domingo, 27 de setembro de 2009

Não ignore este álbum

Era uma vez três porquinhos que num certo dia encontraram o lobo feroz e aí...montaram uma banda de rock. Na verdade, os porquinhos já tinham uma banda, o lobo chegou apenas para dar a dinâmica, poesia e a consistência que faltava aos três irmãos. Os brothers no caso são o guitarrista e vocalista Ryan Jarman, o baixista e também vocalista Gary e o baterista Ross. O lobo é, nada mais nada menos, que Johnny Marr, que veio para bagunçar o coreto, para dar uma sacudida no som dos caras e ajudar a fazer de Ignore the Ignorant (2009) o melhor álbum da curta discografia dos ingleses conhecidos como The Cribs.

The Cribs havia lançado três álbuns, todos metidos a engraçadinhos e com aquela sonoridade pueril de quem parecia não ter um norte, um foco. Muita música festiva, tiros para todos os lados e uma forte impressão de algo estava faltando na arquitetura torta montada pelos irmãos. Somente com o penúltimo de seus trabalhos, o bom Men's Needs, Women's Needs, Whatever(2007), os ingleses entraram nos trilhos. Alex Kapranos, o band leader da ótima Franz Ferdinand e produtor do álbum, contribuiu para aquele que parece ter sido o ponto de partida da maturidade da banda.

Com Ignore the Ignorant, o grupo passa um recadinho para os críticos, do tipo: olha estamos dispostos a ser considerados como uma banda realmente promissora. Parte dessa assunção tem a ver com Johnny Marr (veja ele aí na foto ao lado), para quem não conhece, a cara metade de Morrissey naquela que foi uma das grandes bandas de rock – talvez a mais autoral – dos anos 80, The Smiths. Marr emprestou sua guitarra competentíssima para que o último do The Cribs crescesse em peso, inspiração e ótimos riffs e solos daquele instrumento que é alma do som que fazem. Eles são assumidamente uma guitar band e, tendo no elenco, o grande Marr, estão com meio caminho andado para fazer um belo álbum.

E Ignore the Ignorant é realmente um excelente trabalho. Johnny e sua guitarra agregaram inspiração melódica a The Cribs, mantendo o frescor juvenil que o grupo vendia antes. Há uma moldura garageira tangenciando todas as composições, que conseguem, na maioria delas, manter um bom padrão de excelência. E olhem que isso hoje em dia é muito raro. “We Were Aborted” e a música de trabalho “Cheat on Me” abrem o disco com efervescência e vigor, dando as cartas para o que vai vir na sequência: canções alegres, alto astral, com melodias inteligentes e refrões, desculpem o chavão, grudentos.

Impossível não ressaltar: a guitarra de Marr, mais alucinada e liberta, dialoga com perfeição com a de Ryan Jarman. As duas abrilhantam ainda mais as ótimas “City of Bugs”, uma das melhores do disco com uma bateria repetindo batida marcial para as cordas consonantes dos caras, e “We Share The Same Skies” e “Nothing”, essas duas com ecos dos anos 80 e refrões marcantes. O disco abre generoso espaço para os solos de guitarra, principalmente de Marr, que só reforça a qualidade de sua impecável arte. Outro destaque é a “engajada”, "Victim of Mass Production", que critica aqueles que só conseguem surfar na onda do modismo: “Ele só consegue usar aquilo que vê nas revistas, ele é uma vítima da produção em massa”, numa livre tradução da letra que conta com um riff ensandecido de Marr.

O disco tem umas pequenas derrapadas, como a balada “Save your Secret”, “fofinha” demais a meu ver, e “Stick to your Guns”, além da capa tosca e de mau gosto(essa aí do lado), mas que não tiram os méritos desse que é um dos melhores álbuns de rock do ano. Não ignore “Ignore the Ignorant” com o seu frescor que salta de cada inspirada música. Biscoito finíssimo, este é um eficiente disco de rock'n'roll que pode fazer seu dia mais alegre e pulsante.

