domingo, 29 de novembro de 2009

Australianos surpreendentes

A terra dos cangurus de vez em quando nos surpreende com sua música. Do jurássico AC/DC, que pousou no Brasil neste fim de ano com seu metal baba, a The Vines, uma das boas bandas surgidas nessa década, passando por Midnight Oil, Wolfmother e Hoodoo Gurus, entre outras mais conhecidas, a moçada da Austrália bate a nossa porta com um sonzinho de qualidade que ultrapassa merecidamente as fronteiras da super ilha. O caso mais recente é de uma turma de Melbourne batizada The Temper Trap e que chamou atenção dos caçadores de novidades com Conditions(2009), álbum de estréia com bons achados e que tem no convincente senso pop e na voz em falsete de Dougy Mandagi seus maiores trunfos.

Há quem tenha classificado The Temper Trap como indie rock e até mesmo art-rock, mas acho que a galera australiana está mais para um indie pop, só para confundir um pouco mais a cabeça de quem adora uma segmentação. Mas, deixando esse tipo de definição de lado, o melhor mesmo é se ater a deliciosa busca do vocalista Dougy e de seus parceiros(o bom guitarrista Lorenzo Sttillito, o baixista Jonathon Aherne e o baterista Toby Dundas) por uma musicalidade objetiva que mescla popices a uma tendência glam, traduzida na intensidade da voz do líder da banda e nos arranjos bem trabalhados. E aqui tem os dedos e as mãos de Jim Abyss, produtor do trabalho e que já emprestou seu talento para discos de peixes grandes como Kasabian, Arctic Monkeys e Ladytron.

O lado pop se faz presente principalmente nas músicas mais dançantes e diretas, como “Fader”, uma das mais fracas do disco, com seu teclado datado, batida de bateria básica e corinho que lembram os anos 80. Feita pra tocar no rádio. E também na bacanuda “Rest”, com um refrão hipnótico e a interpretação irresistível, rasgada de Dougy, que dão ares de dance a essa poderosa canção. Rivaliza com “Science of Fear”(veja o clip abaixo), a mais rocker e com melodia inspirada do CD, candidata, entre as que ouvi, a uma das melhores e mais pegajosas canções do ano. Reparem no ótimo arranjo e na empolgante guitarra de Lorenzo. Uma prova inequívoca que esses meninos não estão para brincadeira.

Os australianos também sabem carregar no clima quando desaceleram. Perdem um pouco o pique em duas canções que tem seu forte nas mudanças de andamentos. Caso de “Down River”, com construção lenta e melodia mais arrastada, com um saxofone triste pontuando a canção, mas que ganham peso no refrão e no final com ajuda de bonito arranjo de cordas. A outra é “Love Lost”, que engana o espectador com seu teclado e palminhas no início, que sugerem uma sacode pista, mas acaba não saindo do lugar, apesar da guitarra e do gás que pega um pouco mais adiante. The Temper Trap volta a ganhar crédito na bela balada “Soldier On”, na qual sobressai a afinada voz de Dougy em tocante e preciosa composição.

Conditions é, enfim, uma dessas estréias realmente surpreendentes e que merecem a atenção daqueles que gostam de boa música. Ainda mais num ano em que o rock andou meio bambo das pernas. E também porque senti nesse início de carreira do grupo, o que é mais complicado, claros sinais de maturidade inventividade. O destemor em encarar o universo pop, tão difícil de ser conectado com talento pela maioria das bancas, e a voz marcante do vocalista já valem o investimento nos poucos mais de 40 minutos do álbum. E aí é esperar para ver se a galera de Melbourne confirma mais adiante as boas intenções. Recomendo. Cheio de esperança.

