sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Meu mundo caiu

No dia internacional da animação, comemorado todo santo dia 28 de outubro, resolvi fazer jus a essa maravilhosa arte e fui, animado é claro, ao cinema. Escolhi para assistir a 9, A Salvação, estréia em desenho de longa duração do norte-americano Shane Acker. Fui sem muitas expectativas, apesar da grife Tim Burton impressa no cartaz. Sai da sala certo de que o desembolso do valor da entrada tinha valido a pena, mas com o espírito contrário ao que tinha entrado: carregado, ensimesmado, com a certeza de que esse é o tipo filme inapropriado para menores de 16 anos, uma criação sombria a aterradora feita para adultos.

9, A Salvação foi produzido por Tim Burton, criador talentoso dos também acinzentados e excepcionais A Noiva Cadáver e Sweeney Tood, só para citar seus trabalhos mais recentes e tenebrosos. A inclinação para o macabro, para uma estética explicitamente dark desse cultuado diretor está refletida no filme de Acker. Aliás, foi Burton, encantado com o que viu, quem resolveu desafiar esse cara a transformar o seu inspirado curta-metragem 9, indicado ao Oscar de animação em 2005, num longa.

O produto final bem que poderia ter a assinatura do desafiante, que sugeriu a utilização de dois de seus mais caros colaboradores, Pamela Pettler, co-roteirista de 9, A Salvação, que havia trabalhado antes em A Noiva Cadáver, e Danny Elfman (do falecido grupo Oingo Boingo), trilheiro de praticamente todos os seus mais impactantes filmes. O que se vê é uma animação sombria, opressora, com poucas cores e que reflete organicamente o universo pós-apocalíptico em que se inserem os inesperados personagens, bonecos de pano, misto de máquinas e ser humano, que buscam um lugar ao sol.

Na história, 9 é um desses bonecos que ganha vida em um laboratório de um cientista. Ele descobre que está no planeta terra depois que máquinas e homens se digladiaram até a morte. Logo, junta-se a acuados congêneres seus, saídos da sombra, que optam pela luta de guerrilha para poderem sobreviver. Anti-belicista este longa de animação não se cerca de altruísmo, como o também em cartaz Up-Altas Aventuras, mas carrega nas tintas em sua crítica à ganância e a irracionalidade da humanidade, que se auto-destrói em nome do poder e do ego. Acerta na mensagem. Deixa o coração apertado e, mais importante, faz refletir, papel que o cinema deveria exercer com mais assiduidade.

O roteiro inteligente não dá margem a choro nem vela. Muito menos ao humor. Só um ou dois diálogos permitem o sorriso, tímido, do espectador. Ameaçados pelo vilão feito de parafusos, fios e maldade, 9 e seus amigos não tem muito tempo para fazer graça ou para emprenhar uma relação afetiva, mas só para se esquivar e, por fim, a muito custo, partir para o ataque redentor. O final, engenhoso e com alto teor poético, surpreende. Não é exatamente um final feliz, mas abre a porta da esperança para um planeta mostrado apenas como uma triste e grande praça de guerra.

Esse mundo destruído, os personagens esteticamente simples, pálidos e sem graça, não geram, claro, grande simpatia, mas são soberbamente construídos. A computação é primorosa, mesmo tendo contra si a utilização de poucas cores, praticamente o preto e o marrom e seus semitons. A trilha de Danny Elfman acentua a atmosfera carregada e as vozes de Elijah Wood, como 9, John C. Reilly, Jennifer Connelly, Christopher Plummer, Crispin Glover, Fred Tatasciore e Martin Landau... bem, dessas não posso falar já que, infelizmente, em Boa Vista só tive acesso à versão dublada do filme. De qualquer forma, mesmo sem ser uma obra-prima, 9, A Salvação, é recomendável para nossa educação sentimental e para quem curte animação inteligente e de bom gosto. Deixe-se surpreender.