Cotação: 5

Quer ouvir? Vá:

http://rapidshare.com/files/274734696/CribsDeluxe.rar.html

ou

http://www.mediafire.com/?du2ilbmzzom

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Macacos me mordam!

Já faz um tempinho que o grafite vem ganhando merecido espaço no mundo da arte dita erudita. Muito bacana isso. Sinal dos tempos e uma vitória promissora contra o preconceito, esse cancro que insiste em puxar a humanidade pra baixo. Grafite é arte sim, dependendo, é claro, do talento e da grandeza do coração de quem empunha as latinhas de spray. Aí você vê a moderna pintura dos muros das grandes cidades, grafiteiros com muito a dizer, ex-moleques urbanos dividindo, com sua nova maturidade, espaço com telas de gente renomada, consagrando-se assim também. Aqui, não cabe a palavra pixação no que isso tem de mais abusivo, mas sim no que ela tem de mais abrasivo, incandescente. Mudou até de nome, nesse caso. Virou grafitagem.

No Brasil artistas como Speto e Os Gêmeos (obra abaixo), só para citar os mais conhecidos, romperam fronteiras e conquistaram a crítica mundial. Emprestam sua arte para muros de museus, de fábricas, de casas e indústrias planeta afora, tornando o cenário caótico de muitas cidades mais alegre e espirituoso. Em comum esses caras tem a reinvenção da figura do homem, que na ponta da latinha, transformam-se em personagens de olhos esbugalhados ou de rostos quadrados e amarelos. Uma encruzilhada de quadrinhos e elementos pops criando universos novos e fantasiosos ou mesmo reforçando a crueza da realidade em um estupendo e contrastante colorido.

Hoje conheci mais um artista do grafite com envergadura próxima a de Speto e dos Gêmeos. Seu nome é Hudson Melo, o Magão(olha o cara na foto ao lado), um piauiense radicado em Teresina que usa a técnica da grafitagem e desenvolve projetos com toy art. Garoto talentoso que baixou, qual exu do bem, com sua arte provocadora e lúdica no superbacana espaço cultural do Sesc Mecejana aqui em Boa Vista, numa visita relâmpago. Foi uma das atrações dos projetos Cruviana e Overdoze (ótimo nome esse), este último responsável por uma bem vinda maratona de doze horas de música, pintura, teatro e dança para a galera macuxi. Hudson bem que podia ter tido mais espaço na imprensa local. Merecia.

Pouco mais de uma dezena de obras do artista piauiense Magão iluminaram uma das paredes da sala de exposições. Como acontece com os artistas que trabalham com grafite, ele tem personagens recorrentes, como se fossem uma marca ou assinatura própria. Um deles é um histriônico magrelo com uma caixa de papelão na cabeça, um avestruz cosmopolita, anônimo como milhares cidadãos das metrópoles que passam pela gente e a gente nem vê. O espadaúdo mora, dentro da exposição, em um cenário quase monocromático, com elementos circenses e traços rústicos que remetem claramente ao grafite puro, direto.

O outro personagem é um macaco, desenhado com traços mais refinados e que aproxima o trabalho de Hudson da xilogravura, aquela que ilustra os cordéis, uma referência declarada do cara. Gosto mais dessa tendência ao barroco e também a liberdade do artista de trabalhar os símios em suportes diferenciados, como madeiras vazadas(como o "Kill Boy" aí da foto) e compensados, abusando do vermelho (uma obsessão, parece, do artista) e do negro e, em algumas obras, sambando nas cores. Extremamente pop e visceral, o animal salta a vista como quisesse agarrar em seu pescoço.