Cotação: 4

Ao ataque:

http://hotfile.com/dl/11391176/72ed388/The_Temper_Trap_-_Conditions_2009_MusicStranger.rar.html

Clip bacana da ótima Science Fear

domingo, 22 de novembro de 2009

A vez dos desacelerados

Eles não são chegados em barulho, microfonia, guitarras no talo ou baterias desesperadas. Andam em marcha lenta, buscando a economia de sons, tentando convencer todos de que o mundo é mais bonito se desaceleramos. Os especialistas já deram nome a essa “síndrome” na música: lo-fi, abreviação para Low Fidelity, ou baixa fidelidade. E o que era uma opção estética de trabalhar com gravação caseira, sem os recursos de estúdio, virou estilo, um tipo de música serena, minimalista e sem sobressaltos, que tem no indie rock da ótima Wilco, uma de suas melhores e mais conhecidas representantes. E essa é a tradução exata para a sonoridade da banda Real Estate que colocou no mercado o seu primeiro disco, que leva o nome do grupo, um exercício de delicadeza e sobriedade.

Real Estate(Selo Woodsist, Underwater Peoples, Half Machine, 2009), o álbum, abusa da guitarra acústica e cordas dedilhadas, da bateria repetitiva e hipnótica para espelhar cenas de um cotidiano sereno. O nome das músicas do CD já adiantam um pouco esse ritmo interno das canções que acabam refletindo-se também nas melodias. “Nadadores de Piscinas”, “Lago Negro”, “Rio Verde”, “Dias de Neve”, os títulos transportam o ouvinte para situações de plena calmaria e descanso. Orgânicas, as composições do disco de estréia desses garotos norte-americanos cheiram a primavera e dias de sol, seguindo a cartilha do folk, ou melhor seria dizer, nesse caso, tentando achar uma definição mais exata, neo-folk com pitadas de psicodelismo, no qual a melodia se sobrepõe ao aparato técnico e efeitos sonoros, criando sensações na alma de quase letargia. Tudo realmente muito delicado e sensível, bom de se ouvir em momentos relaxantes, um fundo musical para se contrapor a correria dos nosso dia-a-dia.

Dezenas de outras bandas atualmente caminham na mesma praia do Real Estate. São herdeiros privilegiados dos anos 60 e 70, décadas preciosas e pioneiras em que a arte de gente prá lá de talentosa, como Joni Mitchell, Joan Baez e Van Morrison, só para ficar nos básicos, enriqueceram o folk rock, incorporando elementos modernos ao gênero. Os novos se permitem misturar ainda mais referências, munidos ainda das invenções musicais que surgiram de lá para cá. E o casamento folk, pop e psicodelia é hoje um dos preferidos dessa turma. Nessa direção, a galera de New Jersey, cevada no Brooklin, e que tem a frente Matt Mondanille (mais conhecido como integrante da banda Ducktaills), possui um senso real de direção, um equilíbrio e clareza musicais que vão ajudar a banda a evoluir, a meu ver, para uma sonoridade mais consistente.

É essa serenidade e equilíbrio do debut que transparecem em melodias bem construídas e com ares nostálgicos, como “Beach Comb” e “Pool Swimmers”, com a utilização enxuta de violão e guitarra, fazendo a cama para composições objetivas e suaves. As vozes, tão lo-fi quanto as músicas, coabitam com a instrumentação minimalista nos arranjos extremamente simples, como se fossem apenas mais um outro instrumento qualquer. A pop “Green River”, uma das melhores do disco, reforçam esse folk latente do grupo, com seu pandeiro, violão animadinho e coro alegre, como se tivesse saída de outros tempos, de dias mais inocentes e esperançosos. Na mesma linha, a bela “Snow Days” é mais bem resolvida melodicamente, fechando muito bem o álbum.

A opção pelos arranjos e execução dos instrumentos minimalistas nos leva a ter a sensação de que as músicas se parecem uma com as outras. É preciso ouvir Real Estate com cuidado e paciência para perceber as diferenças. A impressão é de que o grupo, com esse primeiro trabalho, está ensaiando algo maior, que reverbere mais. É possível sentir inconsistência e fragilidade em algumas músicas como em “Suburban Dogs” ou em “Fake Blues”, que, de Blues realmente, não tem nada, mas há lampejos de criatividade e talento como nas canções citadas no parágrafo anterior. Um trabalho em tom menor e claramente despretensioso(não espere encontrá-lo na lista de revelações do ano), mais uma estréia com bons achados que me faz apostar num futuro promissor para essa galera. Vou pagar pra ver.

