante do sacrifício. Puta, ela. Talvez quisesse eu, em minha sanha, compensar a frieza polar dos sentimentos dela dando, com todas minhas forças, um choque inesperado e intenso de prazer que talvez a acordasse, que talvez a fizesse ver que o sexo, o sexo puro, era um elogio de minha paixão.

E ele, o sexo, foi se fazendo devagarzinho naquela guerra santa. O desejo desamarrado depois de duas horas de heróica batalha se impôs com seu vigor desenraizado. As pernas dela, antes anteparos, escudos de poderosa liga, dançaram depois em minha direção num balé bêbado. A resistência foi se desfazendo diante da minha imperturbável e quase disciplinada insistência. Meu pau duro riscou suas coxas desenhando paisagens do paraíso, beijando a vontade da moça, ela, enfim, rendida. A buceta dela aberta em todo seu esplendor segredava juras de amor que a dona recusava-se a dizer. A boca, a outra, em direção ao meu ouvido, lambido e displicente, sussurrou então a frase, mínima frase. Dita soletrada com o ardor dos deuses. – Te amo. Foi um gozo e tanto.

Todas as obras de Rubens Gerchman(1942-2008), artista que pintou toda a sensualidade do beijo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eles estão certos

A voz doce e firme de Lisa Von Billerbeck é como um chamado irrecusável à navegação em mares brandos diante de um pôr de sol que tudo pereniza. Foi assim que me senti - do alto de minha pachorra, headphone no ouvido e os pés riscando o Rio Branco no domingo de vento amigo numa calorenta Boa Vista - logo depois da primeira audição do álbum no qual impera a voz da moça de cabelo curtinho da foto aí de cima. As canções folks e acústicas da banda alemão I Might be Wrong em seu segundo trabalho, Circle the Yes(2009), me provocaram um certo niilismo, uma vontade de se abandonar diante da leveza pop e melódica do grupo. É como se repente Lisa fosse uma Elizabeth Fraser, da psicodélica e inesquecível Cocteau Twins, teletransportada para os anos 2000 em ataques de franca alegria.

Circle the Yes é um álbum de pura suavidade e pouca gravidade. Lisa Billerbeck flutua soberana nas canções, domando com destreza as guitarras acústicas, quase sempre dedilhadas, e o baixo e bateria discretos que amplificam ainda mais o clima de delicadeza do CD. A vocalista é a grande força motriz de toda essa história.“A Propos” tem, por exemplo, a pegada cool que me fez lembrar, voltando novamente a década de 80 do século passado, o exercício jazzy dos ingleses do Style Council. “A Penny for Your Thoughts” tem construção melódica precisa, arrematada por um belo piano. A mais animada “Jalopy” com sua guitarra meio “oitentista” mostra que os berlinenses têm instrumentos afiados e coerência na proposta musical que arranha o psicodelismo e abraça forte o dream pop, gênero marcado pela atmosfera solar.

Acredito que muitos vão achar o disco da banda alemã cansativo, até meio chato. Talvez porque o álbum é irritantemente coerente e homogêneo em seu conceito de fazer um som açucarado e melodioso, sem reviravoltas, microfonias ou invencionices. Mas, nem de longe Circle the Yes chega a ser enjoativo. Dentro de sua homogeneidade há variações – sutis ou até mesmo mais escancaradas – que podem ser sentidas, dependendo, é claro, da boa vontade e da cultura musical do ouvinte. Em “Checov”, por exemplo, uma linda introdução de guitarra convida Lisa para uma canção quase falada, sensual e provocativa. “Salomon”, para mim uma das melhores do disco, dosa tristeza e energia vital com equilíbrio, deixando aquela sensação que nos propicia a mistura excitante do doce e salgado na boca.

Li em algum lugar, não lembro onde exatamente, o texto de alguém buscando uma comparação entre o som da banda alemã e os experimentos sonoros do aclamado Radiohead, que compôs a música “I Might be Wrong”. A marcante música de Thom Yorke pode até ter sido a inspiração para o nome do grupo de Berlin e sugere a tentativa de aproximações, mas não há muitas intersecções entre um e outro. “Woodpecker” com sua bateria dura em contraste com a guitarra mais sinuosa pode até sugerir alguma semelhança entre os dois. Mas, Circle The Yes é um trabalho calcado na linda voz de Lisa Von Billerbeck e em um instrumental menos barroco e complexo, amparado basicamente na leveza e em melodias mais diretas. Nesse sentido, a banda sabe ser objetiva e faz bem seu dever de casa.

Cotação: 4

Confira se estou certo em minha avaliação:

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sábado, 17 de outubro de 2009

Te vejo flores em você

Sempre defendi a tese de que a gentileza é um dos grandes remédios para curar os males desse nosso castigado mundo. O velho e amigo “bom dia” jogando o tapete vermelho para o sorriso cordial da pessoa do outro lado, o pedido de desculpas na hora certa, desarmando rancores e raivas gratuitas, o “como vai você?” dito com sincero interesse... tudo isso faz uma doce diferença, ainda que resistamos a esse tipo de grandeza. E isso não é “coisa de viado” como poderiam sustentar os duros de coração. Gentileza é simplesmente um gesto límpido de humanidade. Ah, e como estas atitudes se mostram cada vez mais essenciais nessa era de chumbo e ácido...

A música é também uma gentileza para os ouvidos quando chega robusta e com brilho próprio ou mesmo inquieta e provocadora, buscando uma cadeira cativa em nosso coração. Todo esse prólogo foi inspirado, na verdade, por uma banda curitibana que se chama exatamente Gentileza. O grupo me chegou sem apresentação. O nome curioso, por tudo aquilo que escrevi antes beirando até à pieguice, me chamou logo a atenção. Botei o cd da turma na vitrolinha e me surpreendi com o que ouvi: uma sonoridade plural que ora lembra os cariocas dos Los Hermanos, ora remete aos emergentes candangos do Móveis Coloniais de Acajú e até mesmo a leveza sinfônica, com elementos do leste europeu, do ícone Beirut.

O sexteto curitibano faz no álbum Gentileza (2009)um som que desafia classificações. No meio do tsunami de influências no qual cada um dos seis jovens integrantes são chacoalhados, o resultado sonoro não poderia sem mais democrático e encantador. Poderia-se dizer que Gentileza é uma banda de rock e de MPB, ou um híbrido com toda a liberdade desses dois gêneros sem a pretensão, diga-se de passagem, de ser exato nessa definição. É legal ouvir ecos de Los Hermanos – uma comparação inevitável que o vocalista Heitor Humberto (também guitarra, violino e cavaquinho) já chamou de preguiçosa – na bolerosa e interessante “Coracion”, com seu arranjo de metal precioso.

Fugindo da indesejável – para a banda – comparação, a trupe capitaneada por Heitor e cimentada por Artur Lipori (trompete, guitarra, baixo, kazuo), Diego Perin (baixo, concertina), Diogo Fernandes (bateria), Emílio Mercuri (guitarra, violão, viola caipira, ukelele, backings) e Tetê Fontoura (saxofone, teclado) passeia por outras praias. Escute, por exemplo, o violino e metais típicos do leste europeu, presentes também em algumas criações do Móveis Coloniais, sonoridade que tempera ainda “Afinal de Contas”, essa condimentada pela música brega nordestina, com direito a citação literal de uma frase de música do Reiginaldo Rossi.