É possível ver semelhanças, em alguns trabalhos, entre a arte de Hudson e de Speto e dos Gêmeos. Mas, não é cópia. Cada um deles tem traços próprios. O que se vê, na verdade, é uma espécie de sadio canibalismo que ajuda a alimentar e fortalecer o grafite cada vez, uma arte mágica que seduz principalmente aquela geração, ou os filhos destas, que viveu a transição da arte mais tradicional para uma arte mais despojada e que permite a influência dos quadrinhos, da televisão e da internet, do universo pop na criação artística. Gente que quer ver rediviva numa suruba visual e orgiástica Bacon, Matisse, Miró, Mangás, Crepax, Tin tin, Batman e Robin, pop arte e cordel, Pinguim de geladeira e óculos 3D, Michael Jackson, Madonna e Chacrinha, fadas, deuses da mitologia e curupiras, tudo misturado numa arte que fale alto aos olhos e coração. Hudson sabe usar os elementos culturais que o fizeram artista. Esse cara tá no caminho certo e tem tudo para ir longe.

Cinco perguntas pro Magão:

Qual o grande barato da grafitagem?

• O grande barato é o poder de ação, você ser o responsável pela mensagem sem interferência de ninguém! Graffit e liberdade para mim são a mesma palavra!

Como é o movimento dos grafiteiros no Piauí? É uma arte entendida pela comunidade?

• É sempre difícil para pessoas entenderem pela proximidade do graffit com a pixação, mas é bem aceito mesmo assim.O movimento aqui no Piauí é forte, mas bem reduzido. Existe um grupo no qual faço parte chamado feitotinta(www.feitotintacrew.blogspot.com), que é bem atuante. Aqui, a uma luta pela sobrevivência desta arte está praticamente por nossa conta. Existem bem poucas pessoas fazendo street art fora do nosso grupo.

Quais as grandes dificuldades de se fazer street art por aí e quais as recompensas?

• As dificuldades são as informações palpáveis, ou seja, os materiais que dificilmente chegam aqui. Mas a gente se vira. Todos do meu grupo têm oito anos de graffit, então já temos um pouco experiência para se virar, conseguir trampo. Temos que pintar algumas coisas que não queremos, como os trabalhos comerciais. Mas precisamos sobreviver.

Quem é o cara com a caixa na cabeça. De onde vem a inspiração para compor seus personagens?

• O cara com a caixa na cabeça é um pensamento sobre as pessoas que fazem street art em geral. É sobre o desejo e força de fazer algo forte como a arte sem precisar se identificar. Deixar que a minha arte faça parte da vida das pessoas antes de mim, porque isso pra mim é o mais importante. Os meus personagens são frutos primeiramente da minha rotina de observação sobre as coisas. Depois falo um pouco sobre a falta de espaço pra natureza e a invasão dos animais na nossa vida por falta de espaço e milhões de problemas ambientais.

Alguma influência artística em sua vida?

• No geral gosto de uma arte mais simples e inocente, como a arte africana e a mexicana.


Vá no blog do Magão:

www.feitotintacrew.blogspot.com

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra fazer a cabeça

Otto nasceu pro mundo artístico em vôo solo com um belo exercício de modernidade de título provocador. A obra em questão era Samba pra Burro (1998), discaço no qual desbravava, qual um navegador assanhado e febril, novos territórios sonoros. Mestiçagem da boa, um flerte entre a tradição e o novo que se tornou referência para muitos outros músicos bons de bola. O faixa Otto era como um Carlinhos Brown pernambucano, inquieto na experimentação musical, com uma cabeça astronauta funcionando a mil. Quando não estava, é claro, sob a influência da diamba, filosofando palavras soltas, rindo de si mesmo e do mundo. Uma figuraça.

O galego, que deixou muito marmanjo morrendo de inveja quando teve um longo relacionamento com a bela Alessandra Negrini, tinha tirado umas férias. Desde o bacana Sem Gravidade(2003), não gravava nada. Voltou agora, seis anos depois, com Certa Manhã acordei de Sonhos Intranquilos (2009), quarto trabalho de estúdio, que traz sua incontestável assinatura. É uma continuação de seu disco anterior, sereno, fruto de um Otto mais maduro, desenvolto, disposto a assumir descaradamente influências do passado e arriscar passos mais dramáticos e objetivos. Um artista cada vez mais desnudado, corajoso, sem querer vender a imagem de moderninho que marcou o início de sua carreira.