Cotação: 3

Vai aí um aperitivo?

http://www.filminfocus.com/video/9___teaser_trailer

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ousadia desfraldada

Escolher um disco de um grupo como The Flaming Lips para resenhar deve, ou pelo menos deveria, provocar um certo temor em quem encara o desafio. Comigo foi assim. Me benzi e pedi a ajuda de santos e orixás do alto clero, aqueles mais bem cotados no olimpo das entidades, antes da árdua tarefa. Escarafunchar o som esquizofrênico e ousado desses caubóis de Oklahoma é assustador. Perder-se na dissonância das composições para se achar depois, aturdido, na proposta musical ensandecida dessa galera configura-se, porém, em um prazer maiúsculo, um duelo enriquecedor.

A nada surpreendente coragem de ousar se faz presente desfraldada no último trabalho do Flaming Lips, Embryonic(2009), um retorno a sonoridade tortuosa e altamente experimental de discos difíceis da banda como Zaireeka (1997), esse Ulisses do rock, e o assombroso Hit to Death In the Future Head (1992). Os caras têm cancha para fazer suas transcendentais experimentações. São 26 anos de estrada em que oscilam entre trabalhos digamos mais pops, no sentido mais estrito da palavra, e muitas loucuras. Quando resolvem enveredar por esta última linha, os norte-americanos o fazem sem dó nem piedade. E aí precisamos de disciplina e disposição para tentar entender as viagens que a banda empreende.

Embryonic é complexo como a dor da perda. Tipo do trabalho, perdão pelo chavão, ao qual você ama ou odeia. A intrincada sonoridade onde aos instrumentos parecem ricochetear cada um para um lado, atarantados como uma multidão quando ouve tiros, acompanha praticamente todas as músicas. Já em “Convinced on the Hex”, a primeirona, guitarra e baixo desencontrados com a melodia deixam o ouvinte perplexo, tentando costurar as sílabas musicais dessa espécie de rock do crioulo doido que seduz pela complexidade da equação. Enveredam aqui e na experiência seguinte, a ótima "The Sparrow Looks Up at the Machine" num gênero que poderíamos chamar de krautrock ou acidrock, como já tentaram segmentar alguns.

O melhor mesmo é não buscar encontrar qualquer segmentação no que o grupo faz. The Flaming Lips produz aqui um som um tanto inclassificável, onde você pesca, aqui e ali, algumas referências de gêneros ou bandas que se tornaram marcos na história musical da humanidade. É possível perceber ecos distantes de blues e lisergia em duas das melhores músicas do disco, “Your Bats” e “Worm Mountain”, essa última contando com a participação, dispensável até, do superestimado MGMT. Há traços de psicodelia, talvez o mais comum em todo o disco, e rock progressivo, da fase Ummagumma de Pink Floyd, e guitarras hard rock ledzepellinianas na decentíssima “See The Leaves”.

Há ainda música que parece música, como a bela e terna, apesar do nome, “Evil” e “Watching the Planets”, com a parceria da musa do eletro-rock Karen O (Yeah Yeah Yeahs), que participa em vários outros momentos do CD . E também algumas composições que não parecem seguir qualquer norte musical, avacalhando notas e estilhaçando instrumentos. São o caso da espacial “Virgo Self-Esteem Broadcast” e das chatíssimas "Scorpio Sword", uma esquálida viagem instrumental, e da incompreensível “The Impulse”, com overdose de vocoder, que poderiam muito bem estar fora do disco. É que, certa hora, entre as 18 músicas apresentadas e 79 músicas de pura experimentação, você acaba se cansando.

