segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Macaco Bong na veia

Lá estavam o mesmo visual e marra de sempre. Camisetas pretas, a maioria, entregavam os ídolos da molecada cheia de gás. Muita estampa de Slipknot, Linkin Park, Limp Bizkit, Korn, essas bandas de new metal que os surdos pra boa música endeusam, poucas meninas e um ou outro saudosista com velhas bandeiras no peito, Led Zeppelin, Iron Maiden, todos circulando, peitos estufados, num espaço amplo. Um ginásio espaçoso que tornava o minguado público presente ainda mais desapontador. Noite de cinco bandas locais e a atração nacional, a sensacional Macaco Bong. Bem vindos à primeira noite do V Roraima Sesc Fest Rock.

Um parêntese necessário: o Sesc em Boa Vista é um reduto, heróico, para os fãs do rock and roll. O som que circula à exaustão na cidade é o forró e o sertanejo, daqueles mais bregas, invasivos e românticos, com alguma sobra nas ondas radiofônicas para o axé music, pagode e o reggaeton, uma buliçosa mistura de música caribenha com rap. Os roqueiros reúnem-se nas noites de Sesc para bater cabeça com bandas covers de grupos famosos, principalmente na linha do hard rock, hardcore, death metal e afins(se estou errado que alguém daqui que faça parte desse seleto grupo, por favor, me conserte).

Voltando ao Fest Rock. Tirando a seqüência de bandas que caracteriza um festival daquele tipo, tudo o mais ali não apontava para um evento que se arvora como um... festival. A estrutura oferecia uma barraca para vender cervejas e duas outras, uma vendendo algo relativo a motos, que logo descartei por não gostar do veículo (que em Boa Vista prolifera), e uma outra vendendo CDs. “Oba”, pensei. Gosto de barracas de CDs em festivais de rock porque vendem álbuns de bandas alternativas que você não costuma encontrar nas lojas oficiais. Mas, decepção, a oferta era reduzidíssima e acabei me contentando com um Cascadura dos idos de 2003. A vendedora, cascadura, não cedeu aos meus argumentos de “trabalhador que ganha pouco” e me deu um desconto bem aquém do que tinha oferecido.

Concentrando no som do festival. Nota dissonante: cheguei tarde ao evento e tive ao azar de pegar logo de cara uma tal de Kadima, uma banda gospel de metal ruinzinha que tentava, entre uma música e outra, evangelizar a pobre platéia lendo trechos da bíblia. Nada contra a religião de cada um, mas aquele tipo de festival não deveria, a meu ver, ser instrumento de pregação, ainda mais em um nível tão explícito e truculento. Sem preconceito, acho ainda que o apresentador do festival também não deveria sugerir, com toda sua lábia, que a platéia ouvisse essa ou aquela banda evangélica. O palco e suas luzes não estavam ali, num festival de rock, armados para discursos tendenciosos. Isso não faz parte da cultura rocker. Atitude sim, pregação, não.

Mas aí, depois, veio a remissão de todos os pecados praticados antes no V Fest Rock. Macaco Bong, em sua primeira aparição em solo roraimense, entrou em cena. Afiada como sempre. O que acontece quando depois de um som desprovido de identidade vem um outro carregado de paixão e talento? Claro, êxtase. E foi isso o que se viu na minúscula platéia, grande parte, provavelmente, virgem do som dos caras: um transe comedido, mas coletivo e catártico. É o que se dá normalmente quando a guitarra virtuosa de Bruno Kayapy, o baixo elegante de Ney Hugo e a bateria demoníaca de Ynayã Benthroldo tocam os primeiros acordes. Técnica apurada e raçuda a serviço de composições inspiradas.

A matogrossense Macaco Bong já havia feito estardalhaço nos maiores festivais independentes brasileiros com seu som exclusivamente instrumental, do Rec Beat, em Recife, ao Porão do Rock, em Brasília. Instrumental, sim, e esse sucesso de público e crítica, num país onde, infelizmente, as bandas e artistas que dispensam o vocal não são valorizados, é extremamente louvável. No palco, o power trio mostrou para o público local porque fizeram, na estréia, um dos melhores discos de rock – se não o melhor – de 2008. Artista Igual Pedreiro é um petardo roqueiro onde psicodelismo, progressivo, stone rock e jazz misturam-se num som robusto e convincente.

No primeiro show em Boa Vista, mesmo sem um público tão receptivo, a Macaco Bong entregou-se de corpo e alma ao espetáculo, curto mas eficiente, com direito a corda de guitarra quebrada e solos delirantes. Os dreads de Bruno voaram alto em músicas instigantes como “Fuck You Lady” e “Amendoim” e carregaram junto nesse voo uma platéia antes curiosa e depois atônita. “Tu toca pra caralho, véi”, ouviu-se aqui e ali de um espectador mais afoito apontando o dedo para Bruno. O elogio deveria valer, contudo, também para os outros dois músicos que incendiavam o palco com suas composições bipolares, com suas mudanças de andamento surpreendentes e performance honesta.

Fim do show. Aquela sensação de missão cumprida dos músicos da banda, que devem ter sentido a energia da platéia parada ali na frente deles, com aquela cara de quero mais. Som que é bom ecoa. E no ginásio do Sesc o rock consistente do grupo ficou pairando por um tempo no ar até que a banda seguinte, Sic Maggots, num tributo(?!) a Slipknot aparecesse, com os integrantes vestidos a caráter, para fechar a noite e esfumaçasse tudo. Mas, aí, já era tarde demais. A Macaco Bong já tinha dado seu recado e arrebanhado, com certeza, novos fãs. Pelo menos aqueles com neurônios a mais. Uma noite para ficar na memória.

Fotos deste post: Jotapê Pires (valeu, fi, pela força. Sorte e fortuna em Brasília). Conheça mais o trabalho do cara. Vá em: http://www.flickr.com/photos/heaven_hills/

Para baixa Artista Igual Pedreiro:

http://rapidshare.com/files/182595454/Macaco_Bong.vmab.zip