A filosófica “6 minutos”, tamanho real da música, é bem sintomática dessa sua fase atual. Com uma bela melodia, o artista assume um lado despudoradamente passional. A competente guitarra derramada, sinuosa que introduz a composição abre caminho para uma letra rasgada e viajandona. “Nasceram flores no canto de um quarto escuro/ Mas eu te juro, são flores de um longo inverno”, canta Otto com sua voz carregada. É talvez a declaração de renascimento depois do período de reclusão. O artista, um dos pais do mangue beat, nunca foi tão confessional. Sem medo de ser feliz.

Esse Otto romântico, até meio brega, surge solene em outros momentos do álbum. Como na releitura de "Naquela Mesa", clássico incandescente de Sérgio Bittencourt. O artista mantém a dramaticidade da música, hit dos anos 70 do século passado na voz do mítico Nélson Gonçalves, acrescentando um teclado típico do brega nordestino – referência assumida –, tornando ainda mais popular o velho samba canção. Uma delícia. Há também nostalgia em “Saudade”, uma da melhores do álbum, com uma levada de carimbó, percussão e cordas marcadas, sensuais, boa para dançar coladinho. A participação especial da mexicana Julieta Venegas (que também canta na ótima “Lágrimas Negras”) só aumenta o clima caribenho da canção.

Mas, há ecos, mais contidos, daquele Otto do Samba Pra Burro, na busca de sonoridades mais modernas. É o caso da chata “Meu Mundo” e da fantástica “O Leite”, esta última com inserção de toques eletrônicos e batucada, numa mistura sedutora, valorizada cem por cento pela voz da cantora Céu e a letra passional. Como num tango. “Quando eu saí da sua vida, bati a porta / saí morrendo de medo do desejo de ficar”, canta docemente os dois, perfeitamente coadunados. Pra dançar, o artista nos oferece a gostosa “Janaína”, onde reverencia o batuque do candomblé, presente invariavelmente em todos os seus discos, dessa vez com um marcante solo de guitarra, a cargo do instigado Fernando Catatau. Fazem parte ativa da trupe ainda, entre outros, Pupillo e Dengue, baterista e baixista da amiga Nação Zumbi.

Certa manhã acordei de sonhos intranquilos, lançado até agora só na gringa, é um disco instável, sem a vitalidade do debut e de Condom Black (2001), mas ainda assim uma obra com personalidade e bons achados. É raro ver um artista que mantem uma coerência em sua carreira, como Otto. O cara não ta aí pra agradar a crítica de plantão nem os filhinhos do Faustão. Não quer se amaziar com o sucesso, nem ser o guru da nova geração. Quer fazer o que gosta, uma música desapegada, honesta, que tem a ver com seu momento e sua verdade. Esse álbum é assim, verdadeiro e por isso tá aí pra fazer a cabeça de muita gente. Com ou sem diamba.

Cotação: 3

Download ottorizado:

http://www.mediafire.com/?1mjxyzzjdjj

ou:

http://www.4shared.com/file/129755990/280b39c1/Otto_-_Certa_Manha_Acordei_De_Sonhos_Intranquilos__2009_.html

domingo, 13 de setembro de 2009

Vendo corações partidos

A dor de cotovelo é tão antiga quanto à humanidade. Desde que o homem começou a raciocinar e a amar, desde que do outro lado da ponte havia alguém do sexo oposto, ou do mesmo sexo, disposto a um relacionamento amoroso, o coração sempre correu riscos. Pobre dele. E quando as decepções amorosas surgem, quem já passou por elas sabe, nascem dores abissais, certificados de fracasso e angústia pendurados na parede da alma. Mas, como, a gente também tem o dom do renascimento tão forte quanto à propensão a dor, fomentamos, mesmo nadando num vale de lágrimas, a vital esperança.