Cotação: 3

Confira o som dos suburbanos de Nova Jersei:

http://www.mediafire.com/?nmjdq3yw1iz

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Discurso do amor terno

O gostar é um mistério. Daqueles mais incríveis e que fazem da natureza humana um fantástico e insondável calabouço que ajuda a tornar todos nós, homo sapiens, seres admiráveis. Há alguns anos atrás conheci a música do paulista Kleber Albuquerque(esse cara aí do lado) e, não sei por que motivos, resolvi gostar dele. Despretensiosamente. Poucos amigos embarcaram na minha. Poucos críticos, que eu saiba, teceram loas a sua arte. Quase nenhuma Maria Bethânia quis gravar alguma música dele. Mas, eu, a cada disco lançado do artista, ia liquifazendo suas canções dentro de mim. E ele foi se abancando, ajeitando, quarto pronto, a caminha e o travesseirinho, na minha casa do gostar.

Kleber Albuquerque lançou recentemente seu sexto trabalho, de nome banal, Só o Amor Constrói (Gravadora SeteSóis, 2009). Confesso que havia uns dois anos não visitava as músicas desse querido, quase um velho amigo, compositor e cantor. Como que se ele tivesse tirado umas férias da minha casa do gostar. Mas, seu quartinho, pude perceber com carinho, estava esperando por ele. Ouvindo seu novo álbum fui entendendo as razões da minha simpatia e admiração particular pela sua obra. O artista mantinha, com sólida coerência, ainda que com vigor arrefecido, seu discurso amoroso, sua verve crítica e as melodias sentimentais daqueles que cantam colocando o coração pela boca.

Colocar o coração pela boca, se doar inteiro na poesia, como se cada canção fosse uma espécie de retiro espiritual. É, talvez fosse esse o motivo, me veio agora com o reencontro e com o peso das idéias amadurecidas, que me fez gostar de Kleber Albuquerque. Só o Amor Constrói não é o seu melhor trabalho. Discos mais intensos como 17.777.700(1997) e Para a Inveja dos Tristes(2000) continham músicas inspiradas que me faziam assobiá-las entre o cafezinho do fim de tarde e a montanha de serviço que me aguardava na noite que se avizinhava. Mas, o álbum traz de volta o velho Kleber de guerra, sincero como sempre e capaz, como sempre, de construir canções tão doces quanto incisivas.

O universo radical e emotivo que move Kleber Albuquerque vem à tona em pelo menos três músicas que figuram entre as melhores que já produziu. Esse radicalismo está na valorização da família e da ancestralidade refletida “nos olhos do pai de meu pai e nos olhos da mãe da primeira mãe” em “Geração”, de melodia triste e bonita. Está nas imagens da infância recuperadas em atos cotidianos descritos em “Calafrio”, que conta com a participação de Renato Braz, uma das melhores vozes masculinas da MPB atualmente. As notas vermelhas no boletim, o prazer de brincar no quintal, imagens que navegam numa sonoridade que lembra a telúrica poética musical do Clube de Esquina de Milton Nascimento e seus parceiros mineiros.

O terceiro achado de Kleber Albuquerque é “Por um Triz”, na qual se vislumbra uma velha prática do artista, que é a de explorar com propriedade a riqueza melódica e vocabular de nossa língua mátria. Junta uma canção de melodia cativante, beirando a melancolia, a uma letra de viés concretista. Bom poeta, nos prende quando canta o lamento daquele que constata que “o triste é que pra ser feliz foi por um triz”. Todas as músicas, com arranjos caprichados, no qual se sobrassaem um bandolim e uma sanfona arrepiantes, ficaram a cargo da excelente Miniorkestra de Polkapunk (André Bedurê, Estevan Sinkovitz, Gustavo Souza, Paulo Souza), que dividem a assinatura, com muito justiça, deste Só o Amor Constrói.

A coerência de Kleber Albuquerque está ainda nas suas criações pops, que tentam envolver o ouvinte com uma temática leve, sem perder a inteligência jamais, e que revelam o lado mais lúdico do artista. É o caso de “Só o amor Constrói”, onde cita Che Guevara em meio a uma levada brega, com seu típico tecladinho de churrascaria. Chega mais perto do radiofônico na pegajosa “Teve”(em parceria com Zeca Baleiro), uma crítica ferina a TV e seus apelos comerciais em ritmo de reggae. Mas acerta mão mesmo, nessa busca do equilíbrio entre o pop e o definitivo, em "Logradouro", com melodia intensa e refrão delicioso: “Você verá, eu vou ser feliz de dar dó/ Vou rir até desaprumar as parabólicas”.

