sábado, 7 de abril de 2012

Velhinho de tirar o chapéu

Cohen em ação: 77 anos de puro talento e genialidade
Existe uma versão de uma música tão linda quanto uma pode ser, a versão e a música, que às vezes me faz chorar. Principalmente quando estou entregue sem forças ao ruminar da tristeza nas tardezinhas, sempre elas, que caem inevitáveis e tão solenes. “Hallelujah”, interpretada lindamente por Jeff Buckley em Grace(1994), um dos meus discos de cabeceira, tem um poder inclassificável, desses que só os clássicos, as criações afinadas com a perenidade e a beleza possuem. Por trás dessa música há ainda o talento de um cara genial que elabora melodia e letra como quem se dá aos primeiros raios de sol depois da invernada, com uma rara intensidade. E é essa sensação que nos presenteia o compositor daquela música, a que me faz chorar de quando em vez, o canadense Leonard Cohen com o rumoroso Old Ideas(2012), o primeiro CD de inéditas depois de Dear Heather(2004). Oito anos após o silêncio incomodante, que não é incomum no caso desse artista, Cohen reaparece com o mesmo brilho e encantamento de quem fez de Songs of Leonard Cohen(1968) e Songs of Love and Hate(1971) indiscutíveis obras-primas da música internacional. Coeso e soberbo, o bardo mostra que o tempo, esse senhor cheio de arestas, não amainou sua habilidade de nos causar espanto e abdução.

Veja vídeo de “Come Healing”:

Não tem como negar. Um disco de Cohen aos 77 anos, e muita cachaça depois, é um acontecimento. Old Ideas é exatamente o que prenuncia seu título: um desfilar de conceitos e sonoridade que já conhecemos antes na econômica, porém referencial, discografia do músico. Nada de novo, tudo de velho nas dez canções que iluminam o álbum. E tudo isso é maravilhoso porque, como sempre fez na arquitetura musical de sua alucinada vida, Cohen destila sua poética e melodias com precisão e alto impacto. E, como manda a sabedoria, assumindo sem firulas a sua idade. Esse é sem dúvida um dos grandes baratos, um dos achados do disco. Em uma recente entrevista disse em definitivo: “Tudo o que ponho na canção é minha própria experiência. É só minha experiência". E o velhinho cheio de convicções e idéias abre o livro do cotidiano para se declarar resignado com o peso das rugas e de um passado um tanto heavy que o consumiu vorazmente. Tanta milhagem, tantas dores e amores, o estertor das horas geraram o discurso do conformismo. “Não tenho futuro, eu sei que meus dias são breves/O presente não é tão agradável, só um monte de coisa pra fazer”, canta com paixão em “Darkness”, uma das pérolas que nos oferece docemente.

Old Ideas: velhas idéias com a beleza de sempre
A herança de sete décadas em que música de qualidade e vida dissoluta caminharam assim lado a lado não poderia ser mais aprazível para nós, agraciados ouvintes. O “bastardo preguiçoso que vive dentro de um terno”, como o canadense se definiu na faixa “Going Home”, que abre espetacularmente Old Ideas, parece viver sua enraizada maturidade em estado de graça. Espiritualizado e com um discurso afiado, ele empresta suas letras, em parceria com o também produtor do álbum Patrick Leonard, para tatuarem melodias que remontam, em muitos momentos, aos mais inspirados insights de sua carreira. A reduzida produção do artista, aliás, sempre foi marcada pela qualidade, elegância e bom gosto. E é isto que podemos ver com clareza na assumpção da velhice e suas inevitáveis conseqüências que perpassa todo o último trabalho de Leonard Cohen. E isso significa também entender que esse caminho passa pela manutenção de um estilo cool, suave e tradicional de se fazer música. O Cohen de agora revisita o folk, o country e o rock classudos em arranjos que, se nada acrescentam ao passado do artista, reforçam o cancioneiro que influenciou tanta gente nas últimas cinco décadas.

Veja vídeo com versão de Jeff Buckley para “Hallelujah”:


 A beleza do repertório de Old Ideas já se inflama nas três primeiras canções, nos três primeiros relatos de experiência de vida assinados pelo “bastardo”. Em “Going Home”, citada anteriormente, o vozeirão gutural, com coro feminino em contraponto, aumentam a realeza dessa rica composição que nada deve às clássicas criações de Cohen. O coro de mulheres, tão apreciado pelo cara, está presente inclusive em todas as faixas em arranjos espertos, realçando a voz já gasta do artista, mas que ainda impõe respeito e hipnotiza. E hipnótica é a canção seguinte, a também inspirada “Amen”, pungente e dolorida com seu banjo, bateria compassada e baixo climático, bem ao estilo folk que alçou Cohen ao panteão dos mitos. Joga logo na seqüência o tapete vermelho para uma das mais melancólicas músicas do disco passar, a intensa “Show me the Place”. Um piano solitário introduz uma letra com viés metafísico: “Mostre-me o lugar onde a palavra tornou-se um homem, mostre-me o lugar onde o sofrimento começou”. De cortar os pulsos. Mas, antes que isso possa acontecer, o bardo levanta o astral com “Darkness”, repleta de frases cortantes e um teclado infernal que aproximam a canção da vertente rock and roll.

Difícil parar de destacar essa ou aquela composição em Old Ideas. Leonard Cohen sugere que trilhemos uma via em que sua alma irrequieta e sincera sinaliza curvas abruptas ou retas abusadas.  Conta num canto falado e sem cerimônia casos de corações em chagas, como na meio jazz “Anyhow”, na qual um homem se diz maltratado por uma mulher, que não consegue, mas que deveria esquecê-lo. Ou propõe um afago na sensual e encantadora “Lullaby”, uma das melhores do CD, com sua gaita chorosa envernizando uma belíssima canção de ninar. “Durma, querida, durma, os dias estão correndo, o vento nas árvores estão falando em línguas/Se seu coração está doído, eu não sei. Se a noite é longa, aqui está minha canção de ninar”. Cohen é, enfim, nesse disco, Cohen inteiro, um poeta e cantor maior que compõe com naturalidade e brilho. Ao fim da audição do álbum, temos a exata impressão de que a longa espera valeu. O cara saiu da toca para lembrar ao mundo que há um gigante atrás daquela pele flácida, vincada pelas pesadas e marcantes emoções que só um gênio vive. Taí um discaço, mais uma lição de grandeza para que as novas gerações incorporem, levantando agradecidos aos mãos para os céus.

Cotação: 5

Baixe agora ou cale-se para sempre:

http://freakshare.com/files/kr5khalp/Leonard_Cohen-Old_Ideas-2012-pLAN9.rar.html