quarta-feira, 12 de maio de 2010

Delicioso apocalipse

Da mesma geração de Céu, Ana Canãs e Mariana Aydar, que se destacaram no Brasil com trabalhos encorpados e inspirados, a paulistana Cibelle ainda não é muito conhecida do público brasileiro. E não será com seu terceiro trabalho, Las Venus Resort Palace Hotel(2010), que ela irá entrar na lista das queridinhas e aclamadas do momento. Uma pena. De todas as citadas aqui, a cantora e compositora que vive em Londres, onde é naturalmente mais cultuada, é a mais instigante. Seu novo disco é um assombro. Conceitual e com algumas esquisitices, o álbum leva o ouvinte para um passeio num resort visitado por turistas após o fim do mundo(!). O convite a essa viagem é feita logo na introdução climática, que sugere um hotel de selva, com pássaros cantando e macacos fazendo graça. E quem embarcar nessa, posso garantir, nada tem a se arrepender.

A Cibelle de Las Venus Resort Palace Hotel, não é a mesma de Cibelle(2003) e The Shine of Dried Electric Leaves(2006), seus dois discos anteriores. Nesses bons trabalhos, a artista emprestava sua arte refinada para regravar, com tintas diferentes e versões irrequietas, clássicos da música brasileira como “Por toda minha Vida"(Jobim e Vinícius de Moraes) e "London London"(Caetano Veloso). E para arranjar, programar e cantar suas próprias composições com toques de eletrônica e experimentações. Agora, ela resolveu dar uma radicalizada. Algo que vinha ruminando em sua cabeça há algum tempo. Em uma entrevista dada a IOL Música, na Europa, a cantora definiu seu trabalho recente como “um cabaret pós-apocalíptico tropical punk”. Para entender essa imprecisa definição é preciso ouvir o CD. Vamos tentar traduzir aqui.

Há ecos de cabaré sim nesse trabalho que em alguns momentos lembra a música bêbada do norte-americano de voz mutante Tom Waits. É o caso da malemolente “Melting the Ice” . Há ecos do punk, na anarquia de “Mr and Mrs Grey”, uma das melhores do CD, onde a mudança de andamento sai de uma levada mais lenta para um inesperado e estridente solo de guitarra. E há ainda aquela carga tropical em vários momentos do álbum traduzidas em vinhetas e introduções que remetem à ambiência de uma floresta densa, como se Cibelle dissesse o tempo todo: você continua refém do Vênus Resort Hotel e da minha proposta conceitual. Em todo esse amálgama conceitual existe um certo ar de nostalgia. É como se a trilha sonora do pós-apocalipse fosse mambos e sonoridades saídas de filmes dos anos 40 e 50 do século passado gravados em praias e florestas paradisíacas.

Nesse de volta para o futuro de Cibelle existe uma indelével graça. É um retrô revigorado e transmudado e modernizado pelas guitarras e teclados, que ora caem no kitsch ora partem para o refinamento. Impossível não beliscar a nostalgia como na jazzística “It’s Not Easy Being Green”. Tudo isso muito bem costurado por arranjos elaborados onde a sutileza e riqueza dos instrumentos contribuem, em grande parte, para o vigor deles. E acima de tudo isso, temos uma cantora afinada, de voz elegante e hipnótica. A paulista destila seu perfeito inglês em composições inspiradas. A sequência inicial é realmente matadora. Da alegrinha “Underneath the Mango Tree”, com ecos havaianos, até a triste e envolvente “Sad Piano”, o ouvinte já está completamente deleitado e se sentindo a vontade no Hotel de Cibelle.

Diferente ainda dos trabalhos anteriores, a artista só abre espaço para a língua mátria em dois momentos. E estes estão entre os melhores do álbum. São o samba-rock, na linha jorgebenriana , “Sapato Azul”, e a bacanérrima “Escute Bem”, com sua levada meio brega, arrematada pelo tecladinho sessentista e uma cadência manhosa de arrepiar. Senhora de si, Cibelle ousou e lançou um dos grandes álbuns brasileiros do ano. Las Venus Resort Palace Hotel é realmente um espanto, uma obra robusta, dessas para se ter na cabeceira da cama e mostrar para os filhos e netos.