Esse sentimento de perda contraposto a luz no fim do túnel é o combustível aditivado de The First Days of Spring(2009), o segundo trabalho, depois de Peaceful, The World Lays Me Dow(2008), de Noah and the Whale, uma banda que está conquistando cada vez mais espaço entre os indies. O álbum, coeso em sua proposta, parece ter sido engendrado por alguém que estava passando por um profundo perrengue sentimental. Vai ver Charlie Fink, vocalista e principal compositor da banda, estivesse vivendo uma daquelas desilusões amorosas cinematográficas e o que é melhor, para nós ouvintes, disposto a reparti-la com o mundo.

The First Days of Spring é assim um belo e melancólico testemunho de corações partidos, mas dispostos, em algum momento, a começar tudo de novo. A sonoridade é folk resvalando aqui e ali em tons orquestrais que só ampliam a intensidade das canções. Pelo menos uma delas, “Instrumental I” tem uma roupagem mais clássica, meio épica e próxima à erudição, com coro de orquestra e cordas e metais ensaiando pompa. Uma melodia que parece ter se inspirado na parte dedicada à primavera da famosa sinfonia “As Quatro Estações”, do italiano Antonio Vivaldi. Seu andamento febril evoca fortemente domingos de sol, piqueniques e crianças alegres correndo no gramado.

A grandiloqüência daquela música não é, porém, lugar comum neste trabalho do grupo londrino. O álbum de Noah and The Whale flerta mesmo é com a melancolia, mas sem ser, antes que isso espante aqueles que fogem de sons mais delicados e downtempo, estupefaciente. É uma tristeza tratada com ternura, com a abertura para uma virada de sentimentos e postura citada no início desta resenha. “The First Days of Springs”, a música que dá nome ao CD, por exemplo, começa marcial, com um tambor monolítico, e segue com uma linda melodia que, num crescendo, desaba em arranjo orquestral clareando um cenário que pendia para o glacial.

“Our Window” utiliza-se de um piano tristíssimo, em compasso preguiçoso, chamando a cumplicidade de um violão emotivo e de uma bateria doce e sossegada. A bonita composição rivaliza, em inspiração melódica e arranjo consistente, com “Blue Skies”, que ganhou um clipe e espaço nos hds da galera antenada com a boa música indie. “Esta é uma canção para qualquer um que tenha o coração partido”, avisa Fink, abrindo lá na frente um clarão de esperança e alegria: “Céus azuis estão chegando”. Corinho e pandeiro hippie ajudam a criar uma imagem positiva para acalentar aqueles feridos e desterrados pelo amor.

Os corações destruídos voltam na mediana “My Broken Heart", cujo grande problema é sua vocação para a monotonia, temática e sonora, depois de quatro músicas incandescentes e apaixonadas. Talvez, seja isso na verdade, o que incomoda um pouco no álbum. Essa coesão conceitual, centrada na perda amorosa, e o abuso de violões dedilhados e pianos açucarados dão canseira em certos momentos da audição. Não tiram, contudo, o mérito de uma obra densa, introspectiva e com honestidade poética. O talento de Noah and the Whale para a criação de canções de forte apelo dramático torna-se aqui evidente. Quem sabe no próximo disco, com todos do grupo vivendo grandes amores, tenhamos um trabalho com uma carga de otimismo transformada em canções para dançar sob o sol.

Cotação: 3

Junte os caquinhos:

http://www.mediafire.com/?wwzznymxzzw

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Asas aos sonhos

Milhares de balões coloridos levando um velho rabugento e uma criança rumo a um antigo sonho. Uma história com sabor de clássico e que lembra o otimismo impresso com toda ternura nas películas de Frank Capra. Esta foi a primeira sensação que me deixou Up – Altas Aventuras, a mais recente mostra de virtuosismo técnico e emocional da parceria Pixar/Disney. Feito também em 3D, a atual obsessão dos estúdios de animação, o fabuloso longa-metragem vende magia, lições de moral e preciosismo em doses democráticas. Diversão feita com esmero e inteligência.

