segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pequena obra-prima

Ter o que dizer é algo sempre muito bem vindo e surpreendente no cenário roqueiro brasileiro. Até porque, com algumas raras exceções, nossos letristas do gênero não são lá muito cultos e afiados. E, vazio por vazio, às vezes é melhor ficar de cara pra televisão. E aí, quando você se depara com uma banda que tem conteúdo e, além disso, empresta organicidade ao discurso, temos que tirar o chapéu. É o caso da paulistana Pullovers, que lançou o excelente Tudo que eu Sempre Sonhei (2009).

Pullovers tem dez anos de estrada e uma fidelidade ao indie rock, inclusive na opção de cantar somente em inglês, o que sempre achei uma tremenda bobagem, traída somente agora com este quarto trabalho. Na verdade, de 1999 para cá, a banda, muito cultuada nas internas, mudou, evoluiu e manteve apenas em sua formação, o cérebro, poeta e vocalista do grupo Luiz Venâncio. Para chegar à clara maturidade teve, olha só que ironia, que cantar em português!

Cantando em português, a banda afiou o verbo optando ainda por revelar uma urbanidade aterradora. Os paulistanos do Pullovers resolveram ser radicalmente paulistanos, desenhando as ruas e o clima de uma cidade cosmopolita, moderna, mas que vive as niveladoras dores de amores e o duro cotidiano de quem apenas quem ser feliz. Nisso, são brutamente orgânicos e sinceros e, por isso, conquistam inapelavelmente, corroborados pela poesia solta, o ouvinte.

Falar de Tudo o que Sempre Sonhei é falar de uma pequena obra-prima. Na investida em um rock com influências da MPB, a banda acerta em cheio, lembrando até em certos momentos Los Hermanos. E com méritos. Melodias doces e criativas infestam o álbum, com muita guitarra dedilhada, bateria marcada, cordas e piano, tudo bem orquestrado e com refinamento matemático. Bom ouvir e reouvir para sentir a inserção precisa dos instrumentos de cordas e a riqueza melódica das composições. Repare na delicadeza de “Lição de Casa” e na introspecção beirando o trip hop da arrepiante “Quem me dera houvesse Trem”.

Já as letras, estrelas do disco, são casos a parte. Luiz Venâncio, autor da maioria das músicas, libera a verborragia represada para cantar canções de amor e mostrar-se um inveterado paulistano. A música que dá título ao álbum é uma grande mostra da veia poética caudalosa do compositor. Com tintas autobiográficas, desnuda a vida de um brasileiro de classe média, comum, feliz com suas conquistas. E com sua nacionalidade e senso crítico: “Ainda bem que eu sou brasileiro, tão teimoso, esperançoso, orgulhoso de ser pentacampeão/já que se eu fosse americano, pegaria uma pistola e a cabeça ia perder a razão: mataria quinze na escola, estouraria a caixola e apareceria na televisão”.

Outro bom achado poético é a letra de “Marinês”, a bem contada história de uma suburbana que luta pra crescer na vida, mas desfaz todos os planos diante do olhar apaixonado de um “mano” nos corredores do metrô. E também a construção concreta dos versos de “O que dará o Salgueiro?”, que não tem, raríssima exceção, melodia à altura da letra ou, por fim, o despachante discurso da circense “Tchau” que fecha, definitiva, o disco. “Tudo que eu Sempre Sonhei” é álbum pra fazer história, um dos grandes e inspiradores lançamentos do ano.

Cotação: 5

O download pode ser feito gratuitamente no site da banda: www.pullovers.com.br . Passe lá que vale a pena.