quinta-feira, 3 de março de 2011

Música de época

Houve um tempo em que para conversar a distância as pessoas usavam a invenção de Graham Bell. Nada de twitter, MSN ou outras modernidades que viciam hoje tanta gente. Época também em que a violência não tinha contornos doentios e nem grassava tanto. Quando ser romântico fazia parte da cartilhinha de todo aquele ou aquela que pensava em conquistar alguém. Esse é o mote da paulista Bel Garcia, ou melhor, Blubell, que lança o segundo trabalho, cinco anos depois do interessante Slow Motion Ballet(2006). E Eu sou do tempo em que a gente telefonava(2011) tem esse tom nostálgico, como antevê o título e a capa do álbum. Gosto de um passado mais ingênuo, de salões de dança com grandes orquestras e casais vestidos com elegância.

Veja clip de “Chalala”:



É tudo intencional. Blubell cercou-se dos competentes músicos da banda de jazz À Deriva, com quem mantém antiga parceria, em busca de uma sonoridade mais classuda. Na massa instrumental, estão lá, tinindo, o quarteto talentoso formado por Rui Barossi(baixo), Guilherme Marques(bateria), Daniel Muller(piano) e Beto Sporleder(sax e flauta). Eles contribuem para que Eu sou do Tempo em que a gente telefonava respire, em alguns dos seus momentos mais marcantes, um ar jazzy. Já em “Música”, que abre o CD, o paredão instrumental ataca com uma levada que remonta ao jazz primevo, um charlestone com a voz de Blubell gravada com efeito radiofônico. Música de bolachão 10 polegadas. Só faltou mesmo o chiado.

O jazz e sua natural elegância está presente também em “Triz”, uma das boas músicas do álbum, com letra afiada de Blubell. Uma canção de melodia clara, sedutora, e arranjo encorpado entronizando a poesia inteligente. “Já compreendi que o movimento ajuda a gente a existir/e que o pra sempre fica a um palmo do meu nariz”, canta a moça. Dentro ainda do refinado e clássico receituário da artista, que canta em inglês e português com a mesma naturalidade, ela passeia pela soul music na bonita e sinuosa “Good Hearted Woman” e pela bossa nova, dessa vez sem tanta inspiração, na dispensável “Estrangeira”. Todas essas músicas servem ainda como instrumento para a linda e afinada voz da paulistana, que mostra uma concreta evolução e segurança desde Slow Motion Ballet.

Mas, nem só de referências ao passado vive o segundo álbum de Blubell. O pop moderno e iluminado que chamou a atenção da crítica no disco de estréia volta em canções assobiáveis. Caso de “Chalala”, música de abertura da divertida minissérie “Aline", da TV Globo. A letra afoita mostra que a compositora domina o verbo, além da voz: “Se você é uma farsa, eu sou uma versão. Se você é o caos, eu sou a confusão. Se você der a música, eu faço o refrão”. Pronta para tocar no rádio. Na mesma linha confessional, “1,2,3,5”, também com melodia de apelo pop, deve agradar aos indies de plantão. São exceções dentro de uma proposta musical minimalista, voltada para um público com ouvido mais treinado.

Pessoalmente, sinto falta de uma certa ousadia candente em Slow Motion Ballet, que considero superior a esta segunda obra. Menos preso a uma linha, a um conceito sonoro, nesse caso, a uma música da época em que as pessoas se telefonavam, Blubell se permitia experenciar um pouco mais. E são os lampejos de criatividade, a fuga do convencional, que mais me encanta no recente CD. E isto é visto lá pelo finzinho do álbum, nas composições com sonoridade que sai do lugar comum, como em “Pessoa Normal”, que tem a participação da revelação Tulipa Ruiz, um misto de tango e MPB, e “Velvet Wonderland”, na qual assume uma faceirice que só as brasileiras têm. Torço para que esta seja uma indicação do que está por vir por aí. Blubell pode.

Escute “Pessoa Normal”:



Cotação: 3

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