Cotação: 5

Não esqueça os passaportes:

http://depositfiles.com/pt/files/at9n45f5m

ou

http://freakshare.net/files/v9lvngvt/Ci_Las_Venus_Resort_Palace_Hotel.rar.html

Vá de “Mr and Mrs Grey”:



Escute também “Escute Bem”:



Veja o vídeo de “Lightworks”:

sábado, 8 de maio de 2010

O romance mirabolante de Glorinha e Antenor

Bem sacudidinha. Passa rebolando dobrando as esquinas, entortando pescoços, provocativa que só. Toda senhora de sua irreparável e negra sedução. Grandona, coxas largas como o sorriso, solto e divertido. Nem pobre nem rica. Dinheirinho que dá pros gastos com a roupa de promoção e os produtos de beleza divididos em cinco vezes. Trabalhando duro como funcionária pública, no escritório do seu Armando, chefe do almoxarifado, que babava descaradamente por ela. O depravado ganhou até babadouro dos amigos, só de sacanagem, num desses amigos secretos de fim de ano. E ela, altaneira, como porta-bandeira de escola de samba em dia de graça, sabia de todas as histórias e fingia total desconhecimento, pra manter o respeito e o emprego. Saía do trabalho desfilando sua beleza abrasiva e dobrava as esquinas deixando homens e mulheres a deriva.

Em casa, asseada e com poucos móveis, uma estante comprada nas casas Bahia e já paga, uma mesa de centro com flores amarelas de plásticos bem no meio, ela caia pesada nos sonhos. Sonhava com um homem como tinha lido numa revista de fofocas. Grande e bonito e cheiroso. Trabalhador, dono de uma pequena propriedade (ela adorava essa palavra, cheia de r, p e d) com uma piscina na frente. Nem precisava ser grande, a casa e a piscina. Só pra domingos de churrascos. Com amigos e pagodes da hora. Ele, assim, branco, educado que falasse as palavras com calma, soletradas como faziam as crianças sabidas naqueles programas de sábado a tarde. Que tivesse estudo e pudesse ler histórias pra ela no meio da noite, depois do sexo longo e redentor. Ela encostada no peito dele, caladinha, ainda cheirando a suor, respirando as palavras de contos de fada saídas da boca dele.

E como a natureza prega as suas peças e ela acreditava piamente nas peças que a natureza pregava, eis que calhou de num dia de terça-feira um desses esbarros espalhafatosos de provocar risadas nos transeuntes. Numa esquina. Ela se estabacou no chão, desancando sua até então impávida elegância natural. Ele um magrelo desengonçado, feio que só, quicou no corpo escultural dela, enroscou-se nos próprios cambitos e se desmilinguiu feito macarrão em água fervente, tombando fragosamente na calçada. Apulpos da platéia. Risos altos ribombaram nos metros quadrados ao redor do acidente besta. Ela, furibunda, torpedeou:

- Imbecil. Olha por onde anda!

O desmilinguido ainda zonzo pelo tombo tomado, atrás do riso tímido, soltou a boa do dia:

- Seu impropério se desvanece diante de tanto fulgor.

A morena franziu o senho desentendida e com uma cara francamente divertida. Que língua é essa, pensou. Mas, não pode esconder o sorriso de cantinho de boca diante da figura e linguajar engraçados do magricela. Era a senha que faltava para que o pobre moço estendido no chão se levantasse de um sem pulo e se desmanchasse em salamaleques para ela. Por uns momentos ela anuiu que o rapaz de cabelos crespos e olhar doce tinha lá seu charme. Deixou até o telefone com o moço. Ali, começava, sem que os dois soubessem, uma relação digna de um romance, onde amor e prazer, desejo e rejeição se uniriam de forma tão intensa como poucas vezes se veria no mundo. Começava o romance mirabolante de Glorinha e Antenor.