No mais há derrapadas, como sempre, a exemplo do rockabilly “Sete Faces”(yeah, o rock faz parte da cartilha musical do compositor) e da versão acelerada, na onda do ska, para “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto. Nada porém que afete essa minha inabalável fé na ternura que escorre pelas linhas e entrelinhas das canções de Kleber Albuquerque. Muita gente pode achá-lo chato e meloso. E até dizer que ele tem uma vozinha lá não muito convidativa (e aí, até concordo). Mas, esse mistério do gostar hoje em mim, pelo menos no caso desse artista de vozinha pouca, está bem resolvido. É na sinceridade desse Só o Amor Constrói que quero me espelhar. Ouça o disco. Ame-o ou deixe-o, mas se permita.

Cotação: 4

O elo para esse disco amoroso:

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sábado, 14 de novembro de 2009

Saudade do Strokes

Quando minha memória pousa no já quase longínquo ano de 2001, ela é invadida pela imagem de um puta álbum que marcou época. Is This It desembarcou no planeta arrasando quarteirão, embasbacando a crítica e tomando de assalto o cérebro da moçada cheia de expectativa com relação a música que poderia surgir com o novo século. Quem me apresentou esse grande Strokes foi um sobrinho, de ouvido esperto, que tem o saudável vício do rock and roll correndo forte no sangue. A banda novaiorquina nunca faria nada tão bom. Depois dele vieram o bacana Room on Fire(2003) e o bem mais ou menos First Impressions of Earth (2005). Daí a compreensível expectativa, quatro anos depois do último trabalho, em torno do recém lançado disco solo do vocalista Julian Casablancas.

Mas, a meu ver, não é com o primeiro álbum de Casablancas que vamos matar saudades dessa que foi uma das bandas mais legais de rock que surgiram nesta década. É claro que os fãs do grupo esperavam do vocalista um revival das canções pegajosas e vibrantes que ele ajudou a criar. Contudo, Phrazes for the Young(2009) é uma investida musical acabrunhante do carinha e não apenas por se distanciar em sua proposta dos Strokes. A sensação é de um disco desigual, sem norte, uma tentativa vã de Casablancas de criar uma identidade musical própria. Mas o que ficou em mim foi um gosto azedo na boca e a expectativa, reforçada agora, da propalada volta da saudosa banda com um novo disco para 2010, desses que deixem, desculpe a utopia, Is This It no chinelo.

Casablancas parece ter querido apostar em Phrazes for the Young num Synth pop com ares oitentistas. Quem ouve a pouca inspirada “Glass”, uma baladinha em que o teclado insistente e sacal torna a música cansativa, e a pop e descartável “11th Dimension”, até toma um susto. Afinal, o vocalista e compositor tem muito mais poder de fogo do que o mostrado nessas duas bobagens. Mas, há vida inteligente no álbum, principalmente quando a guitarra resolve dar um chega pra lá na tecladeira e toma conta da situação. “Out of the Blue”, a melhor e o que há de mais próximo de Strokes(olha a choradeira de novo...) no disco, é canção que pega de jeito o ouvinte com sua batida seca e hipnótica de bateria e a guitarra pontuando a melodia. Inspirada e animadinha de toda.

A guitarra manda muito bem também na bonita “Tourist” e naquela que considero a música mais emblemática do trabalho, “River of Breaklights”, os outros dois lampejos criativos do trabalho. A primeira tem um solo de guitarra marcante, arranjo inteligente e uma cadenciada e interessante melodia. Barulhenta e inquieta, a segunda, por sua vez, tem uma sonoridade um pouco estranha, com direito a teclado atonal no meio de toda aquela intensidade imposta por Casablancas. Mas, a estranheza é realinhada na hora que entra o cativante refrão. E aqui, vemos a luz própria, aquela que ele quis acender sem muita objetividade, do compositor. Aqui, ele deu a deixa de que pode ousar. Mas, esse vigor e ousadia infelizmente não se repetem em boa parte das composições.