Os meninos e menina da banda são francamente generosos nessa estréia. Oferecem um leque amplo de gêneros musicais aos ouvintes. Seduzem na ótima “O Estopim”, com sua cadência circense e exercício a la Nino Rota. São ainda brejeiros no pouco inspirado rock rural “Teu Capricho, meu Despacho” e atacam com toda simpatia do mundo no pseudo ska “33B” e até de baticum na super bem humorada “Preguiça”, que, se é preguiçosa na melodia inspirada nos sambinhas antigos se supera na bem engendrada letra. Nesse hino à vagabundice, Heitor, com sua voz pequena, diverte a gente: “Minha vida é quase esteira ergométrica / Eu ando e ando e não chego a lugar algum(...) E dessa forma só lamento a minha preguiça, mas fazer nada é uma delícia/ Se for pra mim, diga que não estou”.

As boas letras são, aliás, um dos grandes trunfos desse disco bem intencionado. Rimas e construções poéticas inteligentes valorizam as composições, como na já citada “O Estopim”, de refrão memorável: “Pois o estupor foi o estopim de todo esse horror que se instalou em mim/ Mas, se alguém falou, eu nada ouvi. E por não pôr tudo a perder, tudo perdi”. Ou ainda em “Coracion”: “Meu coração anda contente, já faz tempo que não sente/ Já faz tempo que não bate. Eu bato nele, ele consente/ Eu sinto muito disparate em que ele não dispare, quando você está presente”. São boas sacadas que compensam algumas derrapadas como no samba gramatical “Maior com Sétima” e no dispensável e bobo funk “Pseudo Eu”. De qualquer forma, uma estréia excepcional de um grupo que tem gana e potencial de surpreender ainda mais.

Cotação: 3

Faça a gentileza:

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Abba is not dead

Espalhafatosos e pretensamente glam, o Abba(o quarteto fantástico aí do lado) saiu da fria Suécia para conquistar o mundo nos fins dos anos 70 e início dos anos 80. Disco e pop até a tampa, o grupo fez metade da humanidade dançar com babas irresistíveis como “Dancing Queen”, “Honey, Honey” e “Fernando”. Mas, mamma mia, quem poderia imaginar que o som bregoso dos suecos fosse resistir ao século 20? E ainda gerar filhotes nas décadas seguintes. Pois é, os tais escandinavos deixaram um grande rastro de fãs, hoje na faixa dos 40 e 50 anos, e alguns seguidores que transformaram a influência em música. Aliás, boa música. Estamos falando de Music Go Music.

Quem tem saudade dos suecos podem dar agora uma sobrevida a antiga paixão. Music Go Music é um trio californiano que cometeu um álbum, o primeiro do grupo, que traz claramente a marca e o estilo do Abba. Synth pop pras pistas carregado de romantismo e melodias inspiradas, o álbum segue a linha revivalista que está se tornando uma característica da música feita nessa década. Quem diria, o futuro, parece, está no passado tal a quantidade de bandas que vão beber em vigorosas fontes que brotaram em outras épocas. Umas dão com a cara no muro, outras mostram que aprenderam bem a lição. Neste caso específico, Music Go Music se lambuzou na onda retrô e se deu muito bem no bacana Expressions (2009).

A banda californiana é formada por Gala Bell(voz), Kamer Maza(teclado) e Torg(baixo). Os dois primeiros, na realidade, são pseudônimos de Meredith e David Metcalf, mulher e marido por trás do bom grupo Bodies of Water. Music Go Music é um projeto paralelo onde o casal e Torg deságuam seu amor pela disco pop que arrastou tanta gente em outros tempos. O trio abusa do sintetizador e da bela e afinada voz de Meredith Metcalf, cujo timbre lembra realmente, como já foi citado pela crítica, Debby Harry. Ela esquenta popices como a deliciosa “Light of Love”, musiquinha dançante que já está no ipod de muitos europeus. É Abba puro. Repare no teclado que introduz a música e no corinho feminino melodioso e diga o contrário se for capaz. Os ecos da banda sueca podem ser ouvidos ainda na bem legal “I Walk Alone” com seu poderoso refrão e na animadíssima “Explorers of the Love”, com sua bateria e teclados monolíticos que fazem a cama para a vocalista invocar o sol e os mais afoitos a assumirem a pista de dança.

Mas, não podemos ver Music Go Music e esse Expressions como um simples decalque de Abba. Em muitas composições temos os elementos e diferenciais de quem afinal vive no século 21 e deixa-se levar saudavelmente por outras influências sonoras. O psicodelismo, por exemplo, mostra as asinhas na climática “Love, Violent Love” e na ótima “Reach Out”, com o trio pesando um pouco mais a mão na guitarra e baixo que dividem espaço com um sintetizador ora onírico ora selvagem, alternando o andamento que torna a música um verdadeiro achado.

Tão inspirada quanto “Reach Out” é a longa (nove minutos!) “Warm in the Shadows”, com bela melodia e memorizável refrão. As duas são provas incontestes de que o retrô pode muito bem ser trabalhado com frescor, sem parecer um mero deja vu. Music Go Music conseguiu essa mágica e fizeram de Expressions(cuja capa é aterradora, como podem ver aí do lado) um revival vigoroso e sem cheiro de mofo de um período em que a galera se esbaldava nos salões de dança sem medo do futuro. Álbum certeiro para animar gregos e troianos. Abbrace sem preconceito. Abba is not dead.

Cotação: 4

Go Music Go:

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os xx da questão

Jovens adoram falar de sexo. Naquilo que o ato tem de mais frugal. Relacionamentos rápidos na cama, o próximo ou a próxima da lista. Flashes de uma noite mais tórrida para os ouvidos atentos dos espectadores que esperam a sua vez de contar a própria e talvez mais espetacular experiência. Vida legalizada esta. O gozo e o suor transpiram na conversa apimentada da galera Ipod, que imagina às vezes poder tudo. Pode mesmo? The xx é tipicamente uma banda dessa geração mais desencucada, que abre o verbo e a garganta para falar de coisas tão pessoais e intensas, contadas até algumas décadas atrás em voz baixa, segredada.

Talvez por isso tenham virado a sensação do momento entre aqueles mais modernos e antenados, que vivem intensamente a liberalidade que os novos padrões comportamentais possibilitaram e respiram a forte maresia criada pelo up grade tecnológico produzido nos últimos anos. Cidadãos desse admirável mundo novo. Questão mesmo de identidade de discurso e de vivência cotidiana. Os quatro integrantes, com idade próxima dos 20 anos, fizeram da estréia, XX(2009) uma espécie de carta de apresentação singela, repleta de letras sensuais e sobre relacionamentos amorosos, tudo com uma levada elegante, minimalista que caiu no gosto da crítica.

