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O gringo Maga Bo: pesquisa dos ritmos afrobrasileiros |
Veja o clip de
"No Balanço da Canoa":
Maga Bo é um
desses muitos estrangeiros apaixonados pela eclética e complexa cultura
brasileira. Clara rendição. Chegou em 1999 e, na virada do século, deixou-se
ficar, presa de sua sede de arqueólogo de sons, seduzido pela música produzida
nos quatro cantos do país. Entre uma discotecagem e outra, nos hiatos das
festas em que trabalhava como DJ mundo afora, foi absorvendo batuques e
transes, harmonias e ritmos, foi se preparando para fazer de Quilombo do Futuro uma obra sincera,
verdadeira. Clara intenção. O norte-americano parece ter trabalhado com o
propósito de fazer um disco com assinatura verde-amarela, como se tivesse sido
idealizado por músicos do Brasil. Quem desconhece a origem do produtor é levado
facilmente a achar que aquela obra é coisa nossa. Mérito de um artista que,
sabiamente, manteve no repertório desenvolvido por ele, a essência, a alma e
estrutura das sonoridades que explorou. E que soube ainda fazer parcerias certas
nessa empreitada. O que se vê no álbum, principalmente, são os ecos de um país
que se formou em terreiros, nos quilombos e nas senzalas, cultivando, mesmo sob
a repressão policial e a intolerância dos brancos, as raízes africanas. Maga Bo tenta e consegue, muitas vezes,
captar a magia da batucada afro brasileira.
A cor negra está por toda parte envolvendo a arte de Maga. Pra tocar tambor, pra falar do
Brasil filho da mãe África, o artista cercou-se de uma pá de gente boa, aqueles
que valorizam o batuque e o carrega no sangue. Outros magos como B Negão, que dá o ar de sua pegada na
ótima"Tempos Insanos". Na missão, os dois convocam os deuses da percussão
e da música eletrônica pra chamar pra roda, pra dança. Afrobeat, som afro brasileiro.
O convite é irresistível e faz dessa faixa de abertura de Quilombo do Futuro uma síntese de grande parte que o ouvinte vai
ouvir na sequência. "Pois se prepare então, se prepare que o pavio vai
acender", avisam os dois. Aqui também está o engajamento, os toques
politizados que fazem do CD um veículo para o protesto, para mensagens que vem
do morro, das comunidades que vivem a margem da sociedade: "Espírito
combatente, guerreiros do terceiro mundo. Sobrevivente no suor e na raça/(...)O
povo com saúde e educação é uma ameaça". Os ecos da violência, as gírias e
agonias da favela estão presentes ainda nos ferventes funks cariocas "O
Neguinho", com a participação especial de Biguli, e "Piloto de Fuga", com sua letra direta: "Só
piloto boladão tem que ter disposição/De Pajero ou de Corola a 120 por hora,
nós capota mais não freia, estilho guerrilheiro".
Ouça "Tempos
Insanos", com B Negão:
Os representantes do gênero funk carioca no repertório de Maga Bo não são exatamente o que de mais
instigante traz o álbum. Refletem, contudo, uma opção inteligente do produtor
norte-americano: a de investir nos ritmos nacionais sem abusar da eletrônica.
Seus beats, completamente integrados a batucada, são utilizados com moderação, envernizando
um som que já tem seu verniz e grandeza próprios. Talvez para não brigar com a
sonoridade crua e a autenticidade dos ritmos afros. Nesse sentido, o bom ragga "Maga
traz a Lenha", com o guianense Jahdan
Blakkamoore no vocal, tem vibração roots e um casamento equilibrado de
batuque e eletrônica. Melhor ainda são as canções que bebem direto na negra
fonte do candomblé, quase pontos de macumba, como a deliciosa "Eu Vim de
Longe" que abusa das palmas e atabaques para tocar a raiz africana. A
participação de Rosângela Macedo com
seu timbre aveludado agiganta a música. Cachoeira pura. Mesmo caminho da tribal
"É da nossa Cor", homenagem a capoeira e a Mestre Camaleão, professor de Maga
Bo nessa arte. É tecnobatuque, canto negro da cor do Brasil.
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O DJ Maga Bo convidou músicos brasileiros para sua festa |
De profunda cor brasileira também, o DJ vai até o Nordeste
para pinçar um das mais bonitas canções de Quilombo
do Futuro. "No Balanço da Canoa", que traz de volta Rosângela Macedo no vocal, é canto de
lavadeira modernizado. Na linha do que já fez produtores brasileiros, como o
talentoso pernambucano Dolores em
sua eterna pesquisa dos ritmos populares tradicionais. Programação a reboque de
zabumba, triângulo e tambores com letra regional. "É no balanço da canoa
que eu tou peneirando/É no balanço da canoa que eu vou peneirar/Eu quero ver
quem vem, eu quero ver chegar/ Eu quero ver quem brinca no meu arraiá",
cantam as lavadeiras pós-modernas. Daquela região também vem a competente guitarra
baiana(a mesma que marcou história no trio elétrico de Dodô e Osmar) de Robertinho Barreto, do coletivo Baiana System, que dá uma roupagem
colorida à emocionante "Xororô". Tantos ritmos assim repaginados com
eficiência ajudam a esquecer algumas derrapadas do álbum como os fracos sambões
"Hurry Up" e "Immigrant Visa Part II", que resvalam para a típica
tendência gringa de cair no samba de carteirinha, bem ao gosto dos turistas
desavisados. No final das contas, e isso é admirável, o disco de Maga Bo rescende uma brasilidade traduzida
com clareza e humildade, algo raro, para um olhar estrangeiro. Bom pra cabeça.
Bom pro pé. Maga Bo tem alma
brasileira, como seu bom álbum. Escute com atenção.
Cotação: 3
Visite o Quilombo
do Futuro:
www.facebook.com/magabodj