Pelos insights, Phrazes for the Young não é um disco de se jogar fora. Mas, não corresponde a expectativa gerada por um compositor que, afinal, demorou para se mostrar em um trabalho solo. Julian Casablancas fica devendo um trabalho verdadeiramente consistente para os fãs que ele, e a culpa é toda dele e seus parceiros de Strokes, acostumou mal. E, no fundo, a gente sabe que essa álbum, mais cedo ou mais tarde, virá.

Cotação: 3

Control C control V para Casablancas:

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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Beijo derramado

Ney Matogrosso é muito macho. Que me desculpe o Romário, mas Ney é o cara! Ao contrário de muitos medrosos que fogem das inevitáveis comparações na hora da escolha de um repertório, ele as encara do alto da serenidade que o talento lhe deu. E mais, desafiando afinado o tempo e limites em seus quase e bem vividos 70 anos. Em Beijo Bandido(2009), o cara retoma a MPB mais classuda, depois do investimento em um disco mais rocker, o superestimado Inclassificáveis(2008). E o faz sob a égide da paixão. Derramado e sensível, seu último trabalho é, quase todo ele, uma ode ao amor alinhavada por uma seleção competente de canções que atravessam gerações.

Não resisti, depois de ouvir algumas vezes a Beijo Bandido, a resenhar o álbum a partir da comparação de interpretações do repertório eclético selecionado por Ney Matogrosso. Fui motivado por uma lista de composições que ganharam notoriedade nas vozes de outros ases da Música Popular Brasileira. A começar por “Tango para Tereza”, clássica dor de cotovelo assinada por Evaldo Gouveia e Jair Amorim, e que fez sucesso na voz da grande Ângela Maria. Ney realinha, melhora a canção, enxugando os excessos da Sapoti, carinhoso apelido da cantora, mas mantendo a dramaticidade da letra e melodia, num tom acima ao da maioria das interpretações do disco, aproximando-a de sua essência de cabaré.

Em vários momentos, Ney Matogrosso se arrisca a interpretações mais ousadas e acerta a mão, presenteando o ouvinte com momentos sublimes. Em alguns, o cantor suplanta a ele próprio. Supera-se, por exemplo, na versão mais cadenciada de "Segredo"(Herivelton Martins/Marino Pinto), valorizando a sensualidade desse outro grande clássico, em detrimento da malícia que impôs a mesma música presente no maravilhoso O Pescador de Pérolas(1987). Em outros, nivela sua performance aquelas consagradas, caso da arrepiante “Medo de Amar”, uma das obras-primas de Vinícius de Morais(aquela que diz, depois de uma irretocável declaração de amor, que “o ciúme é o perfume do amor”), eternizada com maestria, entre outras, por Nana Caymmi. Ele mantem a intensidade da baiana num arranjo que começa suave, no solo com um piano tocante, para crescer em direção a um samba canção doído como a letra.

Duas outras interpretações revelam um Ney soberano. Até porque, as boas canções não haviam ganho, até onde vai meu conhecimento, defesas a altura de sua força e beleza. Exemplo de “Bicho de Sete Cabeças II”(Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha). A versão mais conhecida é a de Geraldo Azevedo, que até empresta dignidade a sua criação. Mas, Ney Matogrosso, amparado em um arranjo que transforma a música num quase chorinho, agiganta a nervosa composição dando-lhe ainda mais ritmo e impacto. A outra é “Invento”, do ótimo Vitor Ramil, gaúcho talentoso que precisa ser descoberto pela maioria dos brasileiros, cantada em Beijo Bandido, título tirado da música, com uma ternura que reforça as aveludadas letra e poesia.

Existem momentos, contudo, em que Ney perde a contenda. Casos de "A Bela e a Fera"(Chico Buarque e Edu Lobo, cantada com extremo vigor, não alcançado por Ney, por Tim Maia, e de “Fascinação”. Mas, é difícil, diria quase impossível, superar a interpretação da fantástica Elis Regina, para a versão de Armando Louzada e Dante Marchetti daquele clássico norte-americano. Ainda que, o artista tenha chegado muito perto da pimentinha com sua interpretação para "As Aparência Enganam"(Tunai/Sérgio Natureza), no disco de 19 que leva o título da música. Mas, ainda assim, sua "Fascinação" também emociona, enriquecida pelo lindo arranjo e pela bela introdução ao piano.

