sexta-feira, 4 de maio de 2012

Cordeiro no ponto


Cordeiro posando de brega kitsch: novidade pulsante
Felipe Cordeiro é um nome que tem freqüentado rodinhas bacanas, ecoando em ouvidos de quem vive a incansável busca da nova batida. Um nome com verniz e com raiz. Sobrenome que faz todo o sentido no voluptuoso Pará, onde fez a caminha. E o mais importante, um cordeiro com substância, tenro, cevado com a consistente fusão de ritmos que fazem de Belém hoje um dos mais instigantes laboratórios musicais brasileiros. A gente sabe, o Pará está na moda, pelo menos nas vitrolas. Tem a impagável Gaby Amarantos, aquela multicolorida da abertura da novela da Globo. Teve antes disso a excelente galera do La Pupuña, que fundiu rock e guitarrada, aproveitando-se da infindável eletricidade do instrumento que é base e alma daquelas duas invenções. E tem esse menino, esse Felipe Cordeiro que explora como Gaby, o pop, e como La Pupuña, a energia da guitarra, para fazer de Kitschpopcult(2012) o que este título vende tão claramente, um mix de sonoridades ambientado com esperteza e talento. Um disco metido a popular com um bafo de inteligência que o transformou numa das bons lançamentos de 2012.

Veja Felipe no Altas Horas:


A raiz de Felipe Cordeiro é sua relação umbilical com os sons que marcam profusamente o estado em que nasceu. Carimbó, guitarrada, o brega e as fusões que a proximidade do Pará com o mar do Caribe proporcionam, tudo isso como uma esfuziante escola, como uma inesgotável fábrica de alegria pura e de sensibilidade a flor da pele. Mais do que respirar esse provocante ambiente musical, Felipe vivenciou diretamente o exercício de todos aqueles ritmos numa relação quase que osmótica. Seu pai, Manoel Cordeiro foi o maior produtor musical da região Norte brasileira de discos de carimbó e guitarrada, de artistas populares que ainda arranham a memória das novas gerações. Um homem com os pés fincados no barro paraense. Esse espírito herdado pelo pai e muito bem absorvido pelo filho é o ouro bruto de Kitschpopcult. Não a toa o álbum é dedicado muito justamente ao velho Manoel das muitas lidas. Tá lá os sons balouçantes que moldaram o gosto de milhares de paraenses devidamente lapidados por uma refinada e experiente produção, o toque de Midas desse delicioso e dançante álbum.

O cantor na capa do disco: composição brega
Por trás das canções criadas por Felipe Cordeiro está André Abujamra, paulistano raro, acostumado ao trato das sonoridades do mundo, como ficou evidenciado na época em que capitaneou o inesquecível grupo Karnak. A verve multicultural de Abujamra deu-lhe tranqüilidade para trabalhar a proposta de Cordeiro. Este paraense, competente guitarrista, era um nome conhecido da cena local. Como Chico Science e o maracatu atômico, enxergou na guitarrada, no carimbó e no brega a potencialidade e apelo pop que esses ritmos carregavam. Agregou a eles um toque moderno, uma moldura contemporânea que os aproximou da galera esperta. Abujamra aparou arestas e, no frigir dos ovos, ganhamos um álbum em que mergulhamos, sem ranços folclóricos, numa música envolvente e cheia de energia. A alta voltagem e a planejada modernidade já se mostram na primeira música do CD, “Legal e Ilegal”, uma síntese dos ritmos paraenses, azeitados por metais e guitarras sinuosas. A letra entrega um compositor inventivo, antenado com os sons e doideiras do planetas: “Aguardente no bom samba canção/Caspa do diabo no rock and roll/ Erva do amor no reggae and night/Cultura sintética no drum’n’bass/Cuba libre na salsa peruana”. Aditivos que estão no justo compasso dessa composição suingada e dançante.

Escute a delicada “Historinha”:


Suingue e tradição misturada à contemporaneidade, aliás, é o que de melhor nos apresenta o álbum. Felipe Cordeiro convence, por exemplo, quando investe sem restrições na guitarrada, ritmo construído com guitarras nervosas, como na pulsante “Lambada com Farinha”, que traz uma inesperada introdução metida à erudita, com orquestração tensa. Um toque diferente para quem busca, claramente, diferenciais na mistura a que se propõe. Lambada com Farinha... já pensou?. Pode ser estranho, mas funciona. Assim como pega bem a cabeçuda “Conversa Fora”, na qual viaja, sem pudor, no tecnobrega – sem aquelas repetições sonoras enervantes de certos grupelhos, vide Dejavu – e de quebra oferece um mantra pegajoso: “Não ponha rancor pra dentro/só jogue conversa fora”. Um bom conselho dado de graça, como diria o velho Chico Buarque. Nessa linha mais pop, Cordeiro nos presenteia com duas ótimas músicas, duas das minhas preferidas “Fogo de Morena”, um irresistível carimbó com todos os elementos que o fizeram conhecido, incluindo o coro feminino malicioso, e o brega “Fim de Festa”, desses instrumentais feitos para dançar agarradinho, de preferência com algumas doses de cachaças a requentar o sangue.

Mistura do som tem boas talagadas de tradição
Apesar de toda a influência que assimilou dos ritmos regionais típicos do Pará, Felipe Cordeiro não é um Pinduca. Debaixo da ponte de sua formação musical muita água rolou. E Kitschpopcult traz também outros sons que fizeram sua cabeça. É aqui, na minha opinião, que o disco perde um pouco de sua força, mas, diga-se de passagem, sem perder a graça. Se a levada pop rock de “Fanzine Kitsch”, que lembra absurdamente o diálogo bem humorado da clássica “Você não soube me Amar”, do teatral Blitz, cai apenas no terreno do curioso, o paraense mostra-se mais afiado e sedutor em outras batidas. São os casos da boa “Dias Quentes”, com um tom circense e letra bacana, e da linda “Historinha”, que começa lentinha, ensaiando, juntamente com a poesia bem elaboradinha, um crescente que descamba na apoteose sublinhada por um ótimo solo de guitarra com equilibrada carga regional. Um instigante final de disco, um ponto final de uma história de amor a tradição, refogada pelo moderno, que pode render outros bons achados, espero com sinceridade, da estirpe desse garoto chamado Felipe Cordeiro, um artista com nome e sobrenome. Que o Pará baixe sobre nós com toda essa sua desapegada alegria.

Cotação: 4

Bandeie-se pro Pará:

http://www.4shared.com/zip/T-P3t4I5/felipe_cordeiro_-_kitsch_pop_c.html

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