quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Casagrande é do rock

Naquela tarde quente de 15 de agosto, a deliciosa costela de tambaqui que havia comido alguns minutos antes ainda estava sendo digerida pelo meu preguiçoso aparelho digestivo quando vi, redivivo, Walter Casagrande na TV Globo. Vidrei: o ex-jogador e comentarista de muitas tardes de domingo de futebol, defenestrado de nossa telinha após um relacionamento hardcore com as drogas e um longuíssimo silêncio, voltava inesperadamente a ativa. E pra falar logo de...rock and roll. Uau, imaginei, pra emendar depois: isso é o que pode se chamar de uma volta emblemática.

Casagrande foi o primeiro apresentador de uma série de sete filmetes sobre aquele gênero musical, baseada no documentário “Seven Ages of Rock” da BBC britânica, que o Jornal Hoje iria exibir somente nos sábados. Esse resgate relâmpago só veio confirmar para mim o quanto nossa televisão é, algumas vezes, terrivelmente irônica e surpreendente. A imagem do cara, com seu jeitão de troglodita e a mesma cabeleira desgrenhada, ali, falando do libertário mundo rocker, trazia fatalmente à memória o incidente que parece ter acabado de vez com sua carreira de comentarista.

Pra quem não se lembra, Walter Casagrande foi notícia depois de um acidente feio com sua Cherokee em setembro de 2007, em São Paulo, que o levou malzão ao hospital (foto abaixo). Depois sumiu, sem explicações, da televisão. A Globo, patroa do comentarista de jogos de futebol, emudeceu. “Licença médica”, dizia apenas atrás de sua capa moralista.Ele voltou a virar notícia quando revistas e jornais informaram que estava em uma clínica de recuperação de viciados. Cocaína e heroína, o vício, apurou a tradicional Placar numa reportagem de sete páginas. Virou capa de conhecida revista semanal. Drama exposto para vender mais exemplares nas bancas. Tava lá o astro, desnudado e infeliz, desintoxicando diante da platéia big brother atônita.

A moral brasileira de ranço católico é podre como um toco de coqueiro castigado durante anos pela maré. A maioria tende a não perdoar alguém que é exposto de forma tão explosiva e pública como foi o ex-ídolo do Corinthians. E Casagrande foi o responsável, naquele primeiro Sábados de Rock – esse é o nome da série – por um texto que vendia o espírito explosivo do rock em sua gênese. Fatalmente, ele teria que citar a inevitável trinca sexo, drogas e rock and roll. Mas, a maior das ironias é que em seu texto rolou sexo, rock, mas as drogas ficaram estranhamente de fora do roteiro. Esquecimento ou protecionismo, quem vai dizer? Mas, que ficou uma lacuna ninguém tem como negar.

O artilheiro começava seu texto, numa locução acelerada, impessoal, listando aquilo que moveu o rock e o colocou como um dos combustíveis mais revolucionários do século passado: “Guitarra, bateria, baixo, volume máximo, atitude, transgressão, sexo, estilo, mensagem, conteúdo.” Mas, e as drogas? Como tirar dessa lista aquilo que, pelo bem e pelo mal, empurrou dezenas de ídolos, centenas de rockeiros a tomar atitudes que ajudaram a dar uma cara transgressora ao gênero e o colocou na “black list” de pais e religiões mais conservadores. Esperei Casagrande falar das drogas, mesmo numa vírgula de seu texto, mas, o cara não falou.

Fora isso, foi interessante ver nosso louco ex-comentarista esportivo muito à vontade para falar superficialmente – até por uma imposição do meio eletrônico - do rock, uma de suas grande paixões. Fã dos ícones doidões Hendrix, Janis Joplin e The Doors, cujos band leaders tiveram fim trágico, dois deles vítimas de overdose e o terceiro à sombra da suspeita, Walter Casagrande bate um bolão quando o assunto é guitarras no volume máximo. O que deve ter surpreendido muito espectador. Ou não, como diria Caetano Veloso, outro influenciado pelo rock no início de carreira.

Muitas carreiras e dezenas de dias enfurnado em uma clínica depois, Casagrande ficou longe dos noticiários desairosos sobre seus prazeres antes secretos. Deve ter se curado. Apareceu bem e cheio de energia na televisão, refrescando a tela naquele meio de agosto cansado de tantas manchetes requentadas sobre a morte de Michael Jackson. O fato é que cinco minutos e meio depois de ouvir o cara falar de Beatles, Dylan, Clapton, Kinks e Rolling Stones na televisão em horário nobre, não tem como deixar de dizer: Casagrande é do rock!


Se você não viu o Casa no Sábados de Rock, se ligue:

http://www.youtube.com/watch?v=V3dMO6aqpTc&feature=related

Mais à vontade ainda, Casagrande opina sobre seus ídolos pessoais e o rock brasileiro:

http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1266072-16022,00-WALTER+CASAGRANDE+ARTILHEIRO+INTELECTUAL+DO+ROCK.html

Um comentário:

DEEMON disse...

UMA DAS COISAS QUE EU NUNCA ME ESQUEÇO É UM MATÉRIA DO GLOBO ESPORTE COM O CASAGRANDE EM 1985.O REPORTER PERGUNTA AO CASA SE ELE IRIA AO ROCK AND RIO.ELE DISSE QUE ESTAVA INDO PARA VER O SCORPIONS,AC/DC E IRON MAIDEN.GRANDE CASAGRANDE,PESSOAS COMO ELE SÃO ÚNICAS NO FUTEBOL QUE INFELISMENTE SÓ TEM PAGODEIROS,RÉPERS(SIC)OU SERTANEJOS.LONGA VIDA AO CASA E AO METAL ROCK.ADEMILSON(DEEMON)SBRISSA)