Wayne Coyne, vocalista e cidadão instigado da banda, quis fazer um impiedoso álbum duplo. Parece ter pretendido debulhar de uma só vez todas as suas fantasmagorias e esquisitices sonoras. Embryonic é, sem sombra de dúvida, um trabalho potente e de grande fôlego. Mas, recomendo, apenas para escutar nas horas mais vagas e descansadas. Não se assemelha a nada do que é feito hoje em dia, mas, quer saber, eu gostei muito. Porque, no fim de tudo, apesar dos pequenos deslizes, você tem a certeza de que participou de uma experiência fascinante e provocadora. Por isso, amigas e amigos, embarquem de peito aberto nessa viagem enriquecedora.

Cotação: 4

Encare a fera de frente:

http://depositfiles.com/pt/files/ntphzzp18

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conto erótico numa noite de senões

Foi um gozo e tanto. O fim de uma briga e desencontros que começou com o crepúsculo, num bar beiradeiro e fétido, de garçom cheirando a pinga, única testemunha desinteressada de um romance febril e repleto de interrogações. Nós dois discutindo o que é o amor, tentando entender a língua estranha um do outro, procurando legendas para as frases desconexas e ininteligíveis que saíam das bocas mergulhadas em cerveja quente. O desejo havia e pairava e cobrava a cama quente. Não antes de todo aquele tesão resguardado e adormecido por uma disputa infantil na qual éramos gato e rato numa luta sem vencedores, dois estúpidos animais.

Eu a amava e achava que ela tinha que me amar. Dever absoluto. Resposta esperada com fervor a uma ação intensa que bulia incansavelmente com todas as minhas células e minha combalida razão. Assim como um liquidificador que estilhaça a maça em milhões de pedaçinhos, eu por dentro, intranqüilo sem saber se toda aquela ebulição também morava nela. E ela, uma esfinge, intransponível em todos os movimentos, nos olhos sempre fugidios, que teimavam em alcançar os pedintes meus. Se ela dizia sim, eu entendia não. Se tudo ok, mais ou menos. Se queria sexo, cobrava, no fim, carinho. Se carinho, crueza de sentimentos. Poço de inconsistência diante de minha alma completamente aturdida por um turbilhão de dúvidas, afogada na nulidade homicida dela.

Naquele início de noite, no bar malcheiroso, ela pairava irritante ora respondendo com sua mudez ensurdecedora, ora matraqueando em seu intraduzível dialeto africano.

– Você me ama? – Perguntei penitente já sabendo que o troco viria em duas cédulas de sete reais e cinqüenta centavos.
- Porque você sempre me pergunta isso? – Despejava ela, com uma seriedade artificial, deixando tudo abissalmente por isso mesmo. Vácuo profundo.

Idiota, pensava comigo mesmo. Nem ser chamada de idiota ela merecia, aquela vaca, me indispunha, depois, em segredo. Me sentia como um velho garimpeiro, escanhoando com teimosia a pedra dura com um minúsculo canivete atrás de um diamante inexistente, um brilhante que antigas ambições já haviam consumido. Nada havia por debaixo daquela pedra. Nada havia dentro daquele gélido e embaçado coração ali na minha frente, que parecia caçoar insolente de minha raiva. Queria demonstrar desinteresse, ela, como se estivesse fazendo um favor a mim, fustigando cruelmente minha angústia. Sua majestade brincando, para fugir do tédio, com o pobre vassalo. Idiota sou eu, pensava por fim, depois de tanto murro em ponta de faca. Pobre vassalo idiota.

Durante cinco vezes, ela sorriu alto confirmando minha rendição construída dolorosamente, minuto a minuto, naquele ringue biafra. Soberana, ela saiu arrastando seu orgulho e sua insensibilidade, derrubando mesas e copos americanos, chamando a atenção do garçom, comparsa involuntário daquela noite de implacável incomunicabilidade. Eu feito cão sarnento sem dono a segui, dona da situação, equilibrando ódio e fúria domada, no rastro de suas pernas lindamente torneadas por um jeans azul escuro. Ela disse não para a sugestão de minha casa. Entendi como um sim. Fomos direto para minha cama desalinhada.