Ney acrescenta, porém, pouco a outras canções, como “Nada por Mim”(Herbert Viana/Paula Toller)”, que contrasta com a sensualidade imposta por Marina Lima, “Mulher sem Razão” ( Cazuza, Bebel Gilberto e Dé Palmeira), que tem na voz de Adriana Calcanhoto uma versão mais sincera, e “A Distância”(Roberto/Erasmo Carlos), insuperável na voz do rei e que ganhou de Ney uma interpretação burocrática. De qualquer forma, mesmo sem estar muito inspirado nesses momentos, o ex-Secos e Molhados, fez um álbum maduro (impossível ser diferente, para quem demonstrou uma imensa coerência em sua carreira) e que pode figurar com honra em sua longeva discografia. Uma obra para ser ouvida em horas tranqüilas e que leva a assinatura firme de um cara com muito a ensinar a todos nós. Longa vida a Ney.

Cotação: 4

Aceite esse beijo bandido:

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sábado, 7 de novembro de 2009

De volta pro aconchego

A bola no gol e o eco do grito de dezenas de torcedores ribombando embaixo da mangueira alheia a tudo. A velha e solene mangueira no barzinho sujinho e repleto de gente de preto e branco e uma cruz de malta brilhando no peito trêmulo de orgulho. O impávido gol ateando fogo na paixão. Gente que nunca se viu se abraçando como se todos fossem conhecidos de longa data. Que engraçado, né? Que mágica doce. Futebol é isso. Essa magia besta e cotidiana que acontece no instante em que a danadinha resolve rir do goleiro e estaciona ali entre as traves, estática, alheia como a mangueira. Sábado, sete de novembro de 2009 e o Vasco, ou melhor, enchendo o peito com todo o oxigênio que me é possível, o Vascão reocupa seu lugar no olimpo do futebol brasileiro.

Nunca joguei futebol. Nunca quis. Sou perna de pau, mas gosto de assistir a uma partida bem jogada. Assisti a vitória do Vasco sobre o Juventude por 2 a 1 no bar sujinho que não tem nome, do Adilton, um cearense pançudo, simpático e completamente despreparado para administrar um estabelecimento daquele tipo. Bar ao deus dará. Mas, Vascaíno convicto, teve a competência para juntar apaixonados como ele. E foi essa gente, uniformizada como que para um desfile, que foi se juntando no quintal da mangueira alheia, ocupando cada metro com sua palpável e densa expectativa de ver o time do coração voltar a série A do campeonato de futebol nacional mais visceral e sanguíneo do planeta. Chão de terra batida, a cerveja solta e olhos ávidos grudados na tela da televisão em completa sinergia, uma comunhão potente, eclesiástica. Uma missa e uma missão.

A missão, cumprida. Teve lágrimas nos olhos. Marmanjos chorando de emoção sob os olhos incrédulos dos pequenos filhos, fardados como o pai, alheios ao impacto da vitória rasgando o peito daquele cara tão menino. Que engraçado. Que mágica pura. Teve riso solto, buzinas alucinadas em carros alheios a tamanha alegria. A alegria da recompensa depois da sofrida tragédia, com todos os elementos da gênese grega, de ter sido rebaixado. Rebaixado. Que palavra feia. Agourenta. Agora, a remissão. Que palavra bonita. Vasco fênix, afastando uma doída tristeza do passado. E depois do final, a partida acabada depois do fim no bar sujinho sem nome, nem havia mais a televisão, aquele aparelho anguloso que sugou toda a nossa atenção por ansiosos 90 minutos. Havia a felicidade. E ela nos bastou. A cruz de malta avermelhada, cor de sangue, impressa nos corações acelerados pode enfim dormir, na noite de sete de novembro de 2009, em paz.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Tarantino vai a guerra

