quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mergulho no rock direto

Aquela incerta agressividade e o cheiro permanente de cachaça no ar, provocando conversas ao pé do ouvido, o constrangimento e seu efeito silenciador corroendo a amizade de tantos anos, como aquele cilindro na ponta do cano da arma, aquele tiro contra o próprio peito. Toda a violência arde, mas antes que tarde é bom que se diga nesse caso, para que não se faça julgamento precipitado: nem toda a violência é planejada. O tiro contra o próprio peito acionado pelo involuntário, palavra bala saída da boca ácida de Craig Nicholls tinha a ver com Asperger. A síndrome. A Síndrome de Asperger que quase pregou o cara na cruz. Suas brigas e explosões, os tabefes no assustado fotógrafo, imagem que caiu nas graças da imprensa, os vitupérios e a dificuldade de se comunicar, a obsessão por um assunto determinado, mas também pela música, o encanto desmedido pela música, tudo tinha a ver com Asperger e com Craig Nicholls. O vocalista do The Vines era homem de inesperados extremos, do radical vigor do álbum Highly Evolved(2002), que deixou meio mundo de calças arriadas, ao rock aberto, que deixou meio mundo decepcionado, no atual Future Primitive(2011). Tudo isso é o cara. E tudo isso vale o seu tempo.

Veja o clipe oficial de “Gimme Love”:



No tempo em que Highly Evolved foi lançado, Strokes e Hives eram duas das bandas que polarizavam a atenção de milhares de jovens nos quatro cantos da Terra. Momento rico do rock, quando guitarras distorcidas e no talo pegaram a molecada de assalto. O disco dos australianos comandados por Nicholls era cru, garageiro, endiabrado como aquele gênero musical deve ser. De 2002 para cá, The Vines foi perdendo o vigor, tropeçando em trabalhos menos inspirados e de insuspeitada leveza, como o bacana Winning Days (2004), e o apascentado e não tão bom assim Vision Valley(2006). E trombando também na maldita Síndrome de Asperger, que, mesmo sem impedir o vocalista da banda de encarar o mundo, o deixava algumas vezes desarmado diante da moral vigente. Até porque o mundo é realmente cruel com quem desenvolve comportamentos inconstantes. Com esse quinto trabalho, o anterior é o risível Melodia(2008), os australianos dão um passo a frente e revelam uma maturidade e serenidade que nenhuma síndrome pode abafar.

Future Primitive foi achicalhado por boa parte da crítica institucionalizada. É, o mundo continua cruel com quem desenvolve comportamentos inconstantes. Nicholls(o segundo da direita pra esquerda), muito mais calminho que antigamente, pelo menos até a próxima explosão, deixa claro, contudo, que esses jornalistas e blogueiros patinam em um velho e injusto ranço. The Vines voltou diferente, menos elétrico e vigoroso, é verdade, mas fazendo um rock and roll tão limpo e direto que bem merecia um olhar mais cuidadoso e menos patético desses críticos de plantão. Sem se arvorar em fazer o inédito, o grupo, com a voz de Nicholls mais afinada que nunca, busca nos anos 60 a inspiração para um álbum com boas melodias e uma energia que se renova a cada audição. Não buscam de forma alguma impactar ou engendrar um novo Highly Evolved. E é no explícito prazer dos caras de exercitar o rock puro e básico, de fazer o simples que se revelam as delícias do mais recente álbum dos australianos.

Ouça a pedreira “Weird Animals”:



Essa simplicidade está escrita nas entrelinhas da grande maioria das 13 músicas que compõem um álbum ligeiro, curto, espertíssimo. A eletrizante “Gimme Love” abre o disco botando os sentidos para chacoalhar. Bublegum com cheiro de naftalina, traz os acordes dos anos 60, da efusividade que fizeram a fama de bandas como Beach Boys, The Monkeys e The Kinks. Essa mesma musicalidade, com ecos concretos do típico psicodelismo da época, se faz presente em “Candy Flippin’ Girl, com a batida marcada da bateria, o sintetizador manso e a guitarra ditando o ritmo. Essa moldura sessentista continua impressa na convincente "Cry", com seu pandeirinho e barulhinhos eletrônicos hippie-chiques, e no folk datado da linda balada “Goodbye”. E há quem veja ainda os Beatles dos anos 60, uma das influências mais marcantes do The Vines, em “All that you Do”. Enxergo melhor essa bendita herança, ainda que só pincelada, em “A.S.4”, lenta e graciosa melodia que bem poderia fazer parte do repertório do Oasis, quando este extinto grupo tentava imitar com medida competência os ídolos Paul e Lennon.

Afastando-se um pouco dos 60, os caras do The Vines - além do emblemático Nicholls(voz, guitarra), Ryan Griffiths(guitarra), Hamish Rosser (bateria) e Brad Heald(baixo) - encaram algumas viagens por sonoridades mais próximas da geração deles. E isso em algumas das melhores músicas desse injustiçado CD. “Weird Animals”, com sua pegada punk, é suja e feroz. A guitarra distorcida e melodia ganchuda levam o ouvinte à lona. Música tão legal quanto “STW”, que tem um quê de Nirvana, outra das explícitas influências do grupo, e quem sabe um elo com o futuro, uma linha a ser seguida no próximo trabalho do Vines. Os acertos ajudam a relevar a única grande bobagem do disco, a instrumental e paranóica “Outro”, um deslize aliás até compreensível e perdoável para quem vive a sombra da Sindrome de Asperger, né mesmo? Deixando a ironia pra lá, e desafinando o coro dos descontentes, recomendo, sem restrições, Future Primitive, esse regular e despretensioso Vines em sua honesta busca do mero prazer de cantar e nos fazer feliz.

Cotação: 4

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