Outra longa disputa estava pronta para ser travada. Eu, já lanhado, arregimentei forças, amparado dessa vez pelo surdo desejo de tê-la, se não cúmplice de meu amor, pelo menos refém de meus instintos. Briga sem palavras, feita da troca de suor, de uma pele esquadrinhando a outra. Ela, em sua resistência provocadora, esquivava-se resoluta, malandra, de minhas investidas vorazes. Molhada, escorregadia, fingindo espanto e estupor. Como uma virgem temerosa diante do sacrifício. Puta, ela. Talvez quisesse eu, em minha sanha, compensar a frieza polar dos sentimentos dela dando, com todas minhas forças, um choque inesperado e intenso de prazer que talvez a acordasse, que talvez a fizesse ver que o sexo, o sexo puro, era um elogio de minha paixão.

E ele, o sexo, foi se fazendo devagarzinho naquela guerra santa. O desejo desamarrado depois de duas horas de heróica batalha se impôs com seu vigor desenraizado. As pernas dela, antes anteparos, escudos de poderosa liga, dançaram depois em minha direção num balé bêbado. A resistência foi se desfazendo diante da minha imperturbável e quase disciplinada insistência. Meu pau duro riscou suas coxas desenhando paisagens do paraíso, beijando a vontade da moça, ela, enfim, rendida. A buceta dela aberta em todo seu esplendor segredava juras de amor que a dona recusava-se a dizer. A boca, a outra, em direção ao meu ouvido, lambido e displicente, sussurrou então a frase, mínima frase. Dita soletrada com o ardor dos deuses. – Te amo. Foi um gozo e tanto.

Todas as obras de Rubens Gerchman(1942-2008), artista que pintou toda a sensualidade do beijo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eles estão certos

A voz doce e firme de Lisa Von Billerbeck é como um chamado irrecusável à navegação em mares brandos diante de um pôr de sol que tudo pereniza. Foi assim que me senti - do alto de minha pachorra, headphone no ouvido e os pés riscando o Rio Branco no domingo de vento amigo numa calorenta Boa Vista - logo depois da primeira audição do álbum no qual impera a voz da moça de cabelo curtinho da foto aí de cima. As canções folks e acústicas da banda alemão I Might be Wrong em seu segundo trabalho, Circle the Yes(2009), me provocaram um certo niilismo, uma vontade de se abandonar diante da leveza pop e melódica do grupo. É como se repente Lisa fosse uma Elizabeth Fraser, da psicodélica e inesquecível Cocteau Twins, teletransportada para os anos 2000 em ataques de franca alegria.

Circle the Yes é um álbum de pura suavidade e pouca gravidade. Lisa Billerbeck flutua soberana nas canções, domando com destreza as guitarras acústicas, quase sempre dedilhadas, e o baixo e bateria discretos que amplificam ainda mais o clima de delicadeza do CD. A vocalista é a grande força motriz de toda essa história.“A Propos” tem, por exemplo, a pegada cool que me fez lembrar, voltando novamente a década de 80 do século passado, o exercício jazzy dos ingleses do Style Council. “A Penny for Your Thoughts” tem construção melódica precisa, arrematada por um belo piano. A mais animada “Jalopy” com sua guitarra meio “oitentista” mostra que os berlinenses têm instrumentos afiados e coerência na proposta musical que arranha o psicodelismo e abraça forte o dream pop, gênero marcado pela atmosfera solar.

Acredito que muitos vão achar o disco da banda alemã cansativo, até meio chato. Talvez porque o álbum é irritantemente coerente e homogêneo em seu conceito de fazer um som açucarado e melodioso, sem reviravoltas, microfonias ou invencionices. Mas, nem de longe Circle the Yes chega a ser enjoativo. Dentro de sua homogeneidade há variações – sutis ou até mesmo mais escancaradas – que podem ser sentidas, dependendo, é claro, da boa vontade e da cultura musical do ouvinte. Em “Checov”, por exemplo, uma linda introdução de guitarra convida Lisa para uma canção quase falada, sensual e provocativa. “Salomon”, para mim uma das melhores do disco, dosa tristeza e energia vital com equilíbrio, deixando aquela sensação que nos propicia a mistura excitante do doce e salgado na boca.

