segunda-feira, 23 de maio de 2011

Mulher Alfa

As mulheres são seres sobrenaturais, provavelmente o que de melhor temos circulando hoje na face da terra, ao lado do último disco do Arctic Monkeys e de Árvore da Vida, filme redentor do sempre surpreendente Terrence Malick. Nós homens, tão crucrinhos, temos perdido a noção da evolução. O início de tudo, aquele macaco darwiniano que descambou no pitercantropus erectus, deu uma arrancada, mas foi perdendo força com o andar estertorante dos séculos graças a uma certa pretensão dominadora. Meio que estagnamos numa espécie de lama narcísica. Já a mulher, bem mais inteligente, foi comendo pelas beiradas, crescendo com os erros dos machos, apegada na doce sustentabilidade do gênero erroneamente visto como “sexo frágil”. Tá passando da hora das mulheres dominarem o mundo com sua fortaleza e malícia. E não vejam aqui nenhuma defesa implícita à nossa executiva Dilma, ainda que ela seja uma mostra da competência delas de ganharem espaço. Falo de todas aquelas que jogam luzes sobre sua potencia e talento. Falo especificamente daquelas que mostram soberanas suas armas, como é o caso da intrépida Adriana Calcanhoto e seu mais recente trabalho, o álbum O Micróbio do Samba(2011).

Assista ensaio de “Eu Vivo a Sorrir”:



Adriana é o típico exemplo de uma mulher que amadureceu com inteligência e bom gosto. Recordo bem de quando ela me ganhou com uma interpretação plácida de “Naquela Estação”, música de melodia fácil dos craques Caetano Veloso, João Donato e Ronaldo Bastos inscrita no seu primeiro álbum, Enguiço(1990). Vi o show daquela loura oxigenada, era o que parecia na época aquela cantora branquíssima em minha visão empobrecida de um cara ainda casto, no saudoso Projeto Pixinguinha, em Brasília. Sala pequena e aquela mulher sozinha com o violão descansado sobre as pernas, divertindo o público com uma versão moleque de “Caminhoneiro”, de Roberto Carlos. Dava pra perceber que aquela gaúcha tinha algo a mais a oferecer do que interpretações lúdicas das composições de outros.

Escute a deliciosa “Mais Perfumado”:



Dela mesma, de punho próprio, viriam depois pérolas disseminadas ao longo de uma agora já longa carreira, a exemplo das bem engendradas “Esquadros”, “Aconteceu” e “Parangolé Pamplona”, para ficar em apenas três.Meio tempo em que ela angariou desafetos e um burro desprezo da crítica ranzinza que não a via mais como novidade, mas como uma cantora acomodada pelo peso e saturação das curtidas horas. Apesar dos altos e baixos, sempre guardei carinho por ela, até nos momentos menos inspirados de sua discografia. Sei lá porque, talvez por um crédito emotivo pela trilha sonora composta por ela e emprestada para instantes solares de minha vida.

Desde Maré(2008), um disco robusto e subestimado de Calcanhoto, reatei minha estima, adormecida até então, pela artista que sempre buscou, a seu jeito manso, se reinventar sem querer revolucionar. Com O Micróbio do Samba, ela continua essa procura, se concentrando nos sambinhas, gênero que sempre esteve aqui e ali em sua carreira. Dessa vez, deixa-se tomar pelo vírus do batuque sem necessariamente cair na bagaça, no frenesi do sambão sensual e hipnótico de terreiro. Faz sambinhas quase bossanovísticos, alguns carregados de uma disfarçada melancolia, caso do cadenciado “Eu Vivo a Sorrir”, a música que mais parece com a Adriana que a maioria conhece, com sua letra de marcante medula poética. “Eu vivo a sorrir pro caso de o acaso estar num bom dia/pro caso do destino me haver reservado a alegria/E o meu fado estar fadado a ser a sua sina”. Outros deles têm harmonia estranha ao gênero como a tensa “Aquele Plano para me Esquecer” e “Pode se remoer”, esta que nem samba se parece.

