quinta-feira, 23 de abril de 2009

Caudalosa ousadia

Não é muito fácil escutar Rômulo Froés. É preciso ter ouvidos educados. E persistir para ter o claro entendimento do caleidoscópio musical proposto pelo artista em seu terceiro trabalho, No Chão sem o Chão(2009). Froés tenta escapar da pecha de sambista que o vinha perseguindo até agora e comete um dos discos brasileiros mais autorais e ousados, se não o mais, desse ano.

Eloquente, o paulistano resolveu lançar um álbum duplo, dividido em duas sessões, a primeira “Cala Boca já Morreu” e a segunda “Saiba ficar Quieto”. Nas duas, o músico, ao lado dos letristas e artistas plásticos Nuno Ramos e Clima, dá uma guinada em sua carreira fazendo transambas e transrocks, expressões criadas por Caetano Veloso para designar a mistura de samba e rock com tempero essencialmente brasileiro.

No Chão sem o Chão é um exercício musical complexo, sem que pra isso caia necessariamente na chatice. Froés continua a fazer seus sambinhas tortos, agora com guitarras dissonantes e com a mesma tristeza sem fim, já presentes em seus dois álbuns anteriores, Calado(2004) e Cão(2006). Casos das bacanas “Qualquer Coisa em você Mulher”, “Só Você faz Falta”, uma concessão adorável ao pop, da marchinha carnavalesca “Ela me quer Bem” e da sinuosa “Caia na Risada”, uma das melhores do projeto.

Mas, Fróes quer avançar e é com a ajuda da energia rocker, no que o gênero tem de alternativo, que consegue a chave da transformação. E aqui o músico bebe de influências diversas. É possível ver ecos do tropicalismo, com suas guitarras rasgadas, em “Destroço” ou em “Caveira” e visualizar ainda uma paisagem indie rock na inclassificável “Anjo”, que começa pesada para depois afagar esperta nossos neurônios.

Em parte das canções, graças a banda mais roqueira de Fróes, os solos de guitarras surgem largados, livres em improvisações muitas vezes desconcertantes a cargo de Guilherme Held e do mito Lanny Gordin, em participação especial. Ouça “Do Ponto do cão” e “Deserto Vermelho”, entre outras, e ateste.

Mas, as referências sonoras não se resumem à pegada rock. Até porque o artista quer se livrar de rótulos. E nesse sentido, ele é generoso. Há toques de ska em “Minha Casa”e há atonalismo, que lembram o Arrigo Barnabé de início de carreira, em “Peraí”. E tem canções com alma emepebística sem que esbarrem nas convenções como na ótima “Para Fazer Sucesso” ou mergulhando na tradição como a linda “Saiba Ficar Quieto”. Qualquer que seja o ritmo, é possível sentir uma arquitetura homogênea nas letras refinadas, ora concretistas ora surrealistas, mas sempre desconcertantes e intrincadas.

Por tudo isso, ouvir Rômulo Froés em seu surto criativo e abundância de propostas musicais é reconfortante. Há vida inteligente em nossa música. No Chão sem Chão é uma prova cabal disso.

Cotação: 5

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