domingo, 5 de julho de 2009

Inventor moderno

Em minha primeira viagem para Recife fui surpreendido pela sonoridade da cidade. O caos urbano, misturado ao cheiro indigesto do Capibaribe na linha fronteiriça que separa o Recife antigo da zona central, parecia inteiramente coadunado com o som que saía dos instrumentos percussivos que tomavam as esquinas naquela terça-feira de carnaval. Percebi que o recifense absorve com espantosa naturalidade o ritmo que vem da cidade e transforma em música para esquentar a alma.

Caso à parte no Nordeste, os músicos pernambucanos, a partir do exemplo de Chico Science, parecem ter plugado definitivamente, nas duas últimas décadas, suas antenas na contemporaneidade. De vez em quando aquela cena nos apresenta ótimas surpresas, artistas prontos para nos encantar. Eu fiquei devendo uma resenha sobre a estréia em CD de um desses novos e inquietos caras, Jam da Silva, que lançou no fim do ano passado o excelente Dia Santo (2008).

Para quem gosta de ler encartes de CDs até a última letra, o nome Jam da Silva não vai passar despercebido. Esse pernambucano é um dos percussionistas mais requisitados por artistas da MPB e já andou ciscando também mundo afora, emprestando seu talento para gente como a francesinha Camille, o combo internacional Massilia Sound System e o fantástico angolano Wysa, que aliás foi uma das atrações do último RecBeat.

Agora Jam da Silva resolveu mostrar em disco solo todo seu arsenal e bagagem musical. E olhe que esse conteúdo pesa uma tonelada, como fica bem claro neste Dia Santo. O pernambucano, que começou sua carreira musical tocando bateria e depois resolveu assumir o ofício percussivo, revela-se um inventor de sonoridades de mão cheia. O disco traz, em cada música e com a ajuda de muitas participações especiais, um impressionante mar de camadas sonoras, que tem como centro a percussão.

A mistura de texturas, de barulhinhos extraídos das ruas que ele grava em um notebook, de vozes capturadas no vento é evidenciada nas composições instrumentais do disco, como na esfuziante “Música Branca”, onde berimbau, gaitas, chocalhos e uma grande profusão de instrumentos parecem criar um efeito caótico, mas que, ouvindo com atenção, reverberam em uma música orgânica, moderna e contemporânea. Mesmo exemplo de “Macumba”, com seus ecos de carimbó e ritmos nordestinos azeitados por um tecladinho vintage.

Como os conterrâneos do Nação Zumbi, Jam da Silva deixa-se levar pela influência adquirida provavelmente em suas viagens pelo mundo e as traz para o território brasileiro. Em “Samba Devagar”, uma das melhores do disco, ele divide, cosmopolita, o vocal com o rapper angolano Soba, adicionando uma guitarra cool no contexto duro desse quase rap. O caldo sonoro engrossa e seduz na bacana “Dub das Cavernas”, com participação do francês Moussu T., com voz modificada por computador e embalada pela música eletrônica.

A música eletrônica, aliás, é parte importante mas não exatamente norteadora da construção de Dia Santo. Criador, ao lado de DJ Dolores, da Orchestra Santa Massa, que produziu o ótimo Contraditório(2002), Jam absorve bpms na linha do drum’n bass para arquitetar boas invenções sonoras, como é o caso da bela instrumental ”Capoeirando”. Tudo isso sempre com um acento de brasilidade que é o que, no fundo, dá todo o charme ao álbum. Ouça o aboio misturado a intervenções eletrônicas em “Congamix” e o batuque de “Agô” e confira. Uma estréia de arrepiar.

Cotação: 4

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