domingo, 31 de maio de 2009

Saudades do Mato Grosso

Morei dois anos em Cuiabá. Lá aprendi, entre outras descobertas afetivas de um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, a respeitar e me emocionar com a natureza. Até então, natureza para mim eram as praias e a visão redentora do horizonte que separa tão definidamente o céu do mar. Percebi no Mato Grosso que havia mais verde no mundo do que pensava minha débil filosofia. Um verde gigante e desafiador, e aquela pressão constante no ar de um mundo sempre pronto a nos surpreender. Pelo bem, o cenário estonteante, e pelo mal, a ação irresponsável do ser humano.

Fico com a memória da parte boa. O pantanal com a bicharada sempre a espreita, jacarés, tuiuiús, pacas e antas em mergulhos estrepitosos nos rios. A Chapada os Guimarães, soberana com suas cachoeiras e rochas desafiando o tempo em equilíbrio mágico. Nos últimos meses tenho tido uma saudade medonha de lá, dez anos depois de minha última visita. Deixei amigos que aparecem em sonhos reclamando minha ausência. Desperto nesses dias com o coração apertado, com aquele sentimento incômodo de cobrança, vendo no reflexo do espelho o desejo do retorno brilhando na retina dos olhos de meu rosto ainda sonolento.

Por essa saudade que se avoluma, me vi pego pela emoção no show da mato-grossense Tetê Espíndola(na foto, chapada na Chapada), que assisti esses dias aqui em Brasília. Quando falei para alguns amigos que iria vê-la, alguns torceram o nariz e me ironizaram, respaldados por um preconceito velhaco e desrespeitoso. Nessa hora tocava mentalmente um foda-se e fazia movimentar aquele móbile nostálgico que há alguns meses habita minha cabeça. A apresentação de Tetê era mais uma chave daquele sentimento de retorno. Queria abrir aquela porta e mergulhar com tudo no espírito revivalista.

O espetáculo tinha uma proposta temática: a música pantaneira, das tradicionais guarânias às canções da geração mato-grossense que, na década de 80 do século passado, revelaram ao Brasil a nova música daquela região. O país conheceu Almir Sater e, principalmente, a família Espíndola, tendo a frente Tetê. Os espíndolas são como uma instituição musical no Mato Grosso. O patriarca e também músico Geraldo Espíndola é autor de um hino informal daquele estado, a bela “Quyquyho”, cantada com reverência pelos filhos (Tetê, mais Jerry e mais Alzira) no show.

Os irmãos espíndolas, acompanhados de Lucina, que fez dupla histórica com Luli e vive hoje carreira solo, cantaram a cultura pantaneira no espetáculo. Um mundo de lembranças, tão caudaloso quanto os rios que cortam o estado, me veio à cabeça. Na época, estrangeiro por lá, testemunhei o orgulho dos mato-grossenses de pertencer aquela cultura docemente servil à força da natureza. Gostava daquilo e a memória daquele tempo me veio avassaladora durante o show. Chorei por dentro um choro de cachoeira serena.

Tetê continua com seus trinados, continua imitando pássaros, e essa fidelidade me fez um bem enorme naquela noite. O bicho grilismo das mensagens pode até parecer brega e chato para muitos que preferem se esconder, em função disso, atrás do muro do preconceito. Aquele do qual falei nos primeiros parágrafos. Mas, há entranhado nessas loas da natureza uma entrega e paixão que os corações mais duros preferem fingir que não existe. Uma pena. Há um valor intrínseco em Tetê e sua trupe, um lastro cultural e telúrico que ela defende com abnegação e honestidade. Ela consegue ver o luar. E a gente precisa ver mais o luar. E em Mato Grosso, a lua tem uma luz especial que hoje ilumina minha saudade e alimentou essas linhas. Valeu, Tetê.

Vai o link do primeiro disco de Tetê com a família Espíndola, chamado Tetê e o Lírio Selvagem, de 1978, uma raridade:

http://rapidshare.com/files/136868346/Tete_e_o_Lirio_Selvagem.rar

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