Sabe aquela banda que chega sem fazer barulho e vai conquistando devagarzinho os amigos, depois o quarteirão, a cidade e, quando menos percebe, está sendo citada pelos formadores de opinião em todo o país. Pois é, como quem não quer nada, The xx (eles assinam assim, com letras minúsculas) armou-se de influências que vão do rithym’n’blues, góticos e ícones como Young Marble Giants, essa uma referência declarada, para fazer um álbum leve e envolvente.

Para seduzir os corações, os quatro ingleses, dois homens e duas mulheres, amparam-se em uma linha de baixo e guitarra simples e repetitiva. O dedilhado cool acompanha boa parte das composições como na grudenta "Crystalised", com introdução climática das cordas, que lembra a ótima banda Interpol, e um refrão de singelo lalalaiá que fica lálalaiá rodopiando, insistente, em sua cabeça. Utilizam-se ainda de uma boa solução vocal, no duo de uma voz masculina e feminina, respectivamente a do baixista Oliver Sim, mais soturna, e a da guitarrista Romy Croft, bem Lolita, num instigante contraste.

O bom diálogo entre os dois vocalistas produzem alguns momentos sublimes, como na triste e linda “Infinity”, na qual Romy e Oliver carregam no tom sensual, ou na mais pra cima “Heart Skipped a Beat”, onde esquentam o arranjo minimalista, cheio de batidinhas eletrônicas bem sem-vergonhas, mas que não comprometem o todo. Na letra, promessas de prazeres indizíveis: “Não diga que está acabado/eu poderia fazer você se sentir como nunca se sentiu antes”. Essa carga de sexualidade está presente em outras canções como em “Island”, onde o duo se diz, na letra, paralisado pelo desejo.

Com seu debut, The xx não inventou a roda, mas foram espertos o suficiente para criar um disco que conversa com um público mais sensível. Usam e abusam do intimismo e dessa coisa que mexem com todos, que é a sensualidade. E com talento na elaboração de melodias que beiram o pop, sem perder de vista platéias mais exigentes. Resta saber se o hype vai deixar de ser momentâneo e se configurar, lá na frente, em um som mais perene. Inteligência para isso, a molecada mostrou que tem de sobra.

Cotação: 4

O xx da questão:

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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Hora de fazer história

O Cine Brasília é um dos grandes templos da cultura na capital federal. Palco de empolgantes festivais de sétima arte que marcaram a história brasileira, o belo prédio de formas arredondadas resistiu à pressão das igrejas canibalescas, devastadoras incansáveis de tradicionais salas de cinema, e aos governos desastrosos e burros que sempre viram a arte como uma necessidade menor do ser humano. Pobres governos. Há algum tempo, aquele espaço é vítima do descaso imperdoável do poder público.

Corações valentes fazem hoje sua defesa. Meu grande amigo Doriva, de Brasília, faz parte de uma frente de resistência para salvar o Cine Brasília. Guerreiros bons de batalha, ele e seus amigos de fé convidam a comunidade para participar de um ato para descortinar o esquecimento ao qual aquele soberbo cinema foi relegado. Hora de por a consciência na rua. Doriva pediu para divulgar aqui a convocação. E esse pedido é, para mim, grande parceiro, uma ordem.

Segue a convocação:

Amigos (as),
No dia 08 de outubro, quinta-feira, às 16h, realizaremos (Adeilton Lima, Wellington Abreu, Walter Sarça e Doriva) mais uma ação artística na rua. A proposta é empacotar o Cine Brasília com sacos de lixo, numa espécie de abraço. Quem quiser se somar a nós, é só chegar.
Os espaços culturais de Brasília estão sucateados! O Cine Brasília é símbolo da cultura brasiliense e mais uma vez será maquiado para receber o Festival de Cinema/2009, enquanto o Secretário de Cultura anuncia que vai antecipar o edital do FAC de 2010, considerando que sequer divulgou os contemplados de 2009 ou zerou os pagamentos dos editais anteriores. Em defesa de nossa cidade e de nossos artistas e devido ao fato de o governo até aqui não ter apresentado sua política cultural para a cidade, voltaremos à rua para mostrar à sociedade que mais uma vez o governo Arruda e o seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, blefam.
Na ação, cobriremos as duas placas do cinema com plástico preto.

Adeilton Lima
92399644
Doriva Brandão
8492 8158
Wellington Abreu
9629 9516

domingo, 27 de setembro de 2009

Não ignore este álbum

Era uma vez três porquinhos que num certo dia encontraram o lobo feroz e aí...montaram uma banda de rock. Na verdade, os porquinhos já tinham uma banda, o lobo chegou apenas para dar a dinâmica, poesia e a consistência que faltava aos três irmãos. Os brothers no caso são o guitarrista e vocalista Ryan Jarman, o baixista e também vocalista Gary e o baterista Ross. O lobo é, nada mais nada menos, que Johnny Marr, que veio para bagunçar o coreto, para dar uma sacudida no som dos caras e ajudar a fazer de Ignore the Ignorant (2009) o melhor álbum da curta discografia dos ingleses conhecidos como The Cribs.

The Cribs havia lançado três álbuns, todos metidos a engraçadinhos e com aquela sonoridade pueril de quem parecia não ter um norte, um foco. Muita música festiva, tiros para todos os lados e uma forte impressão de algo estava faltando na arquitetura torta montada pelos irmãos. Somente com o penúltimo de seus trabalhos, o bom Men's Needs, Women's Needs, Whatever(2007), os ingleses entraram nos trilhos. Alex Kapranos, o band leader da ótima Franz Ferdinand e produtor do álbum, contribuiu para aquele que parece ter sido o ponto de partida da maturidade da banda.

Com Ignore the Ignorant, o grupo passa um recadinho para os críticos, do tipo: olha estamos dispostos a ser considerados como uma banda realmente promissora. Parte dessa assunção tem a ver com Johnny Marr (veja ele aí na foto ao lado), para quem não conhece, a cara metade de Morrissey naquela que foi uma das grandes bandas de rock – talvez a mais autoral – dos anos 80, The Smiths. Marr emprestou sua guitarra competentíssima para que o último do The Cribs crescesse em peso, inspiração e ótimos riffs e solos daquele instrumento que é alma do som que fazem. Eles são assumidamente uma guitar band e, tendo no elenco, o grande Marr, estão com meio caminho andado para fazer um belo álbum.

E Ignore the Ignorant é realmente um excelente trabalho. Johnny e sua guitarra agregaram inspiração melódica a The Cribs, mantendo o frescor juvenil que o grupo vendia antes. Há uma moldura garageira tangenciando todas as composições, que conseguem, na maioria delas, manter um bom padrão de excelência. E olhem que isso hoje em dia é muito raro. “We Were Aborted” e a música de trabalho “Cheat on Me” abrem o disco com efervescência e vigor, dando as cartas para o que vai vir na sequência: canções alegres, alto astral, com melodias inteligentes e refrões, desculpem o chavão, grudentos.

