sexta-feira, 4 de junho de 2010

Bem na festa de Ben Charles

Na minha infância ao pé do rádio, meu ouvido era inundado pela música brega e romântica de Odair José, Waldick Soriano, Lindomar Castilho, Paulo Sérgio, Núbia Lafayette e afins. Um estouro popular na época. A classe média e baixa do Nordeste se esbaldava, chorava e consumia cachaça escutando esse som passional repleto de dores de amores e chifres colossais. No meio dessa tempestade intimista, um som diferente, mais quente e moleque fazia, para mim, a diferença nos dials das AMs. Era o carimbó de um cara do Pará de nome divertido, hoje cultuado e imitado, chamado Pinduca. Mais tarde, entenderia que o cara nasceu em um estado com um dos ritmos populares mais hardcore já criados no Brasil, a guitarrada, que teve exatamente no carimbó, uma de suas maiores inspirações.

Toda essa longa introdução era para falar que o carimbó e a guitarrada, com sua força rítmica, começam a ser justamente revisitados pelos mais novos, como a interessante banda paraense La Pupuña, e pelos não tão novinhos mais que provavelmente tiveram o carimbó como um dos elementos de sua formação musical, a exemplo do fenomenal Kassin. E foi essa pegada que me chamou a atenção no som de um cara aqui de Boa Vista conhecido Ben Charles. O cara foi um dos pioneiros da cena rocker em Roraima. Em seu upgrade sonoro, evoluiu para um som que ele chama de “carimbóelectroseco”, uma mistura eclética e explosiva de ritmos, onde a guitarra reina impávida e nervosa. O cara, inclusive, é um dos artistas do portal da Trama. Vá em http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/ben_charles para conhecer um pouco mais sobre o sujeito. Pra mim, que só pude assistir a um espetáculo do cabra até agora, foi um achado.

Um amigo meu, Ed, talentoso fotógrafo e diretor de arte, chama o Ben Charles de “Chico Science do lavrado”. A conexão tem a ver. As composições do músico bebem de influências múltiplas, provocadas pela localização geográfica de Roraima e a forte miscigenação racial. O músico mistura desavergonhadamente carimbó com música eletrônica com ritmos latinos e, é claro, com rock and roll. Esse caldeirão acaba tornando a música de Ben Charles um tanto inclassificável, mas claramente autoral. E é isso que chama atenção de cara na catarse dessa figuraça em cima do palco. É bom demais ver alguém que se permite divagar, numa puta entrega, a partir de nossa riqueza musical explorando ainda o que de bom a música do mundo já produziu.

O show que assisti do Ben Charles, com sua banda, a Los The Os, foi em sua própria casa, cercado de amigos, numa noite daquelas em que uma chuva fina ameaçava virar chuva grande, iludindo a galera. Era aniversário dele. E o presente foi pra gente. Inspirado, o cantor e compositor destilou sua música bem temperada, com direito a longos improvisos de guitarra. O carimbó presente aqui e ali em seu som me fez voltar à infância. Isso e a energia de suas músicas garantiram uma noite mágica. Quero ouvir mais Ben Charles para poder falar com mais propriedade sobre as experimentações que o cara faz. A primeira impressão, marcante, é que esse cara tem que ser mais ouvido pelo Brasil e pelas gerações mais novas. Até mesmo para implodir a caretice e para que os candidatos a músicos se reinventem e se tornem engenheiros da novidade. Ben Charles, com 23 anos de estrada, mostra o caminho.

Para ouvir a música de Ben Charles e Los The Os vá em : http://www.reverbnation.com/bencharles

Assista a clip da música “Ubá”, momento completamente lounge de Ben Charles:

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Nas asas da intensidade

(Tarde de feriado. Dois sujeitos olhando para o rio que corre manso falam de música ao som de gritos de papagaios em revoada para o descanso.)
Um cara – Baixei um disco de uma banda nova da Irlanda. Butterfly Explosion. Nome esquisito, explosão de borboletas.

O outro – E como seria uma explosão de borboletas?

Um cara – Sei lá...Talvez como um desses fogos de artifícios que encantam os olhos da gente. Desses bem surpreendentes nos quais a explosão se multiplica em outras formando uma miríade de cores que deixa o céu em festa.

O outro – E a banda irlandesa? É por aí?

Um cara – É sim...por aí. É um quinteto que faz o que se costuma chamar de dream pop, aquele rock cheio de texturas, delicado e sinuoso. E são bons nessa linha. Sabem tocar, principalmente o guitarrista e vocalista Gazz Carr. Na guitarra, o cara dialoga bem com outro membro da banda, Jay Carty. Os dois têm uma forte influência dos anos 90...

O outro – Muitos detonam essa década, dizem que musicalmente não teve lá grandes lampejos criativos. Bobageira. A maioria desses reclamões são viúvos da hecatombe sonora produzida nos anos 60 e 70...

Um cara – Podicrê. A imprensa estrangeira compara o som do Buttefly Explosion a My Blood Valentine e Jesus and Mary Chain, duas das bandas mais interessantes e intensas daquela década...

O outro – E...

Um cara – E a comparação procede. Principalmente pelo “noise”, pela distorção da guitarra e baixo que criam um contraste bacana com as melodias. E esse é um dos pontos fortes da banda. Músicas como “Closer”, que abre o disco, tem uma melodia intensa, emocionalmente vasta e que é chafurdada por cordas distorcidas. Uma bela introdução para o que vem depois.

O outro – E o que vem depois continua impressionando? Dá até medo...

Um cara – Olha, os caras não são a oitava maravilha do mundo. Mas, são honestos no que fazem. Quase todo o disco pende para a leveza e a suavidade...tipo...tipo dream pop mesmo... Mais, há por trás disso tudo meio que uma raiva contida que aflora aqui e ali em, aproveitando uma expressão que você usou, lampejos. Isso está bem claro em duas músicas instrumentais do disco, as belas “Automatic” e “Carpak”. As duas começam mais sonolentas até despertarem do meio para diante em distorções e barulho.

O outro – Gosto da distorção como lenitivo para a caretice...

Um cara – Os caras até abusam um pouco disso. Mas, a barulheira não compromete o conjunto da obra. Compensa inclusive a voz pequena, banal de Garr. Esse é a cabeça da história. Sua composição são inspiradas. Além daqueles duas instrumentais que te falei, tem pelo menos, dois grandes achados musicais, além da fantástica “Closer”: a lenta e etérea “Sophia” e a intensa “Crass...See you on the other side”. Mas, se quiser algo mais agitadinho vá de “Chemistry”, um raro momento nervoso da Butterfly Explosion.

O outro – Vou experimentar... Mas, no geral...

Um cara – No geral é um dos bons discos que ouvi esse ano. Um daqueles grandes álbuns de estréia de uma banda. É esperar para ver se os caras não vão descarrilhar na sequência. Por enquanto, vale a pena curtir e provar a boa sopa sonora dos caras. Não engorda e faz bem. Recomendo.

O outro – Ei, qual é mesmo o nome do disco.

Um cara - Lost Trails. Anote.
(Finalmente, o garçon perdido na contemplação do rio percebe que dois clientes, nós, os únicos do bar ribeirinho, estão ali falando de música. A cerveja gelada se avizinha. Já sinto seu sabor. A noite promete.)

Cotação: 4

Experimente os irlandeses:

http://www.mediafire.com/?mmotf0z0mkn

Escute a bela “Closer”:



E também “Crash...See you on the Other Side”:



Os caras num vídeo amador feito em um show ao vivo nos EUA: