sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Jardim das delícias

Patrick Watson gravou o disco em casa
Sempre achei que a delicadeza fosse   uma virtude dos fortes. É difícil dar tratos a ela. Poder ser assim solícito quando o outro, em meio à cegueira, tanto precisa, abrindo uma porta que antes parecia intransponível, fechada por mil cadeados. Desacelerar o dia, sutilmente, sem alarde, num gesto simples, invisível, para que a vida desencane e o nó se desfaça. É preciso hoje que saibamos coroar a gentileza, para que a bala não venha, para que a truculência não vença a razão, ou que seja só para clarear a vereda como tocha que ilumina sem arder. Algumas canções de tão inteiras foram feitas para amansar feras, assim como uma gentileza que se faz para que tenhamos um escape para driblar as tantas tormentas que se formam em nós. Tem o poder balsâmico de supurar, nem que seja momentaneamente, as feridas. Aquelas que vêm com uma leveza devastadora, invadindo sem solenidade os poros e se instalando urgente em nossa alma para nos acalentar. É desse mesmo tecido que foram estruturadas as encantadas composições de Adventures in Your Own Backyard (2012), um álbum cheio de boas intenções, não daquelas do qual o inferno está cheio, propostas por um grupo canadense chamado Patrick Watson, mas bem que poderia se chamar gentileza.

Assista clipe de Adventures in Your Own Backyard gravado em cima de um prédio:


Há quem não tenha muito estômago para encarar canções moldadas pela melancolia, aquelas que busquem, longe da afetação e claramente também da predisposição, o sublime. Por isso, ouvir o quarto disco de um cara como Patrick Watson, que deu nome ao coletivo de músicos que o acompanha, exige um certo desprendimento e paciência para escrutinar a beleza vigorosa dos arranjos e a serenidade das composições. É assim como riachinho que corre perene no meio de uma paisagem pedregosa e árida onde você põe o pé e deixa a água riscar a pele. Refresca e apascenta. A banda vem nessa direção desde Close to Paradise(2007) e Wooden Arms(2009), com suas melodias elaboradas e num tom mais baixo, em contradanças imprecisas com a leveza e o acolhimento. Com esse último trabalho, o grupo parece ter acertado o passo e os compassos. Em boa parte do repertório o piano se faz presente, evidenciado, convocando quase sempre uma instrumentação rica, na qual cordas, sopros, timbales encorpam os arranjos exatos, pensados para amplificar os climas de melancolia e redenção que as músicas desse gratificante álbum sugerem sem indulgência.

Patrick Wilson: linhagem de cantores líricos
Como o título antevê, o álbum foi gravado na casa de Patrick Watson, o seu quintal. Para poder ter tempo de cuidar dos filhos ao mesmo tempo, no andar sem pressa do trabalho. Essa opção parece se refletir nas canções que trazem à memória ecos solitários de artistas de lirismo acentuado como Jeff Buckley, Andrew Bird e até Antony and the Johnsons. "Lighthouse" inicia sua jornada melancólica com um piano lindo e lentíssimo para  crescer estupenda e quase dramática lá pelo meio com a surpreendente utilização de trompetes mariachis, bem ao estilo das trilhas assinadas por Ennio Morricone para bang-bangs italianos. O mesmo e fulgurante naipe de metais dá o ar da graça e esquenta a música que dá título ao disco e uma das mais belas do conjunto. Aqui, a voz afinada de Watson se vê acompanhada de uma orquestração equilibrada, com arranjo límpido, sem excessos, cada instrumento trabalhando em perfeita harmonia, características aliás que dão o tom da obra. Para entender melhor, é só escutar com cuidado a instrumental "Swimming Pools". Sereníssima e abraçada com a melancolia, a faixa tem melodia rica e climática, como ver em um quintal da casa de um ermo interior a passarada na arquitetura complexa da manhã que nasce.

Ouça a bacanéssima "Into Giants":


Na letra de "Adventures in Your Own Backyard", Watson reforça a velha tese de que às vezes você não precisa ir tão longe para encontrar aquilo que estava procurando. Que, às vezes, essa busca acaba ali mesmo, a doze passos, em seu próprio quintal. O que os canadenses procuraram, e acharam, estava ainda mais perto deles, aliás, dentro deles, em seu próprio coração. Inspirada, a banda nos oferece um punhado de canções sentimentais, sem ser sentimentalóides, com tendência à melancolia, sem se embarafustar na lama da tristeza. Na mansa “Blackwind”, timbales, banjo, violinos e violões promovem um casamento delicado com o expressivo vocalista da banda. Guitarra  e coro entram no final para pontuar esse união. A instrumental “The Things you Do” é uma canção de ninar com um arranjo refinadíssimo. “Noisy Sunday” é um outro acalanto no qual a leveza da composição é como um amanhecer de domingo com seu ruidoso silêncio. A pianíssima "Quiet Crownd", por sua vez,  tem melodia forte, emotiva, e performance excepcional de Watson. O solo de piano tenso, quase freak precede um refrão revigorante, como o sol que força o caminho vencendo a tempestade e deixando tudo mais claro.

A música de Patrick Watson é feita assim, de clarões. Nela, o que parece nublado logo se refaz em luminosidade. “Step out for a While”, por exemplo, cresce com seus vários andamentos e abre clareiras, forçando espaço para uma percussão forte, como um som de marcha. Uma composição em dois tempos, a doçura e o amargo encadeados em três minutos com gostinho e cheiro de nostalgia. Dois sentimentos em uma das mais belas canções do disco. Mais uma eficiente construção sonora que remonta à mágica atmosfera circense. Como nos circos românticos e telúricos de tempos remotos. Como num filme de Federico Fellini. “Morning Sheets” é derramada, languida, com um acento mais pop, economizando na guitarra aquilo que sobra na orquestração classuda. Lembra, ainda que de longe, a soul music fogosa de Isaac Hayes. Adventures in Your Own Backyard é, enfim, obra para mentes e corações abertos, gentil como um beijo de agradecimento. É Patrick Watson e seus parceiros do Canadá brincando de ser feliz em seu próprio quintal e transferindo essa felicidade para nós. Encare sem preconceito.

Cotação: 5

Se aventure neste quintal:

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2 comentários:

José María Souza Costa disse...

Convite
Passei por aqui, para lê o seu blogue.
Admirável. Harmonioso. Eu também estou montando um. Não tem as Cores e as Nuances do Vosso. Mas, confesso que é uma página, assim, meia que eclética. Hum... bem simples, quase Simplória. E outra vez lhe afirmo. Uma página autentica e independente. Estou lhe convidando a Visitar-me, e se possível Seguirmos juntos por Eles. Certamente estarei lá esperando por você, com o meu chapeuzinho em mãos ou na cabeça.
Insisto que vá Visitar-me, afinal, o que vale na Vida, são os elos de Amizade.

Deixe no comentário, o endereço do seu blogue, para facilitar, a retribuição em Segui-lo.

Anônimo disse...

Meu blog, caro amigo é www.todoouvido.blogspot.com . Terei muito prazer em segui-lo. Vamos nos unir em torno da boa música!