Li em algum lugar, não lembro onde exatamente, o texto de alguém buscando uma comparação entre o som da banda alemã e os experimentos sonoros do aclamado Radiohead, que compôs a música “I Might be Wrong”. A marcante música de Thom Yorke pode até ter sido a inspiração para o nome do grupo de Berlin e sugere a tentativa de aproximações, mas não há muitas intersecções entre um e outro. “Woodpecker” com sua bateria dura em contraste com a guitarra mais sinuosa pode até sugerir alguma semelhança entre os dois. Mas, Circle The Yes é um trabalho calcado na linda voz de Lisa Von Billerbeck e em um instrumental menos barroco e complexo, amparado basicamente na leveza e em melodias mais diretas. Nesse sentido, a banda sabe ser objetiva e faz bem seu dever de casa.

Cotação: 4

Confira se estou certo em minha avaliação:

http://www.easy-share.com/1908072028/I

sábado, 17 de outubro de 2009

Te vejo flores em você

Sempre defendi a tese de que a gentileza é um dos grandes remédios para curar os males desse nosso castigado mundo. O velho e amigo “bom dia” jogando o tapete vermelho para o sorriso cordial da pessoa do outro lado, o pedido de desculpas na hora certa, desarmando rancores e raivas gratuitas, o “como vai você?” dito com sincero interesse... tudo isso faz uma doce diferença, ainda que resistamos a esse tipo de grandeza. E isso não é “coisa de viado” como poderiam sustentar os duros de coração. Gentileza é simplesmente um gesto límpido de humanidade. Ah, e como estas atitudes se mostram cada vez mais essenciais nessa era de chumbo e ácido...

A música é também uma gentileza para os ouvidos quando chega robusta e com brilho próprio ou mesmo inquieta e provocadora, buscando uma cadeira cativa em nosso coração. Todo esse prólogo foi inspirado, na verdade, por uma banda curitibana que se chama exatamente Gentileza. O grupo me chegou sem apresentação. O nome curioso, por tudo aquilo que escrevi antes beirando até à pieguice, me chamou logo a atenção. Botei o cd da turma na vitrolinha e me surpreendi com o que ouvi: uma sonoridade plural que ora lembra os cariocas dos Los Hermanos, ora remete aos emergentes candangos do Móveis Coloniais de Acajú e até mesmo a leveza sinfônica, com elementos do leste europeu, do ícone Beirut.

O sexteto curitibano faz no álbum Gentileza (2009)um som que desafia classificações. No meio do tsunami de influências no qual cada um dos seis jovens integrantes são chacoalhados, o resultado sonoro não poderia sem mais democrático e encantador. Poderia-se dizer que Gentileza é uma banda de rock e de MPB, ou um híbrido com toda a liberdade desses dois gêneros sem a pretensão, diga-se de passagem, de ser exato nessa definição. É legal ouvir ecos de Los Hermanos – uma comparação inevitável que o vocalista Heitor Humberto (também guitarra, violino e cavaquinho) já chamou de preguiçosa – na bolerosa e interessante “Coracion”, com seu arranjo de metal precioso.

Fugindo da indesejável – para a banda – comparação, a trupe capitaneada por Heitor e cimentada por Artur Lipori (trompete, guitarra, baixo, kazuo), Diego Perin (baixo, concertina), Diogo Fernandes (bateria), Emílio Mercuri (guitarra, violão, viola caipira, ukelele, backings) e Tetê Fontoura (saxofone, teclado) passeia por outras praias. Escute, por exemplo, o violino e metais típicos do leste europeu, presentes também em algumas criações do Móveis Coloniais, sonoridade que tempera ainda “Afinal de Contas”, essa condimentada pela música brega nordestina, com direito a citação literal de uma frase de música do Reiginaldo Rossi.

