terça-feira, 7 de junho de 2011

Depois da tempestade

Entre tantos erros que cometi na vida, um deixou especialmente minha alma esgotada, na penúria, como aqueles biafras de expressão tocante na parte vergonhosa da África que morre de fome. Daqueles erros crassos, clássicos que servem para moldar todo um caminho dali pra diante. É como conviver com o vazio, num diálogo claudicante com a dor. Errar leva a uma lição que deveria ser sempre inesquecível para aquele que protagonizou o tropeço. Uma espécie de jab retificador de nossa ingenuidade. “Um homem roubado nunca se engana”, diria o filósofo Chico Science, mestre de todas as horas. Tá certo, ele. Penso nisso quando me deparo novamente com uma banda que gostei de cara ao ouvir o surpreendente álbum de estréia. Guillemots é o nome. Fizeram bonito no começo e depois vieram com um segundo disco estranhamente incorreto, esquálido, risível. Erraram feio. Mas eis que souberam aprender com o deslize e agora lançam esse que é, para mim, um dos trabalhos mais encantadores do ano.

Assista ao vídeo de “The Basket”:



Aquele primeiro disco, o surpreendente, é Through the Windowpane(2006), de robusto conteúdo e melodia cortante. Um desses para figurar, de tão poético em seu fazer, na cabeceira de gente de coração mole como eu. Um disco assim como um dia de sol em que tudo dá certo. Red(2008), o segundo, foi o exercício da decepção, venal e frágil como as promessas de um político que nem a próprio mãe acredita mais. Tiro no pé. O terceiro, o redentor, chama-se Walk the River(2011), fluido assim feito avassaladora paixão de adolescente. Febril desse jeito mesmo, enquanto criação generosa entregue ao nosso deleite. O combo multicultural que reúne um inglês, o vocalista Fyfe Dangerfield, um escocês, o baterista Greig Stewart, o brasileiro e guitarrista Lord Magrão e a baixista canadense Aristazabal Hawkes, os Guillemots, acertou a mão, produzindo doze canções inspiradas num álbum equilibrado e pronto para arrebanhar, com sua envolvente entranha, mais uma nova leva de fãs.

E o que vem das estranhas de Walk the River? Vem música madura, feita com esmero por artífices que podem ser comparados com aqueles artesãos de peças únicas, rococós, talhadas contra a vontade desses tempos ligeiros, afobados. Com paciência é possível degustar aquilo que o primeiro CD do grupo tinha de melhor, melodias bem acabadas e costuradas com arranjos super espertos. Quem ouviu a obra de estréia do Guillemots, guarda com carinho na memória a tentativa dos músicos de construir composições quase épicas, grandiosas. Essa marca registrada volta à tona em canções como “Yesterday is Dead”, com seus oito minutos orquestrais, com cordas e coros que crescem aos poucos até o final apoteótico e cheio de texturas. Repare nos últimos segundos da música, onde, do nada, entra um enigmático coro infantil. Essas camadas sonoras, postas uma sobre as outras com arte e engenho, voltam a se repetir em “Sometimes I Remember Wrong”, com uma longa e climática introdução instrumental que bem dispensaria a cantoria triste de Dangerfield.

Gosto principalmente dos momentos mais pops do disco, aqueles em que os Guillemots soam mais diretos, ainda que, mesmos nesses casos, não dispensem uma certa grandiloqüência mal disfarçada nos arranjos. Talvez pensem que nos engana com esse truque de parecerem simplezinhos. E é assim que eles, de alma lavada e lavando a nossa, arrebatam o ouvinte num dos inícios de álbum mais bacanas com que me deparei este ano. As três primeiras músicas são de uma graça e inspiração que emocionam. A voz segura e limpa de Fyfe Dangerfield leva você, na música título “Walk the River”, a mergulhar num rio de sensações prazeirosas. Grande composição levada com paixão e zelo pelo vocalista. Mas, o melhor viria a seguir com a ótima “Vermillion”, uma das minhas preferidas, que começa acústica, emotiva e segue arredondando sua beleza com a entrada, aos poucos, de mais instrumentos até cair num solo vertiginoso de guitarra. Dez de luxo. Assim como a mais roqueira “Ice Room”, daquelas de rachar assoalhos com suas cordas nervosas e corinho que lembra um bom U2.

Ouça a excepcional “Dancing in the Devil’s Shoes”:



Eles são pop e acessíveis também em outras pequenas pérolas, como a deliciosa balada “I Don’t Feel Amazing Now” e a que já nasce clássica “I Must be a lover”, com um dos melhores refrões, entre os muitos criados com inspiração para este álbum. Esta última canção, pode até ser heresia minha, admito, assim como “Slow Train”, remetem ao rock bem produzido e popular cometido por um cara cheio de atitude, autor de pelo menos dois álbuns marcantes dos anos 90 do século passado, o britânico George Michael. Quem tem medo dele? E para terminar essa resenha tão cheia de adjetivos e elogios descarados, que me perdoem os que a lêem agora, chamo atenção para uma canção lenta, a atmosférica “Dancing in the Devil’s Shoes”, de rara beleza e na qual me deixo sempre navegar. Ainda quero compreender esse sentimento e esse fogo que ela acende em mim. O tempo há de abrir, espero, clareiras para esse entendimento. Talvez você até desconfie de mim nesse momento atravessado, afinal esse gostar disparatado tende a empanar a razão, que sempre se mete à cartesiana. Mas, do alto desse meu coração aberto em demasia, arrisco a dizer, e sem medo de errar, que “Walk the River” é obra pra ficar, um grande álbum da mais completa redenção dos Guillemots.

Cotação: 5

Escolha:

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