Mais fiel ao ritmo, sem perder a cadência do samba marcha lento, são as boas “Mais Perfumado”, dedicada a nova cantora Thaís Gulin, “Beijo Sem”, que lembra o estilo elegante e a rubrica do grande Paulinho da Viola, e a carnavalesca “Deixa, Gueixa”, com ares e espírito de bloco de Rua. Todas assinadas exclusivamente por Calcanhoto, à exceção de “Vem Ver”, em parceria com Dadi, as composições são uma homenagem personalíssima e pouco ortodoxa da artista a esse gênero musical que vive subvertendo nossa cultura, imorredouro que é e sempre trazendo novas propostas e roupagens. O samba tem que dar ainda e Adriana, simpatizante declarada já fez a sua parte. Contando aqui com o auxílio mais do que luxuoso de gente como Davi Moraes, Domenico e Rodrigo Amarante, que participam com dedicação dessa obra.

E se O Micróbio do Samba não é o melhor de Calcanhoto, que nunca será uma sambista de carteirinha, o álbum se sobrepuja nas letras, ora marcadas pela irreverência ora pela poesia com marcante conteúdo, como nesse último caso na já citada “Eu vivo a Sorrir”. E essa tem sido provavelmente a característica mais realçada do disco pela crítica de plantão. E fica mesmo difícil não ressaltar esse ponto forte diante da malícia e ironia de composições que trazem uma malandragem poética, como fizeram alguns bambas do início do século passado, tipo Assis Valente, Ataulfo Alves e Wilson Batista, entre outros, mas com um discurso inverso. Sai o machismo e entra o feminismo. A nova mulher que dá a cara a tapa, no sentido de enfrentar o mundo, é claro, aparece inteira, independente. Em “Beijo Sem”, Adriana decreta, em nome de todas elas: “Eu não sou mais quem você deixou, amor/ Vou a Lapa decotada, viro todas, beijo bem”. O homem aqui é um rendido a essa mulher que sabe o que quer, como em “Vem Ver”: “Por você tomava rumo, arrumava o que fazer/eu levantaria cedo, eu cuidava do bebê”. Vale viajar nas letras, nesse admirável mundo novo das mulheres prontinhas para conquistar a terra, como seres sobrenaturais que são. Permita-se esse passeio no disco, permita-se ser dominado por elas.

Cotação: 3

Download do micróbio:

http://www.fileserve.com/file/GSAzX4J

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Aquele céu de Brasília

Foi assim naquela semana. Dava umas cinco horas da tardinha e aquele amarelo estapafúrdio cobria as ruas, os arranha-céus, as árvores retorcidas, amansando o dia feroz. Os carros, alheios ao esplendor daquilo que os rodeava, zuniam medonhos ao meu lado, tão insensíveis, espalhando a fuligem que se perdia pra nunca mais no meio da grandeza do céu resoluto, absoluto. E as pessoas também corriam afobadas nem sei atrás de quê, talvez fugindo do fuzuê, procurando algum remanso, a paz esquecida entre papéis de arquivo e contas a serem pagas. Escapando da tranqueira do cotidiano tão sem eira nem beira da cidade grande e confusa. Uma e outra olhavam pra cima, poucas se viam refletidas na mornidão acolhedora das horas moribundas do dia. Eu, estrangeiro, reverenciava mudo e abestalhado aquela santa tarde. O amarelo e o azul conectados como unha e carne, tão casados, desafiando a desembestada marcha dos trabalhadores no asfalto cru. Senti os dois atrevidos na pele, nos poros, aliviando meu cansaço, dançando alegremente em mim.