Uma longa e tensa conversa se forma. Dois homens sentados em uma sala em posições antagônicas: o algoz e o benfeitor. A raposa e o coelho. O cenário, uma fazenda francesa em pleno auge da ocupação nazista. O diálogo habilmente construído revela um vilão arguto arrancando com extrema frieza aquilo que pretendia ouvir do interlocutor. O final da conversa é dramático e termina em carnificina para o horror de quem acompanha aquela espécie de pesadelo. Parece até cena de algum faroeste, corroborada inclusive por uma trilha que lembra um trabalho do diretor italiano Sergio Leone, mas é na verdade um filme de guerra, assinado pelo cultuado Quentin Tarantino. Estou falando de Bastardos Inglórios(2009), uma investida alucinada desse cineasta num gênero que há muito não trazia qualquer surpresa aos amantes da sétima arte.

É bom salientar, de antemão, que Bastardos Inglórios não é um Tarantino(o figura sentado ao lado da loiraça na foto abaixo) absoluto. Em alguns momentos até, o longa-metragem navega tranqüilo na tradição, no convencional, como se pilotado por um desses cineastas norte-americanos medianos comprometidos apenas com a bilheteria. Mas, há elementos de sobra no transcorrer da história que deixam claro que a obra em questão tem um algo a mais, diferenciais com uma reconhecível e valorizada assinatura. Estão lá, como em Kill Bill e Pulp Fiction, as referências ao admirável mundo pop que fez a cabeça de milhões de simples mortais, desde a atmosfera do western spaghetti, a praia em que reinou Leone, até as intervenções musicais a princípio desconectadas com o tempo real da ação, mas que casam perfeitamente com a cena.

A trama é quadrinhesca, mais uma característica das obras do diretor. O filme é dividido em vários capítulos, habitados por personagens que beiram a caricatura e têm perfis bem definidos. Os bastardos do título são uma trupe de cruéis vingadores, uma espécie de polícia secreta norte-americana, formada para matar qualquer nazista que aparecesse pela frente. Liderando os inglórios está Aldo Apache, vivido por um farsesco Brad Pitt, o boi de piranha da produção para angariar público. A macabra ordem dada pelo chefe aos comandados é a de que cada um precisa reunir 100 escalpos dos soldados de Hitler. A história paralela traz a tona uma rancorosa judia Shosanna (Mélanie Laurente), traumatizada pela chacina da família e que encontra, anos depois, a perfeita oportunidade de se vingar dos impiedosos nazistas, incluindo aqui Adolf Hitler. É esse ápice também o momento do crossover de todos os personagens.

O fio condutor, espertíssimo, dessas duas tramas é exatamente o vilão mor do filme, um misto de detetive e matador de judeus, interpretado com maestria pelo excelente Christoph Waltz. Ele vive Hans Landa, um homem inescrupuloso e desalmado que interage acidamente com todos os mocinhos, se é que podemos chamá-los assim, de Bastardos Inglórios. Landa é o emblema do longa-metragem de Tarantino, no qual a ética e a benevolência são substituídas pelo cinismo e pelo desamor. Até a possibilidade de um romance, entre Shosanna e um soldado e candidato a ator nazista, vivido por Daniel Bruhl, é atropelada pela violência e sede de vingança. Ninguém é bonzinho no filme. No final, todos têm culpa, todos são um bando de bastardos sem a mínima glória.

Apesar das motivações objetivas e secas que levam todos a matar, a violência na fita é surpreendentemente arrefecida. Não se vê aqui aquele vale de sangue produzido fartamente nos outros filmes de Quentin Tarantino. O interessante é que o autor parece se focar mais na tensão e no suspense para contar uma história bem objetiva. O diálogo inicial, descrito rapidamente no início dessa resenha, é extremamente feliz. Assim também como nos encontros de Landa com Brad Pitt, um deles hilário, momento em que o bonitão, disfarçado de italiano, imita o Marlon Brandon lacônico de O Poderoso Chefão, obra-prima de Francis Ford Coppola.

