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Criolo: mistura de rap, MPB e trip hop gerou grande álbum |
Me sinto como o coelho atarantado da psicodélica história de
Lewis Caroll. Atrasado, atrasado, atrasado. Em mais uma resenha tardia desse
meu maltratado blog, eis que finalmente solto a lista já mofada dos dez melhores
discos nacionais de 2011. Ano de reafirmação de uma nova MPB, vemos surgir algumas
promessas, nomes já conhecidos por um time antenado de ouvintes, gente com os
pés já bem firmes na estrada musical, como Cícero, Pélico, Gui Amabis e Criolo,
fazendo discos inteligentes. Temos também a confirmação de talentos anunciados
como Tiê e Mariana Aydar. E o retorno da musa da MPB que ajudou a desaguar um tanto
de novas cantoras, Marisa Monte, com um trabalho sincero e ultra-romântico. Ano
passado esteve longe de ser um dos mais reveladores e fantásticos para a
indústria nacional, mas deixou antevista uma centelha de criatividade, vinda
das hordas de um submundo que se mexe freneticamente e que as TVs e rádios populares
insistem em não ver, que tende a se cristalizar nesta década. Pelo bem de
nossos ouvidos. Afinal, como disse o filosofo baiano Gilberto Gil sobre a atual
produção musical brasileira, “o problema do lixo não é mais a qualidade, o
mau cheiro ou a podridão. O problema do lixo é a quantidade”. Chega de lixo
revestido de luans santanas. Viva a boa música. Segue minha lista de como
desopilar em tempo de vacas magras:
A Coruja e o Coração (Tiê)
- O uso farto dos instrumentos amplifica a poética de Tiê.
Tudo continua intimista e confessional. Mas com outro deslumbramento.
Os ricos arranjos adicionam ao disco um elemento invisível no trabalho
anterior, o pop. A versão flamenca e alienígena do forró “Você não Vale Nada” é
prova disso. Para firmar o nome de Tiê em nossa constelação dos grandes nomes.
Sou Suspeita, Estou
Sujeita, Não Sou Santa (Annelis Assumpção) – O sobrenome prenuncia a tempestade
criativa. Filha do genial Itamar Assumpção, essa bela negra faz de seu disco de
estréia uma ode ao refinamento e boas idéias. Tá no DNA. Um trabalho bem
resolvido que traduz a alma forte e talentosa de Anelis. Um disco com
substância, desses que nossas mãos estão sempre procurando para colocar no
toca-cd.
Nó na Orelha (Criolo) – Esse paulistano, velho conhecido nas
Rinhas de MCs da capital de São Paulo, entrega ao público esse que talvez seja
um dos trabalhos mais bonitos e surpreendentes do ano. Uma estréia solo de peso, repleto de poesia e
mensagens políticas, sem perder a ternura jamais. Ouça “Não existe amor em SP”
e “Bogotá” e tente não se contagiar. Discaço devidamente reconhecido, caso
raro, pelo público e crítica.
Que isso Fique entre Nós (Pélico) - O quanto de
nitroglicerina pode conter uma paixão? Pélico experimentou contar casos
de amor, romances, com um desprendimento à flor da pele. O resultado é Que
Isso Fique entre Nós(2011), uma espécie de delicado diário de amores
perdidos. Segundo desse paulistano, o CD traz pérolas como “Recado” e “Levarei”,
hinos sensíveis e bem tramados num trabalho feito para tatuar corações.
Canções de Apartamento (Cícero) - Namoro consumado com a MPB de um artista que já
havia mostrado seu potencial na extinta banda Alice. Relação apaixonada que
traz traços e referência de medalhões como Tom Jobim e Caetano Veloso. Mais do
que isso, porém, uma estréia marcada por lindas e melodiosas canções. A maioria
delas marcadas por uma poética low-profile, orgânica, prenhe de intimismo. Ouça
com atenção.
Cavaleiro Selvagem, aqui te sigo (Mariana Aydar) - Depois de dois discos
muito elogiados, essa cantora e compositora mostra seu amadurecimento numa obra
que reúne o que ela produziu de melhor nos trabalhos anteriores. Personalidade,
arranjos equilibrados, releituras diferenciadas de velhos clássicos, Aydar
confirma que veio para ficar. A interpretação candente de “Vai Vadiar” e de “Passionais”
são retratos perfeitos desse amadurecimento.
O Que você quer saber de Verdade (Marisa Monte) – A musa retorna
reforçando o lado romântico que visitou com freqüência nos últimos discos. Há
quem torça o nariz para Marisa Monte, mas com esse último trabalho ela desafia
a crítica ranzinza gravando despudoradamente canções apaixonadas e bem produzidas
a exemplo da pegajosa “Ainda bem” e da deliciosa “Aquela Velha Canção”. Para
quem não tem medo de se apaixonar.
Baptista Virou Máquina (Burro Morto) – O disco instrumental do ano. O
grupo paraibano cria texturas cinematográficas e densas nesse CD surpreendente,
trilha sonora de filme. Os caras buscam no jazz, no funk, no afrobeat e
no rock, o verniz para composições cheias de vida e instigantes. Ousam com um
conteúdo que não dispensa improvisações e até atonalismo. Trilha robusta, com
timbres e matizes ricos que marcaram 2011.
Memórias Luso/africanas (Gui Amabis) – Produtor requisito e
músico de primeira linha, Gui Amabis mergulha no passado para fazer um disco de
fortes sabores. Tambor e eletrônica se unem numa obra capilar. A participação
de Céu, esposa do artista, em “Doce Espera”, e do seminal grupo Nação Zumbi só
melhoram esse encantador trabalho. Para destrinchar aos poucos, como merece
esse CD tão cheio de tessituras e belezas.
Longe de Onde (Karina Buhr) – A pernambucaninha é outra que
confirma o talento exercitado no disco de estréia, o ótimo Eu Menti pra Você.
Ela demonstra em canções rápidas a mesma inquietude e o espírito criativo que
chamaram a atenção da crítica. Os petardos “Casa Palavra” e “A Pessoa Morre”,
que abrem o disco, são reveladores de uma artista antenada com seu tempo.
Desafiadora e provocativa, Buhr cativa mais uma vez sem concessões.