Os meninos e menina da banda são francamente generosos nessa estréia. Oferecem um leque amplo de gêneros musicais aos ouvintes. Seduzem na ótima “O Estopim”, com sua cadência circense e exercício a la Nino Rota. São ainda brejeiros no pouco inspirado rock rural “Teu Capricho, meu Despacho” e atacam com toda simpatia do mundo no pseudo ska “33B” e até de baticum na super bem humorada “Preguiça”, que, se é preguiçosa na melodia inspirada nos sambinhas antigos se supera na bem engendrada letra. Nesse hino à vagabundice, Heitor, com sua voz pequena, diverte a gente: “Minha vida é quase esteira ergométrica / Eu ando e ando e não chego a lugar algum(...) E dessa forma só lamento a minha preguiça, mas fazer nada é uma delícia/ Se for pra mim, diga que não estou”.

As boas letras são, aliás, um dos grandes trunfos desse disco bem intencionado. Rimas e construções poéticas inteligentes valorizam as composições, como na já citada “O Estopim”, de refrão memorável: “Pois o estupor foi o estopim de todo esse horror que se instalou em mim/ Mas, se alguém falou, eu nada ouvi. E por não pôr tudo a perder, tudo perdi”. Ou ainda em “Coracion”: “Meu coração anda contente, já faz tempo que não sente/ Já faz tempo que não bate. Eu bato nele, ele consente/ Eu sinto muito disparate em que ele não dispare, quando você está presente”. São boas sacadas que compensam algumas derrapadas como no samba gramatical “Maior com Sétima” e no dispensável e bobo funk “Pseudo Eu”. De qualquer forma, uma estréia excepcional de um grupo que tem gana e potencial de surpreender ainda mais.

Cotação: 3

Faça a gentileza:

http://www.4shared.com/file/130011822/1ae6af73/Banda_Gentileza_-_Banda_Gentileza__2009_.html

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Abba is not dead

Espalhafatosos e pretensamente glam, o Abba(o quarteto fantástico aí do lado) saiu da fria Suécia para conquistar o mundo nos fins dos anos 70 e início dos anos 80. Disco e pop até a tampa, o grupo fez metade da humanidade dançar com babas irresistíveis como “Dancing Queen”, “Honey, Honey” e “Fernando”. Mas, mamma mia, quem poderia imaginar que o som bregoso dos suecos fosse resistir ao século 20? E ainda gerar filhotes nas décadas seguintes. Pois é, os tais escandinavos deixaram um grande rastro de fãs, hoje na faixa dos 40 e 50 anos, e alguns seguidores que transformaram a influência em música. Aliás, boa música. Estamos falando de Music Go Music.

Quem tem saudade dos suecos podem dar agora uma sobrevida a antiga paixão. Music Go Music é um trio californiano que cometeu um álbum, o primeiro do grupo, que traz claramente a marca e o estilo do Abba. Synth pop pras pistas carregado de romantismo e melodias inspiradas, o álbum segue a linha revivalista que está se tornando uma característica da música feita nessa década. Quem diria, o futuro, parece, está no passado tal a quantidade de bandas que vão beber em vigorosas fontes que brotaram em outras épocas. Umas dão com a cara no muro, outras mostram que aprenderam bem a lição. Neste caso específico, Music Go Music se lambuzou na onda retrô e se deu muito bem no bacana Expressions (2009).