A precisão do texto se junta às referências pops impressas pelo cineasta. A já citada linguagem das HQs sentida na arquitetura dos personagens, a homenagem ao compositor Ennio Morricone, a sublime inclusão de um David Bowie pouco conhecido cantando "Cat People(Putting out Fire)", resgatada do filme A Marca da Pantera, de Paul Schrader , no momento em que Shoshanna vizualiza seu plano incendiário, a divisão em capítulos e as inserções de tipias bem setentistas para identificar os bastardos... Toda essa reciclagem, a qual os fãs do diretor já se acostumaram, dá um toque novo, inesperado e moderno a esse filme de guerra, segmento que poucos têm coragem de incursionar e ousar. O despachado Tarantino entrou nessa seara e mostrou que pode dar uma saudável sacudida no gênero. Claro que do seu jeito autoral e mesmo sem o vigor cinematográfico que impôs no clássico Cães de Aluguel e Pulp Fiction, para mim ainda seus melhores trabalhos. De qualquer forma, Bastardos Inglórios é um filme acima da média, um programão para quem quer diversão criativa e inteligente.

Cotação: 4

Sinta o poder dos bastardos:

http://www.youtube.com/watch?v=v4ug2PGniMM

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Faltando um pedaço

Sabe quando um disco começa e termina bem, mas o miolo é cheio de altos e baixos e recheado de inconsistência. Pois é, essa foi a minha sensação depois de ouvir algumas vezes A Brief History of Love(2009), o álbum de estréia do The Big Pink, uma das bandas londrinas mais comentadas e elogiadas pela crítica da Inglaterra este ano. Uma aposta, aliás, do bacanudo selo 4AD. Mas, essa coisa de hype, de banda da moda, é mesmo um saco. Você, de tanto ouvir falar, acaba querendo entender, mesmo desconfiado, o porque do falatório. Acaba criando uma expectativa e quando ouve, em muitos casos, como esse, fica com aquele gosto travado na boca, sentimento de meio gozo, de incompleitude.

The Big Pink é um duo vindo da capital inglesa formado pelo vocalista Robbie Furze e pelo tecladista Milo Cordell. Fazem, para alguns comentaristas, um misto de shoegaze com noise industrial. Acho a classificação chula e imprecisa. Para mim, os dois tentam algo na linha do rock industrial, com influências do indie rock dos anos 90, sem focar num gênero específico. Tentam assim algo novo? Não, são simplesmente confusos. Falta equilíbrio e o que se vê são dois caras perdidos entre fazer um pop mais acessível e um som pretensiosamente cabeça, com excesso de microfonia e programação eletrônica barulhenta.

A Brief History of Love é um disco meia boca. Ele até começa bem com a bacana “Crystal Visions”, com um bom refrão e mudança empolgante no andamento da música, saindo do arranjo contemplativo e minimalista para um noise amparada principalmente na guitarra. Já na música seguinte, começa a se desenhar a frustração com uma cansativa carga de distorção que fazem de “Too Young to Love” uma música calculadamente cerebral e moderna. Não pega. Tentam novamente o mesmo caminho em outras composições como a instável “Velvet” e a sem graça e melosa “Golden Pendulum”, que jogam o disco para baixo.

Talvez o que o duo gostaria mesmo era de ser mais popezinhos e diretos(assim como suas letras românticas), sem frescuras na onipresente programação eletrônica. É o que demonstram nas mais degustáveis e sinceras, "Dominos", de melodia fácil, assobiável e que até se aproxima do shoegaze e as mais dançantes “Frisk”, com Robbie Furze cantando num estilo meio rapper, e o eletrorock “Tonight”, feito claramente para as pistas. A última canção do CD, a balada “Count Backwards from Ten”, deixa claro ainda que Furze e Cordell podem criar melodias poderosas, fechando o disco com a esperança de que o próximo trabalho seja mais contundente e corresponda a todo o barulho que fizeram em torno deles.

Por enquanto, o que temos é uma banda mediana, ajudada por uma ótima produção (repare na mixagem e limpeza do som, apesar do noise e suas guitarra e tecladeira sujas), tentando entrar para o hall da fama pela porta da frente. Deram de cara, a meu ver, apenas com a porta dos fundos. Talvez A Brief History of Love apareça em alguma das listas de melhores do ano. De antemão, devo torcer o nariz, mas vou receber o próximo trabalho da dupla de coração aberto, esperando o convencimento. Adoraria, com toda sinceridade, que isso acontecesse, Afinal, som bom é sempre bem vindo.

Cotação: 3

Os rosadões a seu dispor:

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