Estava em Brasília. Às 17. O céu da capital ao entardecer, seu pôr de sol vivificante chacoalhando imperioso com os meus sentidos. Tanto já falaram desse céu brasiliense que se movimenta impávido sobre nossas cabeças, como uma mágica que se repete generosa diante de nossos enfadados olhos. Os anos que vivi lá entre os prédios tímidos do Plano Piloto e as raquíticas árvores do cerrado, tão emprenhado de afazeres, deixaram-me a memória avermelhada e incandescente dos fins das tardes. Ruinzinho de memória que sou, essas, agradeço aos deuses das justas medidas, eu não as perdi, guardadas em um canto encouraçado do meu esgarçado cérebro. O reencontro nesse mês de maio com o céu às 17 da cidade revestiu-se do sagrado. Lembro bem em meu primeiro dia dessa volta, tão castigado pelo vôo insano de Boa Vista pra Brasília madrugada adentro até o romper das primeiras horas, crucificado depois pelo mecanismo cruel dos bancos e suas odiosas filas, ainda assim, tive a benção de uma tarde tão cheia de amarelo e azul que a minha alma descansou na paisagem, untada por aquele pacífico pôr do sol.

Naquele pôr do sol teve o diálogo silencioso do homem louco com o céu, descendo com sua particular elegância e roupas em farrapos o gramado do eixo monumental em direção ao nada. Olhando pra cima, apontando inexistentes nuvens, conversando com seu deus desgovernado. Talvez aquele homem, pensei, visse melhor o céu do que nós, pobres sãos.

Naquela hora, às 17 em Brasília, me dava então uma louca vontade de sair por aí fotografando tudo. Com meu celular se fazendo de câmera. Na Esplanada dos Ministérios, com seus executivos emaranhados nas cordas do futuro, a lente da máquina espelha os vidros tingidos de laranja, como um delicado papel de parede quadriculado, colado naquele azul de cor uniforme e sem nuvens. O concreto pintado de branco dos monumentos arredondados de Niemeyer se oferecia despudorado para os raios insidiosos que pareciam moldar nas construções modernas novas formas e insuspeitados ângulos. A rodoviária apinhada de gente banhada docemente pelo sol ganhava também novos contornos, enriquecida pela fusão do amarelo intenso com as roupas coloridas dos transeuntes. E se você pára pra reparar o que pode aquele céu arrisca até ser surpreendido por instantâneos de beleza. Como a visão da torre de televisão, ilhada pelo gramado, pelo sol e azul, com aquele risco branco, diáfano, deixado pelo jato que come milhas com a voracidade dos amantes matando saudade. Uma reta branca cortando o céu e sublinhando a armação triangular de metal que fura o céu azul. Parêntese na paisagem. É assim o céu de Brasília nessas tardes de maio, um convite irrecusável para nele se perder. Nele me perdi e me achei por alguns minutos. Abençoado, céu.

domingo, 8 de maio de 2011

Outras palavras

Filhos de Itamar Assumpção e da poesia uni-vos para salvaguardar a beleza e ousadia da música brasileira. Esse desejo vive em ebulição em mim. Explico, saudosista: houve um tempo na década passada em que experimentar, reinventar a MPB era uma prática saudável e radicalmente instigante. De cabeças inconformadas surgiram provocações tão intensas e incompreendidas quanto os desvarios poéticos do negro Dito Itamar, o atonalismo canibal de Arrigo “Clara Crocodilo” Barnabé ou o caudaloso canto falado do Grupo Rumo. Os filhos dessa geração de 80, mesmo que mais comedidos, tentam hoje colocar suas garras pra fora. Aqui e ali, onde os cérebros foram irrigados pela inquietação. Privilegiados filhos, como Téo Ruiz e Estrela Ruiz Leminski, que beberam de rica fonte para fazer de sua arte um hiato em meio à indigência e trambicagem que marcam hoje nossa produção musical mais comercial. São Sons(2011) chega assim coberto de angústia criativa, honestidade e solta verbalidade. São sons e palavras a serviço de uma curtida sensibilidade.

