quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Walkmen chega ao céu


O quinteto de Washington encontrou seu ponto de equilíbrio
Ninguém tinha ouvido falar. Também por isso nenhuma expectativa foi criada. E toda aquela massa meio bêbada, aquele burburinho típico de festivais alternativos feito de tribos coloridas e discursos gritados, na tentativa de ultrapassar a firme parede sonora levantada no local, até não vibrou muito. Mas, o show do The Walkmen no Mada, 2004, em Natal, foi um achado precioso para mim. Os norte-americanos pareciam ali a encarnação perfeito do indie rock, aquele som que busca um diferencial mesmo usando referências do passado. Legal de ouvir, sinceros na busca da conquista dos ouvintes, os caras fizeram uma das melhores apresentações do ano daquele simpático e divertido festival potiguar. Depois disso passei a perseguir os caras, ainda que os perdesse aqui e ali em meio às atribulações da vida que nos empurra, às vezes, para longe daquilo que nos seduz. Ouvi naquele período o bacanéssimo Bows + Arrows (2004) e, tempo depois, fui arrastado pela beleza e maturidade de Lisbon(2010). Agora, Heaven(2012) chega para pontuar uma carreira construída de mansinho por canções inspiradas e uma coerência absurda, sublinhando o carisma que o grupo sempre espalhou por onde anda.

Veja clipe de "Heaven":



The Walkmen é um dos queridinhos daqueles que respiram o rock alternativo. Mereciam, já há algum tempo, pelo talento e contundência do repertório, estar de fora desse restrito circuito. Heaven é provavelmente a melhor chance que a banda tem para fincar sua bandeira em novos territórios. Nesse sétimo álbum (os caras estão há uma década na estrada), Hamilton Leithauser(voz), Peter Bauer(baixo), Paul Maroon(guitarra) e Matt Barrick(bateria) aproximam-se mais do pop e, seguindo o caminho já proposto no ótimo Lisbon, fazem um de seus trabalhos mais calmo e acessível. Isso é ruim? Não. O grupo não abdicou necessariamente de sua sonoridade sincera, enraizada num rock de garagem metido a besta e com irrequieta alma indie. Apenas refinaram essas características, caprichando ainda mais nas letras e nas melodias. É como se essa galera de Washington resolvesse entrar definitivamente nos trilhos do mainstream, como se quisessem agora tocar em mais ipods, entrar na lista das canções mais baixadas, porque, enfim, ser reconhecido é da natureza humana e faz um bem danado pra qualquer um.

Sétimo disco do grupo cativou crítica e público

O apelo pop de Heaven é desenhado em composições nas quais as guitarras estão mais mansas, baixo e bateria enveredam por caminhos que a maioria dos ouvidos já percorreram e a voz de Leithauser está assim, digamos, mais educada e afinada. Tudo com muita personalidade. E o disco já começa tocando a gente. "We Can't Be Beat", costurada quase toda em delicados voz e violão, é uma das aberturas mais encantadoras que já ouvi em um álbum de rock.  Uma linda balada que remete, pela força da sinuosa melodia, aqueles grupos vocais negros dos anos 50, 60 do século passado. Só faltou mesmo ali o coro arrebatador para reforçar essa impressão. A letra em tom nostálgico chama atenção para a grandeza daquilo que o tempo preserva: “Nossas crianças vão sempre ouvir histórias românticas sobre os tempos passados/Nossa era de ouro vai e vem/Nossos sonhos tortos sempre irão brilhar". É The Walkmen reafirmando aquilo que os move: o amor pela música consistente que doura eras e que faz do rock um gênero eterno. Revisionistas, os músicos da bandas criam assim, beijando a glória do passado, seus sons belos e contemporâneos.

Ouça "We Can't Be Beat":


 
"We Can't Be Beat" faz parte da lavra de grande baladas que contribuem para formar o grosso e  substancioso caldo orgânico que é Heaven. Inspiradas na mesma medida, "Southern Heart" e "Line by Line" são como impactantes pausas para respirar dentro de um disco que tem uma levada, no geral, mais ligeira. A onírica "No One Ever Sleeps", que fecha o trabalho, está incluída no segmento "desacelera". Tocante, romântica e inspirada, a canção nos projeta para uma outra época, para uma paisagem outonal. Não coincidentemente, a faixa conta com a participação de Robin Pecknold, da barroca e fantástica banda Fleet Foxes. A leveza e poesia dessas composições comprovam a facilidade do The Walkmen de fazer baladas matadoras. Elas contudo apenas preparam o espírito para o que o álbum tem de melhor, o rock de garagem sem arestas, gorduras e  encorpado por uma insuspeitada elegância. Algo que pode ser visto na emblemática "Heaven", escolhida para ser a primeira música de trabalho. Grudenta, de pegada forte e garageira tem tudo para virar um hit. Traz aquela energia típica de quem está começando a carreira. E Heaven tem essa cara de recomeço, de virada mesmo.

O "lado A" do disco é preenchido com esse energia, com músicas mais dançantes, respeitáveis riffs de guitarra, com refrões marcantes e boas doses de inspiração. Acompanhe a ótima sequência iniciada por "Nightingales" com melodia rascante e guitarras despretensiosas, num dos arranjos mais rocker e animado do CD. Repare aqui nos breaks com sininhos que reforçam o acerto sonoro da criação. Logo a seguir, a extremada "The Witch" traz um teclado marcante e uma instrumentação quase teatral. "Song for Leigh", com sua sonoridade simples, é envolvente e completamente harmonizada com o disco, como um bom vinho tinto e uma boa carne vermelha. "Love is Luck" é assim meio Beach Boys, meio anos 50, com seu saboroso jeitão rockabilly. Essa boa leva de músicas mais do que traduz essa grande fase do The Walkmen. Com Heaven, Leithauser e companhia chegam enfim ao equilíbrio e vitalidade de uma música que sempre esteve acima da média e se habilita agora, definitivamente, a fazer parte da coleção de álbuns de quem curte esse tal do roquenrou.

Cotação: 5

Sinta-se no céu:

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