Impossível não ressaltar: a guitarra de Marr, mais alucinada e liberta, dialoga com perfeição com a de Ryan Jarman. As duas abrilhantam ainda mais as ótimas “City of Bugs”, uma das melhores do disco com uma bateria repetindo batida marcial para as cordas consonantes dos caras, e “We Share The Same Skies” e “Nothing”, essas duas com ecos dos anos 80 e refrões marcantes. O disco abre generoso espaço para os solos de guitarra, principalmente de Marr, que só reforça a qualidade de sua impecável arte. Outro destaque é a “engajada”, "Victim of Mass Production", que critica aqueles que só conseguem surfar na onda do modismo: “Ele só consegue usar aquilo que vê nas revistas, ele é uma vítima da produção em massa”, numa livre tradução da letra que conta com um riff ensandecido de Marr.

O disco tem umas pequenas derrapadas, como a balada “Save your Secret”, “fofinha” demais a meu ver, e “Stick to your Guns”, além da capa tosca e de mau gosto(essa aí do lado), mas que não tiram os méritos desse que é um dos melhores álbuns de rock do ano. Não ignore “Ignore the Ignorant” com o seu frescor que salta de cada inspirada música. Biscoito finíssimo, este é um eficiente disco de rock'n'roll que pode fazer seu dia mais alegre e pulsante.

Cotação: 5

Quer ouvir? Vá:

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ou

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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Macacos me mordam!

Já faz um tempinho que o grafite vem ganhando merecido espaço no mundo da arte dita erudita. Muito bacana isso. Sinal dos tempos e uma vitória promissora contra o preconceito, esse cancro que insiste em puxar a humanidade pra baixo. Grafite é arte sim, dependendo, é claro, do talento e da grandeza do coração de quem empunha as latinhas de spray. Aí você vê a moderna pintura dos muros das grandes cidades, grafiteiros com muito a dizer, ex-moleques urbanos dividindo, com sua nova maturidade, espaço com telas de gente renomada, consagrando-se assim também. Aqui, não cabe a palavra pixação no que isso tem de mais abusivo, mas sim no que ela tem de mais abrasivo, incandescente. Mudou até de nome, nesse caso. Virou grafitagem.

No Brasil artistas como Speto e Os Gêmeos (obra abaixo), só para citar os mais conhecidos, romperam fronteiras e conquistaram a crítica mundial. Emprestam sua arte para muros de museus, de fábricas, de casas e indústrias planeta afora, tornando o cenário caótico de muitas cidades mais alegre e espirituoso. Em comum esses caras tem a reinvenção da figura do homem, que na ponta da latinha, transformam-se em personagens de olhos esbugalhados ou de rostos quadrados e amarelos. Uma encruzilhada de quadrinhos e elementos pops criando universos novos e fantasiosos ou mesmo reforçando a crueza da realidade em um estupendo e contrastante colorido.

Hoje conheci mais um artista do grafite com envergadura próxima a de Speto e dos Gêmeos. Seu nome é Hudson Melo, o Magão(olha o cara na foto ao lado), um piauiense radicado em Teresina que usa a técnica da grafitagem e desenvolve projetos com toy art. Garoto talentoso que baixou, qual exu do bem, com sua arte provocadora e lúdica no superbacana espaço cultural do Sesc Mecejana aqui em Boa Vista, numa visita relâmpago. Foi uma das atrações dos projetos Cruviana e Overdoze (ótimo nome esse), este último responsável por uma bem vinda maratona de doze horas de música, pintura, teatro e dança para a galera macuxi. Hudson bem que podia ter tido mais espaço na imprensa local. Merecia.

Pouco mais de uma dezena de obras do artista piauiense Magão iluminaram uma das paredes da sala de exposições. Como acontece com os artistas que trabalham com grafite, ele tem personagens recorrentes, como se fossem uma marca ou assinatura própria. Um deles é um histriônico magrelo com uma caixa de papelão na cabeça, um avestruz cosmopolita, anônimo como milhares cidadãos das metrópoles que passam pela gente e a gente nem vê. O espadaúdo mora, dentro da exposição, em um cenário quase monocromático, com elementos circenses e traços rústicos que remetem claramente ao grafite puro, direto.

O outro personagem é um macaco, desenhado com traços mais refinados e que aproxima o trabalho de Hudson da xilogravura, aquela que ilustra os cordéis, uma referência declarada do cara. Gosto mais dessa tendência ao barroco e também a liberdade do artista de trabalhar os símios em suportes diferenciados, como madeiras vazadas(como o "Kill Boy" aí da foto) e compensados, abusando do vermelho (uma obsessão, parece, do artista) e do negro e, em algumas obras, sambando nas cores. Extremamente pop e visceral, o animal salta a vista como quisesse agarrar em seu pescoço.

É possível ver semelhanças, em alguns trabalhos, entre a arte de Hudson e de Speto e dos Gêmeos. Mas, não é cópia. Cada um deles tem traços próprios. O que se vê, na verdade, é uma espécie de sadio canibalismo que ajuda a alimentar e fortalecer o grafite cada vez, uma arte mágica que seduz principalmente aquela geração, ou os filhos destas, que viveu a transição da arte mais tradicional para uma arte mais despojada e que permite a influência dos quadrinhos, da televisão e da internet, do universo pop na criação artística. Gente que quer ver rediviva numa suruba visual e orgiástica Bacon, Matisse, Miró, Mangás, Crepax, Tin tin, Batman e Robin, pop arte e cordel, Pinguim de geladeira e óculos 3D, Michael Jackson, Madonna e Chacrinha, fadas, deuses da mitologia e curupiras, tudo misturado numa arte que fale alto aos olhos e coração. Hudson sabe usar os elementos culturais que o fizeram artista. Esse cara tá no caminho certo e tem tudo para ir longe.

Cinco perguntas pro Magão:

Qual o grande barato da grafitagem?

• O grande barato é o poder de ação, você ser o responsável pela mensagem sem interferência de ninguém! Graffit e liberdade para mim são a mesma palavra!

Como é o movimento dos grafiteiros no Piauí? É uma arte entendida pela comunidade?

• É sempre difícil para pessoas entenderem pela proximidade do graffit com a pixação, mas é bem aceito mesmo assim.O movimento aqui no Piauí é forte, mas bem reduzido. Existe um grupo no qual faço parte chamado feitotinta(www.feitotintacrew.blogspot.com), que é bem atuante. Aqui, a uma luta pela sobrevivência desta arte está praticamente por nossa conta. Existem bem poucas pessoas fazendo street art fora do nosso grupo.

Quais as grandes dificuldades de se fazer street art por aí e quais as recompensas?

• As dificuldades são as informações palpáveis, ou seja, os materiais que dificilmente chegam aqui. Mas a gente se vira. Todos do meu grupo têm oito anos de graffit, então já temos um pouco experiência para se virar, conseguir trampo. Temos que pintar algumas coisas que não queremos, como os trabalhos comerciais. Mas precisamos sobreviver.

Quem é o cara com a caixa na cabeça. De onde vem a inspiração para compor seus personagens?

• O cara com a caixa na cabeça é um pensamento sobre as pessoas que fazem street art em geral. É sobre o desejo e força de fazer algo forte como a arte sem precisar se identificar. Deixar que a minha arte faça parte da vida das pessoas antes de mim, porque isso pra mim é o mais importante. Os meus personagens são frutos primeiramente da minha rotina de observação sobre as coisas. Depois falo um pouco sobre a falta de espaço pra natureza e a invasão dos animais na nossa vida por falta de espaço e milhões de problemas ambientais.