Veja o vídeo da música "Ímpar ou Ímpar", do disco anterior da dupla:



Téo e Estrela não são parentes. Têm, coincidentemente, o mesmo Ruiz no sobrenome. São namorados de amiúde convivência, de levar a vida a dois colados no cotidiano das horas inteiras. Parceiros no trabalho e no amor, os dois têm berço e influências musicais invejáveis. Estrela, por exemplo, é, além de cantora, escritora e filha dos poetas consagrados Alice Ruiz, que tem participação no disco, e Paulo Leminski. Não é pouco. Téo é músico de carteirinha, desses talentosos que só conseguem viver à sombra das melodias. Arte aqui é oxigênio. O passado deu a ambos uma educação musical refinada. E, mais do que isso, entregaram-se ao micróbio da invenção. Em São Sons, o segundo e melhor distribuído álbum do projeto Música de Ruiz, é possível vislumbrar aquela busca pelo novo, presente nos grupos e artistas citados no primeiro parágrafo. Sem esconder uma certa angústia em acertar o alvo, o casal, com voz infelizmente pouco marcante, passeia por diversos gêneros musicais, procurando talvez encontrar a sua praia. Não encontram uma para ancorar o barco, mas mostram um inconformismo que enche o ouvinte da esperança de renovação.

Ouça "Chose":



Senão vejamos, o baião nervoso “Quirera”, com seu discurso raivoso sobre a indústria musical do jabá, aquela que paga os meios de comunicação para fazer “decolar” seus maquiados produtos, lembra o genial paulistano Itamar Assumpção, que marcou sua carreira pela verborragia e estrutura melódica singular. Percussão e sanfonas dão um falso ar nordestino a essa deliciosa música feita pelos curitibanos. “São Sons” tem musicalidade incômoda, com todos seus contrapontos e atonalidade. Os meninos usam bem sua metralhadora giratória e incansável. O jovem casal brinca com o samba em “Chapéu de Sobra”, entortando o ritmo, enriquecendo-o ainda com um trombone louco e experimental e com a fantástica voz de Ná Ozzetti, que integrou o grupo Rumo. Téo e Estrela vão de rock acelerado na muito boa “Chose”, que mistura violão, sanfona e guitarra pesada de forma magistral. Meu amigo de trabalho, Odeli Sampaio, que tem um super ouvido e é produtor de áudio, disse que a música foi mal mixada. Independentemente dos pecados técnicos, é uma composição impactante. Tem também melodia com jeitão de tango, envolvido pelo brega e pela brejeirice, na voz única de Kleber Albuquerque, na ótima “Verossímil”.

Tantos sonoridades diferentes são sons que os Ruiz oferecem como se quisessem expurgar as múltiplas influências. Como se tentassem decupar, ainda que de forma desordenada, toda aquela invenção musical que viveram em sua formação e que fez a cabeça dos dois. Só para contextualizar essa conexão criativa e mais experimental: Arrigo Barnabé é paranaense e sua música moderna tem raiz em Londrina. Itamar Assumpção foi parceiro de Alice Ruiz em composições maravilhosas. Ou seja, todos encontraram-se de alguma forma numa rica intersecção cultural. No caso de Téo e Estrela, é bom que se diga, contudo: não há intenção explícita de se fazer experimentalismo. O disco cede também espaço para canções com estruturas harmônicas simples, que podem tocar facilmente em rádios com programação dedicada à MPB, a exemplo das lentas e bonitas “Estilhaço” e “Reivento”. E se eles não provocam nenhuma revolução ou arroubos formais, mostram-se generosos na invenção das letras, destoando da pobreza poética das novas estrelas da música, tipo os jabazeiros Luan Santana, Cláudia Leite e outras bobagens congêneres que assolam as rádios e tevês brasileiras.

