quinta-feira, 7 de julho de 2011

A dona da voz e da vez

Tudo gira em torno da voz da moça. As peças bem colocadas, calculadas, como num rico cenário operísticos onde tudo deve funcionar para que graves e agudos ganhem inteiramente o vácuo entre as bocas tonitruantes dos cantores virtuosos e os tímpanos amaciados do público no exercício do êxtase. A candidata a diva, uma britânica de pele branquinha e herança italiana no nome e na alma, parece gostar de trabalhar assim, amparada por equações exatas, orquestradas para que ela impere soberana. A estréia de Anna Calvi, uma bela dica de meu grande amigo e visionário Wagner Marataízes, com disco de estréia homônimo, é assim, esquemático, tramado com sensibilidade para que a novata pudesse expor seus impressionantes dotes vocais. E que vozeirão ela tem. É nela que se fia e é destilada cada canção de um encorpado registro fonográfico para o qual já foram tecidas todas as loas por uma maravilhada crítica. Mas, Anna Calvi(2011) tem realmente inegável encanto e é obra para se ouvir repetidas vezes até que andemos com segurança por todos seus becos e vielas emocionais.

Assista ao clip de "Blackout":



A arte de Calvi já foi comparada, pela voz e estilo único, a de musas eternas do rock, como as fantásticas Patti Smith e PJ Harvey. Comparação ousada, afinal, as duas são cultuadas e fazem inquestionavelmente parte da história de um gênero musical que vive se reinventando. A parte mais criativa e referencial, diga-se de passagem. Mas, a inglesinha é ainda, pela curta experiência de vida e amores, uma estagiária nesse universo povoado por quase deusas. O que se evidencia em seu primeiro álbum é o distanciamento da crueza rocker e radical que tanto marcou os primeiros trabalhos de Smith e Harvey, provocado, no caso da estreante, por uma produção mais cuidadosa e cartesiana. Só para traduzir melhor, pensando na segunda cantora da frase anterior, Anna Calvi está mais para Bring you to my Love(1995) do que para um Dry(1992), este uma peça de artilharia devastadora. Isso, contudo, não tira o brilho e a contundência de um trabalho raro e incandescente. Nossa cara iniciante já nos dá, em sua primeira investida, muito pano pra manga.

Voltemos então à voz de Calvi, cheia, diferenciada, que vai, no álbum de estréia, de registros suaves, líricos, a intervenções mais raivosas, tudo sempre a serviço de um rock and roll engajado e sofisticado, sem grande apelo popular, mas longe de ser intransponível. E ainda, o que mais marca, uma voz com intensidade dramática e convincente carga de verdade que escorre por entre os dedos de cada palavra cantada por essa artista que, sem rodeios, ama o que faz. Espertamente a voz da moça só nos é apresentada depois de uma música introdutória, “Rider to the Sea”, instrumental climático que lembra trilha sonora de western spaghetti, com suas cordas chorosas, naquela clássica hora do esperado duelo ao entardecer. Calvi surge então sussurrante na linda “No More Words”, composição que remete a PJ Harvey, poderosa e prenhe de angústia, fluido veículo para as injeções de sensualidade aplicadas sem parcimônia pela cantora. Aí de nós, “obrigados” a ouvir essa garota cantando apaixonadamente e sem compaixão no pezinho de nossos ouvidos “oh,oh my Love”.

Escute a ótima "I'll be your Man":



Quem prefere uma paixão mais radical, Anna Calvi oferece, logo a seguir, argumentos fortes e suficientes para conquistar também esse segmento menos romântico. “Desire” é uma das canções mais rasgadas e rockers do disco, na qual a talentosa artista solta de vez a afinada voz, inapelavelmente, mostrando todo o seu alcance. Ou seja, três músicas depois e a munição está posta sobre a mesa. E a gente, do lado de cá, com as mãos para o alto, ficamos pasmos diante da deliciosa descoberta. A partir daí, entre composições digeríveis e outras nem tanto, a britânica vai cada vez mais conquistando nosso respeito com seu vozeirão. E, como se isso não bastasse, a loirinha conta, a seu favor, com músicas inspiradas e que contribuem para seduzir de vez os inebriados ouvintes. Nesse quesito, o álbum chega a fazer algumas concessões, mesmo que não tão fáceis, ao pop, caminho com o qual ela não se sente muito à vontade. É o caso das mais comportadas “Blackout”, a mais fraca do CD, e de “Suzanne and I” , com guitarra, a cargo da própria Calvi – outra boa surpresa desse trabalho –, mais apática do que normalmente do que se vê sendo executada no trabalho.

Melhor mesmo é ficar com a vertente mais gótica e entranhada do disco. Momentos em que Anna Calvi se entrega a um rock profundo, com sonoridade próxima do experimental, possuída por demônios próprios que dançam em torno de suas próprias dores e mistérios. Amparada por arranjos suntuosos, a artista provoca nossos instintos. É épica e caudalosa em belas melodias, como “Firts we Kiss”, uma das minhas preferidas, cuja dramaticidade da canção é ampliada pela voz potente da inglesa, e “Desire”, de refrão contagiante. A magia continua com “The Devil”, de tom fabulístico, e o suingue da ótima “I’will be your Man”, onde o vocal da cantora dialoga instigantemente com uma guitarra pontual. Anna Calvi encerra com “Love W’ont be Leaving”, com percussão marcada e cordas atmosféricas, uma das mais ousadas desse grande álbum. No fim dessa aventura sonora, fica a impressão de que nos deparamos com uma artista inventiva, pronta para encarar o mundo com uma música inteligente, sem devaneios, rock de gente grande com definida pretensão de fazer história.

Cotação: 5

Vai encarar?:

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