A banda californiana é formada por Gala Bell(voz), Kamer Maza(teclado) e Torg(baixo). Os dois primeiros, na realidade, são pseudônimos de Meredith e David Metcalf, mulher e marido por trás do bom grupo Bodies of Water. Music Go Music é um projeto paralelo onde o casal e Torg deságuam seu amor pela disco pop que arrastou tanta gente em outros tempos. O trio abusa do sintetizador e da bela e afinada voz de Meredith Metcalf, cujo timbre lembra realmente, como já foi citado pela crítica, Debby Harry. Ela esquenta popices como a deliciosa “Light of Love”, musiquinha dançante que já está no ipod de muitos europeus. É Abba puro. Repare no teclado que introduz a música e no corinho feminino melodioso e diga o contrário se for capaz. Os ecos da banda sueca podem ser ouvidos ainda na bem legal “I Walk Alone” com seu poderoso refrão e na animadíssima “Explorers of the Love”, com sua bateria e teclados monolíticos que fazem a cama para a vocalista invocar o sol e os mais afoitos a assumirem a pista de dança.

Mas, não podemos ver Music Go Music e esse Expressions como um simples decalque de Abba. Em muitas composições temos os elementos e diferenciais de quem afinal vive no século 21 e deixa-se levar saudavelmente por outras influências sonoras. O psicodelismo, por exemplo, mostra as asinhas na climática “Love, Violent Love” e na ótima “Reach Out”, com o trio pesando um pouco mais a mão na guitarra e baixo que dividem espaço com um sintetizador ora onírico ora selvagem, alternando o andamento que torna a música um verdadeiro achado.

Tão inspirada quanto “Reach Out” é a longa (nove minutos!) “Warm in the Shadows”, com bela melodia e memorizável refrão. As duas são provas incontestes de que o retrô pode muito bem ser trabalhado com frescor, sem parecer um mero deja vu. Music Go Music conseguiu essa mágica e fizeram de Expressions(cuja capa é aterradora, como podem ver aí do lado) um revival vigoroso e sem cheiro de mofo de um período em que a galera se esbaldava nos salões de dança sem medo do futuro. Álbum certeiro para animar gregos e troianos. Abbrace sem preconceito. Abba is not dead.

Cotação: 4

Go Music Go:

http://rapidshare.com/files/273457832/musicgomusic.rar

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os xx da questão

Jovens adoram falar de sexo. Naquilo que o ato tem de mais frugal. Relacionamentos rápidos na cama, o próximo ou a próxima da lista. Flashes de uma noite mais tórrida para os ouvidos atentos dos espectadores que esperam a sua vez de contar a própria e talvez mais espetacular experiência. Vida legalizada esta. O gozo e o suor transpiram na conversa apimentada da galera Ipod, que imagina às vezes poder tudo. Pode mesmo? The xx é tipicamente uma banda dessa geração mais desencucada, que abre o verbo e a garganta para falar de coisas tão pessoais e intensas, contadas até algumas décadas atrás em voz baixa, segredada.

Talvez por isso tenham virado a sensação do momento entre aqueles mais modernos e antenados, que vivem intensamente a liberalidade que os novos padrões comportamentais possibilitaram e respiram a forte maresia criada pelo up grade tecnológico produzido nos últimos anos. Cidadãos desse admirável mundo novo. Questão mesmo de identidade de discurso e de vivência cotidiana. Os quatro integrantes, com idade próxima dos 20 anos, fizeram da estréia, XX(2009) uma espécie de carta de apresentação singela, repleta de letras sensuais e sobre relacionamentos amorosos, tudo com uma levada elegante, minimalista que caiu no gosto da crítica.

Sabe aquela banda que chega sem fazer barulho e vai conquistando devagarzinho os amigos, depois o quarteirão, a cidade e, quando menos percebe, está sendo citada pelos formadores de opinião em todo o país. Pois é, como quem não quer nada, The xx (eles assinam assim, com letras minúsculas) armou-se de influências que vão do rithym’n’blues, góticos e ícones como Young Marble Giants, essa uma referência declarada, para fazer um álbum leve e envolvente.