Alguma influência artística em sua vida?

• No geral gosto de uma arte mais simples e inocente, como a arte africana e a mexicana.


Vá no blog do Magão:

www.feitotintacrew.blogspot.com

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra fazer a cabeça

Otto nasceu pro mundo artístico em vôo solo com um belo exercício de modernidade de título provocador. A obra em questão era Samba pra Burro (1998), discaço no qual desbravava, qual um navegador assanhado e febril, novos territórios sonoros. Mestiçagem da boa, um flerte entre a tradição e o novo que se tornou referência para muitos outros músicos bons de bola. O faixa Otto era como um Carlinhos Brown pernambucano, inquieto na experimentação musical, com uma cabeça astronauta funcionando a mil. Quando não estava, é claro, sob a influência da diamba, filosofando palavras soltas, rindo de si mesmo e do mundo. Uma figuraça.

O galego, que deixou muito marmanjo morrendo de inveja quando teve um longo relacionamento com a bela Alessandra Negrini, tinha tirado umas férias. Desde o bacana Sem Gravidade(2003), não gravava nada. Voltou agora, seis anos depois, com Certa Manhã acordei de Sonhos Intranquilos (2009), quarto trabalho de estúdio, que traz sua incontestável assinatura. É uma continuação de seu disco anterior, sereno, fruto de um Otto mais maduro, desenvolto, disposto a assumir descaradamente influências do passado e arriscar passos mais dramáticos e objetivos. Um artista cada vez mais desnudado, corajoso, sem querer vender a imagem de moderninho que marcou o início de sua carreira.

A filosófica “6 minutos”, tamanho real da música, é bem sintomática dessa sua fase atual. Com uma bela melodia, o artista assume um lado despudoradamente passional. A competente guitarra derramada, sinuosa que introduz a composição abre caminho para uma letra rasgada e viajandona. “Nasceram flores no canto de um quarto escuro/ Mas eu te juro, são flores de um longo inverno”, canta Otto com sua voz carregada. É talvez a declaração de renascimento depois do período de reclusão. O artista, um dos pais do mangue beat, nunca foi tão confessional. Sem medo de ser feliz.

Esse Otto romântico, até meio brega, surge solene em outros momentos do álbum. Como na releitura de "Naquela Mesa", clássico incandescente de Sérgio Bittencourt. O artista mantém a dramaticidade da música, hit dos anos 70 do século passado na voz do mítico Nélson Gonçalves, acrescentando um teclado típico do brega nordestino – referência assumida –, tornando ainda mais popular o velho samba canção. Uma delícia. Há também nostalgia em “Saudade”, uma da melhores do álbum, com uma levada de carimbó, percussão e cordas marcadas, sensuais, boa para dançar coladinho. A participação especial da mexicana Julieta Venegas (que também canta na ótima “Lágrimas Negras”) só aumenta o clima caribenho da canção.

Mas, há ecos, mais contidos, daquele Otto do Samba Pra Burro, na busca de sonoridades mais modernas. É o caso da chata “Meu Mundo” e da fantástica “O Leite”, esta última com inserção de toques eletrônicos e batucada, numa mistura sedutora, valorizada cem por cento pela voz da cantora Céu e a letra passional. Como num tango. “Quando eu saí da sua vida, bati a porta / saí morrendo de medo do desejo de ficar”, canta docemente os dois, perfeitamente coadunados. Pra dançar, o artista nos oferece a gostosa “Janaína”, onde reverencia o batuque do candomblé, presente invariavelmente em todos os seus discos, dessa vez com um marcante solo de guitarra, a cargo do instigado Fernando Catatau. Fazem parte ativa da trupe ainda, entre outros, Pupillo e Dengue, baterista e baixista da amiga Nação Zumbi.

Certa manhã acordei de sonhos intranquilos, lançado até agora só na gringa, é um disco instável, sem a vitalidade do debut e de Condom Black (2001), mas ainda assim uma obra com personalidade e bons achados. É raro ver um artista que mantem uma coerência em sua carreira, como Otto. O cara não ta aí pra agradar a crítica de plantão nem os filhinhos do Faustão. Não quer se amaziar com o sucesso, nem ser o guru da nova geração. Quer fazer o que gosta, uma música desapegada, honesta, que tem a ver com seu momento e sua verdade. Esse álbum é assim, verdadeiro e por isso tá aí pra fazer a cabeça de muita gente. Com ou sem diamba.

Cotação: 3

Download ottorizado:

http://www.mediafire.com/?1mjxyzzjdjj

ou:

http://www.4shared.com/file/129755990/280b39c1/Otto_-_Certa_Manha_Acordei_De_Sonhos_Intranquilos__2009_.html

domingo, 13 de setembro de 2009

Vendo corações partidos

A dor de cotovelo é tão antiga quanto à humanidade. Desde que o homem começou a raciocinar e a amar, desde que do outro lado da ponte havia alguém do sexo oposto, ou do mesmo sexo, disposto a um relacionamento amoroso, o coração sempre correu riscos. Pobre dele. E quando as decepções amorosas surgem, quem já passou por elas sabe, nascem dores abissais, certificados de fracasso e angústia pendurados na parede da alma. Mas, como, a gente também tem o dom do renascimento tão forte quanto à propensão a dor, fomentamos, mesmo nadando num vale de lágrimas, a vital esperança.

Esse sentimento de perda contraposto a luz no fim do túnel é o combustível aditivado de The First Days of Spring(2009), o segundo trabalho, depois de Peaceful, The World Lays Me Dow(2008), de Noah and the Whale, uma banda que está conquistando cada vez mais espaço entre os indies. O álbum, coeso em sua proposta, parece ter sido engendrado por alguém que estava passando por um profundo perrengue sentimental. Vai ver Charlie Fink, vocalista e principal compositor da banda, estivesse vivendo uma daquelas desilusões amorosas cinematográficas e o que é melhor, para nós ouvintes, disposto a reparti-la com o mundo.

The First Days of Spring é assim um belo e melancólico testemunho de corações partidos, mas dispostos, em algum momento, a começar tudo de novo. A sonoridade é folk resvalando aqui e ali em tons orquestrais que só ampliam a intensidade das canções. Pelo menos uma delas, “Instrumental I” tem uma roupagem mais clássica, meio épica e próxima à erudição, com coro de orquestra e cordas e metais ensaiando pompa. Uma melodia que parece ter se inspirado na parte dedicada à primavera da famosa sinfonia “As Quatro Estações”, do italiano Antonio Vivaldi. Seu andamento febril evoca fortemente domingos de sol, piqueniques e crianças alegres correndo no gramado.

A grandiloqüência daquela música não é, porém, lugar comum neste trabalho do grupo londrino. O álbum de Noah and The Whale flerta mesmo é com a melancolia, mas sem ser, antes que isso espante aqueles que fogem de sons mais delicados e downtempo, estupefaciente. É uma tristeza tratada com ternura, com a abertura para uma virada de sentimentos e postura citada no início desta resenha. “The First Days of Springs”, a música que dá nome ao CD, por exemplo, começa marcial, com um tambor monolítico, e segue com uma linda melodia que, num crescendo, desaba em arranjo orquestral clareando um cenário que pendia para o glacial.