Difícil, para quem não tem preconceitos com qualquer gênero cinematográfico, não gostar de um desenho animado de tamanha boa intenção e pretensão artística. Ainda mais quando o roteiro, simples e inventivo, tem elementos de sobra para encantar crianças e adultos, mesmo utilizando-se de lugares mais que comuns. Lá estão o velho castigado pelas inevitáveis perdas provocadas pelo impiedoso tempo e a criança em estado puro de energia, representação icônica do novo e da esperança. Os dois com níveis de expectativas diferentes na vida, mas que se encontram em torno de uma mesma paixão que os vai unir: o desejo pela aventura.

Essa intersecção se dá de forma inesperada na bem bolada história com jeitão de fábula urbana. Carl Fredricksen, um ex-vendedor de balões de 78 anos que perdeu o bom humor depois que a esposa faleceu, dá asas, por uma circunstância fatal, a um sonho que o tempo se encarregou de frustrar: morar no topo de uma montanha na América do Sul marcada por uma imensa cachoeira. O local é um paraíso quase mítico que o homem nunca conseguiu alcançar. Suas asas são incontáveis balões coloridos que transformam a casa em que viveu com sua única mulher num histriônico dirigível. Voar é a chave para a fábula aventureira.

Aqui entra o contraponto que vai gerar o conflito emocional e toda a afetividade presentes no filme. Inesperadamente, Fredricksen é obrigado a levar um “fardo” na sua surpreendente viagem em direção ao desconhecido, o garotinho Russel, um escoteiro com traços nipônicos cujo sonho, por sua vez, é ganhar um distintivo. É a única premiação que falta na coleção do menino para que ele ganhe a honra de ser, na hierarquia do escotismo, um “grande explorador”. A química dos sonhos acaba abrindo as portas no filme para um relacionamento antes marrento, mas depois terno e altruísta.

Esse é resumidamente o mote da animação que, lá na frente, apresenta o vilão da história, uma surpresa para o espectador. No meio de um tiroteio de interesses divergente vividos pelos personagens, Up – Altas Aventuras, dirigido por Pete Docter(Mostros S.A), é construído de momentos tocantes e bem humorados. Não faltam mensagens ecológicas e de companheirismo numa trama lúdica que ganha a platéia exatamente por não complicar o meio de campo. Tudo ali está muito objetivo, palpável e sólido como a impressionante técnica em 3D desenvolvida pela Pixar, a mesma de Toy Story e da obra-prima Wall.E, que aproxima magicamente o público do real.

É alta tecnologia a serviço de uma fábula contada com alegria e emoção. E, o que é melhor, com ares nostálgicos que remetem à era de ouro do cinema norte-americano. Os sensacionais cinco minutos iniciais, praticamente sem diálogos, reforçam ainda mais esse clima. O espírito de aventura, um mundo desconhecido no meio do continente sulamericano, dois insuspeitos e simpáticos “indiana jones”, os coadjuvantes que fogem da linha do tradicional, tudo isso colabora para aquela sensação que rende uma grata e saborosa sessão. Fascinante para as crianças e divertida para os adultos. Mais um grande desenho animado, que tem tudo para entrar na lista de clássicos de uma parceria que está reinventando a história da animação na sétima arte.

Cotação: 4

Veja o trailer legendado do filme:

http://www.youtube.com/watch?v=ydmQXtfnnFY

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Casagrande é do rock

Naquela tarde quente de 15 de agosto, a deliciosa costela de tambaqui que havia comido alguns minutos antes ainda estava sendo digerida pelo meu preguiçoso aparelho digestivo quando vi, redivivo, Walter Casagrande na TV Globo. Vidrei: o ex-jogador e comentarista de muitas tardes de domingo de futebol, defenestrado de nossa telinha após um relacionamento hardcore com as drogas e um longuíssimo silêncio, voltava inesperadamente a ativa. E pra falar logo de...rock and roll. Uau, imaginei, pra emendar depois: isso é o que pode se chamar de uma volta emblemática.

Casagrande foi o primeiro apresentador de uma série de sete filmetes sobre aquele gênero musical, baseada no documentário “Seven Ages of Rock” da BBC britânica, que o Jornal Hoje iria exibir somente nos sábados. Esse resgate relâmpago só veio confirmar para mim o quanto nossa televisão é, algumas vezes, terrivelmente irônica e surpreendente. A imagem do cara, com seu jeitão de troglodita e a mesma cabeleira desgrenhada, ali, falando do libertário mundo rocker, trazia fatalmente à memória o incidente que parece ter acabado de vez com sua carreira de comentarista.