Para seduzir os corações, os quatro ingleses, dois homens e duas mulheres, amparam-se em uma linha de baixo e guitarra simples e repetitiva. O dedilhado cool acompanha boa parte das composições como na grudenta "Crystalised", com introdução climática das cordas, que lembra a ótima banda Interpol, e um refrão de singelo lalalaiá que fica lálalaiá rodopiando, insistente, em sua cabeça. Utilizam-se ainda de uma boa solução vocal, no duo de uma voz masculina e feminina, respectivamente a do baixista Oliver Sim, mais soturna, e a da guitarrista Romy Croft, bem Lolita, num instigante contraste.

O bom diálogo entre os dois vocalistas produzem alguns momentos sublimes, como na triste e linda “Infinity”, na qual Romy e Oliver carregam no tom sensual, ou na mais pra cima “Heart Skipped a Beat”, onde esquentam o arranjo minimalista, cheio de batidinhas eletrônicas bem sem-vergonhas, mas que não comprometem o todo. Na letra, promessas de prazeres indizíveis: “Não diga que está acabado/eu poderia fazer você se sentir como nunca se sentiu antes”. Essa carga de sexualidade está presente em outras canções como em “Island”, onde o duo se diz, na letra, paralisado pelo desejo.

Com seu debut, The xx não inventou a roda, mas foram espertos o suficiente para criar um disco que conversa com um público mais sensível. Usam e abusam do intimismo e dessa coisa que mexem com todos, que é a sensualidade. E com talento na elaboração de melodias que beiram o pop, sem perder de vista platéias mais exigentes. Resta saber se o hype vai deixar de ser momentâneo e se configurar, lá na frente, em um som mais perene. Inteligência para isso, a molecada mostrou que tem de sobra.

Cotação: 4

O xx da questão:

http://www.mediafire.com/download.php?k0nonzjnmnm

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Hora de fazer história

O Cine Brasília é um dos grandes templos da cultura na capital federal. Palco de empolgantes festivais de sétima arte que marcaram a história brasileira, o belo prédio de formas arredondadas resistiu à pressão das igrejas canibalescas, devastadoras incansáveis de tradicionais salas de cinema, e aos governos desastrosos e burros que sempre viram a arte como uma necessidade menor do ser humano. Pobres governos. Há algum tempo, aquele espaço é vítima do descaso imperdoável do poder público.

Corações valentes fazem hoje sua defesa. Meu grande amigo Doriva, de Brasília, faz parte de uma frente de resistência para salvar o Cine Brasília. Guerreiros bons de batalha, ele e seus amigos de fé convidam a comunidade para participar de um ato para descortinar o esquecimento ao qual aquele soberbo cinema foi relegado. Hora de por a consciência na rua. Doriva pediu para divulgar aqui a convocação. E esse pedido é, para mim, grande parceiro, uma ordem.

Segue a convocação:

Amigos (as),
No dia 08 de outubro, quinta-feira, às 16h, realizaremos (Adeilton Lima, Wellington Abreu, Walter Sarça e Doriva) mais uma ação artística na rua. A proposta é empacotar o Cine Brasília com sacos de lixo, numa espécie de abraço. Quem quiser se somar a nós, é só chegar.
Os espaços culturais de Brasília estão sucateados! O Cine Brasília é símbolo da cultura brasiliense e mais uma vez será maquiado para receber o Festival de Cinema/2009, enquanto o Secretário de Cultura anuncia que vai antecipar o edital do FAC de 2010, considerando que sequer divulgou os contemplados de 2009 ou zerou os pagamentos dos editais anteriores. Em defesa de nossa cidade e de nossos artistas e devido ao fato de o governo até aqui não ter apresentado sua política cultural para a cidade, voltaremos à rua para mostrar à sociedade que mais uma vez o governo Arruda e o seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, blefam.
Na ação, cobriremos as duas placas do cinema com plástico preto.

Adeilton Lima
92399644
Doriva Brandão
8492 8158
Wellington Abreu
9629 9516