“Our Window” utiliza-se de um piano tristíssimo, em compasso preguiçoso, chamando a cumplicidade de um violão emotivo e de uma bateria doce e sossegada. A bonita composição rivaliza, em inspiração melódica e arranjo consistente, com “Blue Skies”, que ganhou um clipe e espaço nos hds da galera antenada com a boa música indie. “Esta é uma canção para qualquer um que tenha o coração partido”, avisa Fink, abrindo lá na frente um clarão de esperança e alegria: “Céus azuis estão chegando”. Corinho e pandeiro hippie ajudam a criar uma imagem positiva para acalentar aqueles feridos e desterrados pelo amor.

Os corações destruídos voltam na mediana “My Broken Heart", cujo grande problema é sua vocação para a monotonia, temática e sonora, depois de quatro músicas incandescentes e apaixonadas. Talvez, seja isso na verdade, o que incomoda um pouco no álbum. Essa coesão conceitual, centrada na perda amorosa, e o abuso de violões dedilhados e pianos açucarados dão canseira em certos momentos da audição. Não tiram, contudo, o mérito de uma obra densa, introspectiva e com honestidade poética. O talento de Noah and the Whale para a criação de canções de forte apelo dramático torna-se aqui evidente. Quem sabe no próximo disco, com todos do grupo vivendo grandes amores, tenhamos um trabalho com uma carga de otimismo transformada em canções para dançar sob o sol.

Cotação: 3

Junte os caquinhos:

http://www.mediafire.com/?wwzznymxzzw

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Asas aos sonhos

Milhares de balões coloridos levando um velho rabugento e uma criança rumo a um antigo sonho. Uma história com sabor de clássico e que lembra o otimismo impresso com toda ternura nas películas de Frank Capra. Esta foi a primeira sensação que me deixou Up – Altas Aventuras, a mais recente mostra de virtuosismo técnico e emocional da parceria Pixar/Disney. Feito também em 3D, a atual obsessão dos estúdios de animação, o fabuloso longa-metragem vende magia, lições de moral e preciosismo em doses democráticas. Diversão feita com esmero e inteligência.

Difícil, para quem não tem preconceitos com qualquer gênero cinematográfico, não gostar de um desenho animado de tamanha boa intenção e pretensão artística. Ainda mais quando o roteiro, simples e inventivo, tem elementos de sobra para encantar crianças e adultos, mesmo utilizando-se de lugares mais que comuns. Lá estão o velho castigado pelas inevitáveis perdas provocadas pelo impiedoso tempo e a criança em estado puro de energia, representação icônica do novo e da esperança. Os dois com níveis de expectativas diferentes na vida, mas que se encontram em torno de uma mesma paixão que os vai unir: o desejo pela aventura.

Essa intersecção se dá de forma inesperada na bem bolada história com jeitão de fábula urbana. Carl Fredricksen, um ex-vendedor de balões de 78 anos que perdeu o bom humor depois que a esposa faleceu, dá asas, por uma circunstância fatal, a um sonho que o tempo se encarregou de frustrar: morar no topo de uma montanha na América do Sul marcada por uma imensa cachoeira. O local é um paraíso quase mítico que o homem nunca conseguiu alcançar. Suas asas são incontáveis balões coloridos que transformam a casa em que viveu com sua única mulher num histriônico dirigível. Voar é a chave para a fábula aventureira.

Aqui entra o contraponto que vai gerar o conflito emocional e toda a afetividade presentes no filme. Inesperadamente, Fredricksen é obrigado a levar um “fardo” na sua surpreendente viagem em direção ao desconhecido, o garotinho Russel, um escoteiro com traços nipônicos cujo sonho, por sua vez, é ganhar um distintivo. É a única premiação que falta na coleção do menino para que ele ganhe a honra de ser, na hierarquia do escotismo, um “grande explorador”. A química dos sonhos acaba abrindo as portas no filme para um relacionamento antes marrento, mas depois terno e altruísta.

Esse é resumidamente o mote da animação que, lá na frente, apresenta o vilão da história, uma surpresa para o espectador. No meio de um tiroteio de interesses divergente vividos pelos personagens, Up – Altas Aventuras, dirigido por Pete Docter(Mostros S.A), é construído de momentos tocantes e bem humorados. Não faltam mensagens ecológicas e de companheirismo numa trama lúdica que ganha a platéia exatamente por não complicar o meio de campo. Tudo ali está muito objetivo, palpável e sólido como a impressionante técnica em 3D desenvolvida pela Pixar, a mesma de Toy Story e da obra-prima Wall.E, que aproxima magicamente o público do real.

É alta tecnologia a serviço de uma fábula contada com alegria e emoção. E, o que é melhor, com ares nostálgicos que remetem à era de ouro do cinema norte-americano. Os sensacionais cinco minutos iniciais, praticamente sem diálogos, reforçam ainda mais esse clima. O espírito de aventura, um mundo desconhecido no meio do continente sulamericano, dois insuspeitos e simpáticos “indiana jones”, os coadjuvantes que fogem da linha do tradicional, tudo isso colabora para aquela sensação que rende uma grata e saborosa sessão. Fascinante para as crianças e divertida para os adultos. Mais um grande desenho animado, que tem tudo para entrar na lista de clássicos de uma parceria que está reinventando a história da animação na sétima arte.

Cotação: 4

Veja o trailer legendado do filme:

http://www.youtube.com/watch?v=ydmQXtfnnFY

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Casagrande é do rock

Naquela tarde quente de 15 de agosto, a deliciosa costela de tambaqui que havia comido alguns minutos antes ainda estava sendo digerida pelo meu preguiçoso aparelho digestivo quando vi, redivivo, Walter Casagrande na TV Globo. Vidrei: o ex-jogador e comentarista de muitas tardes de domingo de futebol, defenestrado de nossa telinha após um relacionamento hardcore com as drogas e um longuíssimo silêncio, voltava inesperadamente a ativa. E pra falar logo de...rock and roll. Uau, imaginei, pra emendar depois: isso é o que pode se chamar de uma volta emblemática.

Casagrande foi o primeiro apresentador de uma série de sete filmetes sobre aquele gênero musical, baseada no documentário “Seven Ages of Rock” da BBC britânica, que o Jornal Hoje iria exibir somente nos sábados. Esse resgate relâmpago só veio confirmar para mim o quanto nossa televisão é, algumas vezes, terrivelmente irônica e surpreendente. A imagem do cara, com seu jeitão de troglodita e a mesma cabeleira desgrenhada, ali, falando do libertário mundo rocker, trazia fatalmente à memória o incidente que parece ter acabado de vez com sua carreira de comentarista.

Pra quem não se lembra, Walter Casagrande foi notícia depois de um acidente feio com sua Cherokee em setembro de 2007, em São Paulo, que o levou malzão ao hospital (foto abaixo). Depois sumiu, sem explicações, da televisão. A Globo, patroa do comentarista de jogos de futebol, emudeceu. “Licença médica”, dizia apenas atrás de sua capa moralista.Ele voltou a virar notícia quando revistas e jornais informaram que estava em uma clínica de recuperação de viciados. Cocaína e heroína, o vício, apurou a tradicional Placar numa reportagem de sete páginas. Virou capa de conhecida revista semanal. Drama exposto para vender mais exemplares nas bancas. Tava lá o astro, desnudado e infeliz, desintoxicando diante da platéia big brother atônita.