Pra quem não se lembra, Walter Casagrande foi notícia depois de um acidente feio com sua Cherokee em setembro de 2007, em São Paulo, que o levou malzão ao hospital (foto abaixo). Depois sumiu, sem explicações, da televisão. A Globo, patroa do comentarista de jogos de futebol, emudeceu. “Licença médica”, dizia apenas atrás de sua capa moralista.Ele voltou a virar notícia quando revistas e jornais informaram que estava em uma clínica de recuperação de viciados. Cocaína e heroína, o vício, apurou a tradicional Placar numa reportagem de sete páginas. Virou capa de conhecida revista semanal. Drama exposto para vender mais exemplares nas bancas. Tava lá o astro, desnudado e infeliz, desintoxicando diante da platéia big brother atônita.

A moral brasileira de ranço católico é podre como um toco de coqueiro castigado durante anos pela maré. A maioria tende a não perdoar alguém que é exposto de forma tão explosiva e pública como foi o ex-ídolo do Corinthians. E Casagrande foi o responsável, naquele primeiro Sábados de Rock – esse é o nome da série – por um texto que vendia o espírito explosivo do rock em sua gênese. Fatalmente, ele teria que citar a inevitável trinca sexo, drogas e rock and roll. Mas, a maior das ironias é que em seu texto rolou sexo, rock, mas as drogas ficaram estranhamente de fora do roteiro. Esquecimento ou protecionismo, quem vai dizer? Mas, que ficou uma lacuna ninguém tem como negar.

O artilheiro começava seu texto, numa locução acelerada, impessoal, listando aquilo que moveu o rock e o colocou como um dos combustíveis mais revolucionários do século passado: “Guitarra, bateria, baixo, volume máximo, atitude, transgressão, sexo, estilo, mensagem, conteúdo.” Mas, e as drogas? Como tirar dessa lista aquilo que, pelo bem e pelo mal, empurrou dezenas de ídolos, centenas de rockeiros a tomar atitudes que ajudaram a dar uma cara transgressora ao gênero e o colocou na “black list” de pais e religiões mais conservadores. Esperei Casagrande falar das drogas, mesmo numa vírgula de seu texto, mas, o cara não falou.

Fora isso, foi interessante ver nosso louco ex-comentarista esportivo muito à vontade para falar superficialmente – até por uma imposição do meio eletrônico - do rock, uma de suas grande paixões. Fã dos ícones doidões Hendrix, Janis Joplin e The Doors, cujos band leaders tiveram fim trágico, dois deles vítimas de overdose e o terceiro à sombra da suspeita, Walter Casagrande bate um bolão quando o assunto é guitarras no volume máximo. O que deve ter surpreendido muito espectador. Ou não, como diria Caetano Veloso, outro influenciado pelo rock no início de carreira.

Muitas carreiras e dezenas de dias enfurnado em uma clínica depois, Casagrande ficou longe dos noticiários desairosos sobre seus prazeres antes secretos. Deve ter se curado. Apareceu bem e cheio de energia na televisão, refrescando a tela naquele meio de agosto cansado de tantas manchetes requentadas sobre a morte de Michael Jackson. O fato é que cinco minutos e meio depois de ouvir o cara falar de Beatles, Dylan, Clapton, Kinks e Rolling Stones na televisão em horário nobre, não tem como deixar de dizer: Casagrande é do rock!


Se você não viu o Casa no Sábados de Rock, se ligue:

http://www.youtube.com/watch?v=V3dMO6aqpTc&feature=related

Mais à vontade ainda, Casagrande opina sobre seus ídolos pessoais e o rock brasileiro:

http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1266072-16022,00-WALTER+CASAGRANDE+ARTILHEIRO+INTELECTUAL+DO+ROCK.html