Se a juventude topasse ouvir canções bem estruturadas poeticamente como, só como exemplos rápidos, o rock “Chose” ou o lindo samba cadenciado “Parece”, sentiria que a palavra é um instrumento precioso para se fazer pensar e encantar. Na primeira música, Téo filosofa com propriedade e alguma raiva: “Se cada passo tem um tropeço, meu passado pelo avesso/Cada tempo seu invento, cada passo o seu intento/Eu faço desse passo o meu próprio alimento”. Na segunda, a letra com ecos políticos, ensina como criar rimas bacanas sem dificultar a leitura para os de vocabulário diminuto: “Parece muito fácil mudar a mente alheia, fazer reforma agrária, uivar para a lua cheia/ Parece fácil a beça distribuir a renda, curtir a natureza, mas a guerra tem pressa/Se é fácil, me diz, mudar para outro país, ver teu show sem pedir bis, entender o que fiz”. As letras são o que de melhor traz o disco, que têm sim melodias bem sacadas como “Ávida” e a já comentada “Chapéu de Sobra”, só para citar as que vieram mais ligeiro à minha memória. Mesmo que irregular, São Sons é um álbum que enxágua nossa alma, porque é irrequieto e tem conteúdo. Um trabalho que chama atenção pela energia criativa e as melhores intenções. Vale à pena acompanhar a trajetória promissora de Estrela e Téo. Acredito, cheio de fé: deve vir mais um punhado de boas composições por aí.

Cotação: 3

Tente baixar o disco por aqui, no controlCcontrolV:

http://www.mediafire.com/?krvsetk4x1t9ndy

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A foto do morto

O homem morto, ilhado por estilhaços e o sangue tingindo infame a parede, a cama, o lençol branco, testemunhas passivas de uma cinematográfica ação militar. Talvez isso. Talvez nada. Antes havia um fantasma de um homem vivo. Hoje paira o fantasma do homem morto maior do que era antes, fazendo sombra sobre nós. E surge imperioso o fantasma da dúvida se esse homem, com sua barba longa e passado entrincheirado, repousa mesmo debaixo de alguma terra em algum lugar desse mundo. Todos querem ver a foto do homem morto num mórbido e inquietante desejo de enterrar finalmente um capítulo sombrio da história da humanidade. Essa vontade coletiva, raivosa e tão loucamente humana de ver o terror selado dentro de um caixão imaginário, construído por milhões de pessoas que tremeram incrédulas diante de aviões suicidas jogados contra arranha-céus naquele fatídico dia em que o mundo também ruiu um pouco.

O homem sem o registro da morte estampado nas TVs, foi noticiado, teria sido jogado ao mar, desaparecido de vez de nossas vistas. Uma cerimônia fúnebre também sem registro, sem olhares curiosos. Sem choro nem vela à luz de holofotes. Insatisfação geral. Num planeta rendido à força intransigente das imagens, não bastava o anúncio verbalizado do assassinato por um presidente negro e poderoso, era necessária a visão ensangüentada da vítima perseguida por longos nove anos. Porque o mesmo mundo das imagens é o mundo do simulacro. A foto, o filme passou a ser cobrado aos brados, a parte perdida de um quebra-cabeças. A fotografia reclusa virou personagem, a estrela do noticiário depois da morte. Talvez guardada a sete chaves em um cofre. Talvez apenas arquivada na cabeça do estrategista que montou uma possível trama de grosso calibre. Estranha ironia. O homem barbudo e de turbante, até então coberto pela poeira do tempo, redivivo pela morte.

A morte sem foto e sem vela agora é também fantasma. Mais um fantasma do homem morto que assombrava os sonhos dos homens de bem. É o terror anguloso, cheio de surpresas, pregando, podem pensar alguns, uma piada de mau gosto em todos os que queriam cuspir em sua cara. Quem quer ver o rosto do homem morto? Prefiro pensá-lo longe de nosso mundo sofrido pelas guerras e atitudes insanas. Não quero ver a foto do homem morto e nem saber da notícia dela. Não quero me apegar a um papel com um rosto hirto estampado nele, uma face pálida endurecida pelo pó e enegrecida pelo sangue coagulado. Só quero um planeta melhor, sem violência e pânico, sem o preconceito que embrutece a alma, sem o terror que provoca choro em nome de ideais, quaisquer que sejam esses ideais. Sem nacionalismos extremados que produzem festas em cima de corpos sem vida no chão. Quero que a foto do homem morto permaneça enterrada junto com toda a tenebrosa história que se esconde por trás dela. Meu álbum de fotografias só admite fotos cheias de esperança de vida, de cliques de amizade ou de alguém que, mesmo que tenha partido definitivamente, só me faça lembrar a vida. Inteira e intensa como ela deve ser.