A moral brasileira de ranço católico é podre como um toco de coqueiro castigado durante anos pela maré. A maioria tende a não perdoar alguém que é exposto de forma tão explosiva e pública como foi o ex-ídolo do Corinthians. E Casagrande foi o responsável, naquele primeiro Sábados de Rock – esse é o nome da série – por um texto que vendia o espírito explosivo do rock em sua gênese. Fatalmente, ele teria que citar a inevitável trinca sexo, drogas e rock and roll. Mas, a maior das ironias é que em seu texto rolou sexo, rock, mas as drogas ficaram estranhamente de fora do roteiro. Esquecimento ou protecionismo, quem vai dizer? Mas, que ficou uma lacuna ninguém tem como negar.

O artilheiro começava seu texto, numa locução acelerada, impessoal, listando aquilo que moveu o rock e o colocou como um dos combustíveis mais revolucionários do século passado: “Guitarra, bateria, baixo, volume máximo, atitude, transgressão, sexo, estilo, mensagem, conteúdo.” Mas, e as drogas? Como tirar dessa lista aquilo que, pelo bem e pelo mal, empurrou dezenas de ídolos, centenas de rockeiros a tomar atitudes que ajudaram a dar uma cara transgressora ao gênero e o colocou na “black list” de pais e religiões mais conservadores. Esperei Casagrande falar das drogas, mesmo numa vírgula de seu texto, mas, o cara não falou.

Fora isso, foi interessante ver nosso louco ex-comentarista esportivo muito à vontade para falar superficialmente – até por uma imposição do meio eletrônico - do rock, uma de suas grande paixões. Fã dos ícones doidões Hendrix, Janis Joplin e The Doors, cujos band leaders tiveram fim trágico, dois deles vítimas de overdose e o terceiro à sombra da suspeita, Walter Casagrande bate um bolão quando o assunto é guitarras no volume máximo. O que deve ter surpreendido muito espectador. Ou não, como diria Caetano Veloso, outro influenciado pelo rock no início de carreira.

Muitas carreiras e dezenas de dias enfurnado em uma clínica depois, Casagrande ficou longe dos noticiários desairosos sobre seus prazeres antes secretos. Deve ter se curado. Apareceu bem e cheio de energia na televisão, refrescando a tela naquele meio de agosto cansado de tantas manchetes requentadas sobre a morte de Michael Jackson. O fato é que cinco minutos e meio depois de ouvir o cara falar de Beatles, Dylan, Clapton, Kinks e Rolling Stones na televisão em horário nobre, não tem como deixar de dizer: Casagrande é do rock!


Se você não viu o Casa no Sábados de Rock, se ligue:

http://www.youtube.com/watch?v=V3dMO6aqpTc&feature=related

Mais à vontade ainda, Casagrande opina sobre seus ídolos pessoais e o rock brasileiro:

http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1266072-16022,00-WALTER+CASAGRANDE+ARTILHEIRO+INTELECTUAL+DO+ROCK.html

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Método Uhuuu de experiências

Quando me deparei com Fernando Catatau(esse aí do lado) no corredor do teatro antes do show, chamou atenção aquela figura esquelética, de barba cerrada, andar lento e roupa displicente. Parecia um desses personagens podicrê que habitam as histórias em quadrinhos do maluquete Robert Crumb. Invisíveis braços abertos, cara de bons amigos, logo me aproximei dele para um contato rápido. Falar de psicodelia e de suas viagens sonoras. Não deu. O adiantado da hora não permitiu, mas do encontro ficou o sorriso afável dele e o rastro de minha única frase besta, soletrada antes de seus passos acelerarem: “Bota pra fuder!”. E ele botou.

Antes daquele show em Fortaleza, cidade natal do dito cujo, eu já havia virado fã do cara. Culpa, no começo de tudo, de um CD demo de Catatau e sua banda, a Cidadão Instigado. O álbum trazia cinco músicas com o verme daquilo que o artista carregaria dali por diante – o ano era 2001 – em sua carreira: uma tendência à fusão de ritmos e ao experimentalismo. Tinha rock e maracatu (um mais primal, cadenciado, diferente do praticado em Pernambuco e difundido para o Brasil graças a Chico Science) misturados fluidamente, eletroniquices e poética torta, moleque e popular, sem ser popularesca.

Depois aquele surpreendente trabalho, um pequeno ensaio, não demorou muito e Catatau deixou de seu um cidadão da aldeia Ceará para ganhar o Brasil. Perdeu-se e se achou cidadão paulistano. Cidade do tamanho certo para suas divagações e ousadias. Dava para se espalhar ali, deve ter pensado. Lançou dois trabalhos, o difícil O Ciclo da Decadência(2002) e o excepcional O Método Tufo de Experiências (2005), que o colocou no mapa musical da galera mais descolada e abriu as portas para trabalhar, como instrumentista, em vários projetos de gente disposta a fazer um som mais consistente, menos radiofônico. Puta guitarrista que é, hoje com certeza um dos melhores do Brasil, não lhe faltou convites e oportunidades para dar uma temperada em uma penca de álbuns de artistas bacanas como Cibelle, Otto e o coletivo Instituto, entre outros.

Paciente, Catatau gosta de burilar seus trabalhos solos à frente do Cidadão Instigado. É quando tem mais liberdade e pode investir no desenvolvimento de um som que ganhou uma cara mais definida a partir de O Método Tufo. Aqui, sua guitarra roqueira, que algumas vezes se aproxima da latinidade e sensualidade de Carlos Santana e em outras traz ecos da pompa e psicodelia do rock progressivo, se aliou – em momentos sublimes – ao brega para provocar os nossos sentidos e chamar a tenção de uma aturdida crítica. Tudo volta a se repetir em seu mais recente e um pouco menos inspirado álbum de nome singelo, Uhuuu(2009).

Vamos abrir um parêntese. Eu como contemporâneo de Catatau, filho de classe média numa Fortaleza ainda provinciana, imagino a equação possível na cabeça do artista. Esse rock com pitadas do brega, que ganha aqui outro nível e conotação, deve ter a gênese, deduzo, na infância cearense do cara. Houve uma época em que Carlos Alexandre, Waldick Soriano e Odair José (o bonitão da foto ao lado), entre outros expoentes da também chamada, nos anos 70, “música de corno” empesteavam as AMs com suas melodias e letras melosas. Muito coração partido, mulher infiel e choro na cama. Muitos hits nas rádios, companheiros nos bares de românticos pés inchados e aqueles verdadeiramente traídos.

Voltando a Uhuuu!. O título do disco pode enganar os incautos. Uhuuu! é um grito de guerra de surfistas, assumido também por roqueiros. E não podemos chamar o último trabalho do Cidadão Instigado exatamente de roqueiro, apesar do artista ter esse gênero como uma influência marcante. Até porque o resgate do brega romântico, com tintas e vigor renovado, volta a aparecer ainda mais depurado no disco. “Como as Luzes” é uma canção de amor com pegada brega, com direito a coro feminino e bateria características daquela música, mas que, de uma hora para outra, ganha um solo de guitarra manhoso e metais épicos, típico do rock progressivo. “Dói”, o nome não poderia ser melhor, eleva esse lado brega um nível acima, falando de sofrimento com uma camada de guitarra e teclado açucarado, sem falar no texto falado, um breque clássico do gênero que Catatau resolveu retrabalhar.

Mas, reduzir o cantor e compositor a esse mundo “brega rock” ou algo que o valha é uma injustiça e erro tremendo. Uhuuu! reforça também a tendência experimental da música do Cidadão Instigado, que é muito mais complexa do que pensa nossa vã filosofia. Em “Doido”, por exemplo, o som pode soar levemente brega em alguns momentos da composição, mas surpreende, num passe de mágica, quando as cordas da guitarra pesam um pouco mais ou quando vozes , sons e barulhos indistintos se misturam num emaranhado confuso, revelando uma faceta anárquica que a banda sempre exercita.

A anarquia e a provocação podem tanto estar na mistureba sonora que o Catatau cria, a exemplo da fusão de rock pesado e um certo ar circense vistos na intrigante “O Nada”, como quanto em suas letras surpreendentes. Quem, fã do artista e sua banda, não lembra das vacas loucas e dos urubus vorazes da cultuada “Os Urubus só Pensam em te Comer”, faixa de seu disco anterior. Em Uhuuu!, o cearense continua viajando sem medo de ser feliz e qualquer pudor em sua poética alucinada.

Na climática, “Radiação na Terra”, assume a gramática da ficção científica e tomzeniana, para a letra curta: “Vou comprar um óculos infraestelar só pra não ter mais que ouvir os terráqueos daqui cantando”. Em “Ovelhinhas”, rock com rajadas eletrônicas que se aproxima ainda mais da cultuada “Os Urubus só pensam ...”, um bando de ovelhinhas “pulam na cerquinha de madeira e do lado de lá desapareciam”. Já na ótima e roqueira “O Cabeção”, ao som de guitarras pesadas, o personagem da música promete tomar conta do mundo colocando, conectado a ele, um piolho espião na cabeça de cada terráqueo com a missão de “destruir todos os pensamentos e unir todas as gerações numa nova dimensão”. Quadrinhos puro.

No final das contas, Uhuuu! soa como uma continuação mais bem produzida de O Método Tufo..., mas sem o impacto e o frescor deste. Talvez porque a sonoridade proposta não seja mais nenhuma novidade. Mas,de qualquer forma, temos o bom e velho Catatau tocando um foda-se para a caretice e dizendo para o resto da humanidade “eu sou eu, nicuri é o diabo”, como diria Raul, ou numa tradução mais jovem guarda, "que tudo mais vá pro inferno”. E essa ousadia e desapego ao comercial faz um bem danado para a gente.

Cotação: 4

Uhuuu! pra você também:

http://rapidshare.com/files/267109332/Cidad_o_Instigado_-_Uhuu___2009_.rar

Quer conhecer O Método Tufo de Experiências, tente:

http://www.mediafire.com/?mjyuqw5yyzz

Gosta de guitarra? Vá no blog de Catatau:
WWW.fernandocatatau.blogspot.com

sábado, 29 de agosto de 2009

Retrô inspirado

Vem do Alaska a banda que produziu um dos lançamentos fonográficos do ano mais bacanas que ouvi até agora. O nome da banda de indie rock é um tanto esquisito, até mesmo surreal: Portugal. The Man (esse ponto no meio faz parte da esquisitice). O quarteto norte-americano que veio daquela gélida região faz um som terno, aconchegante, com textura próxima do pop e alma retrô. Essa é a boa liga de The Satanic Satanist (2009), - eles realmente parecem gostar de nomes bobos – quarto e alentador trabalho do grupo.

Nunca tinha ouvido falar de Portugal. The Man. Quando escutei o álbum mais recente da turma, me interessei em conhecer melhor a obra de John Gourley(vocalista), Zach Carothers (guitarrista), Jason Sechrist (baterista) e Wes Hubbard (tecladista). Os fundadores da banda vieram de um grupo de grupo de post-hardcore do Alaska chamado Anathomy of a Ghost. Essa origem parecem ter influenciado os dois primeiros discos da galera Waiter: “Your Vultures”(2006) e Church Mouth(2007), nos quais a carga de experimentalismo que fez a crítica compará-los aos loucos do The Mars Volta. Irregulares, esses dois CDs revelavam um quarteto em busca de um caminho próprio.

O terceiro álbum do grupo, Censored Colors, com instrumentos de sopro e corda, como trombone e violino, colocou Gourley e companhia (olha os caras bem na foto ao lado) em um novo patamar. Qualitativamente acima, é bom que se diga, apesar de todo o ecletismo proposto pelo bom disco. Com The Satanic Satanist, Portugal. The Man parece ter se cansado de suas viagens experimentais e mergulhado com fome no passado. Mais orgânico, esse trabalho soa deliciosamente retrô, com suas referências ao rock e soul com a cara dos anos 60 e 70. E a coisa funciona melhor ainda graças ao sotaque pop emprestado às composições.

Difícil não ouvir ecos dos anos 70, por exemplo, em “People Say”, que abre o disco e a primeira música do CD a se espalhar pela rede. Das melhores do disco, a alegre canção tem guitarra setentista e refrão matador. A também bacana “Guns and Dogs” segue a mesma toada, com uma melodia cheia de graça. Reparem, lá pelo fim da música, no piano suave contrastando com a guitarra mais animal. Mais pop e viciante, a banda acerta na mão com duas outras belas criações, as garageiras “Do You” e “Lovers in Love”, na linha do rock urgente e enérgico do Arctic Monkey, mas ainda com um pezinho no passado, ainda que nos detalhes. É só ouvir com cuidado para perceber.

O lado soul do banda aparece com mais evidência em músicas como a ótima “The Home” e a intensa e carregada “Mornings”, que fecha muito bem o álbum. Inteligentemente, Portugal. The Man deixou as baladas para o fim do disco. A galera mostra-se também competente quando desacelera. Além de “Mornings”, o pessoal do Alaska produziu outra excelente e tocante composição com título auto-explicativo, “Let You Down”. O piano marcado e repetitivo ajuda no clima de melancolia, reforçado pela voz doída de Gourley. Para noites à base de vinho e boa companhia.

Não sei se Portugal. The Man acaba aqui, com esse disco, sua busca por uma sonoridade que esses norte-americanos possam chamar de sua. Mas, o fato é que encontraram em The Satanic Satanist um caminho consistente e, de quebra ainda, afinaram a criação, com melodias inspiradas e de muito bom gosto. Se eles continuarem nesse rumo, os ouvintes só têm a agradecer. Eu do meu lado só espero, pacientemente, que o trem se mantenha nesses trilhos. Assim sendo, estarei numa estação qualquer para pegá-lo.

Cotação: 4

Embarque nessa:

http://www.mediafire.com/download.php?zg210tmwzgd