terça-feira, 29 de março de 2011

Herói de todos nós

Tinha 79 anos. Parecia menos. Com a cara boa daquele avô de fábula de cinema que todos nós gostaríamos de ter. De riso fácil quase sempre e, aqui e ali, imbuído de austeridade. Só quando a situação obrigava. Pelo menos parecia assim nos momentos em que as câmeras de TV pescavam-no em movimentos eternamente serenos, quase em câmera lenta. Acho que idade e um tanto de sabedoria. Talvez isso explicasse. Mas, quem tinha assim tantas décadas nas costas, devia mesmo ser amigo, até mesmo íntimo, da sabedoria. Gostava dele, assim, acredito, como a maioria dos brasileiros tinha simpatia por aquele velhinho, mineirinho que só, que teve participação discreta no governo brasileiro. Companheiro do companheiro Lula, ex-presidente que bem poderia envelhecer do jeito companheiro daquele homem que foi-se que nem passarinho,rememorando Mário Quintana, passarinhando.

Faço nesse momento, comovido pela notícia que chegou a alguns instantes, um esforço de memória, um exercício carinhoso a respeito desse homem a partir da questão fria e crua: como é que eu gostaria de lembrar dele? Acho que não lembraria como o empresário, homem de sucesso nos negócios, condição que o levou ao alto cargo público assumido sem estardalhaço. E esses são tantos. Não lembraria como o homem que desconheço, aquele que a minha ignorância sobre seu passado esconde sob muitos e muitos véus. Que fique no mistério e esquecimento. Não lembraria como o cavaleiro solitário lutando quixotescamente, nos hiatos que o poder lhe dava, a favor da redução dos juros que imobilizava nossa economia. Era dever da ingrata função. Não lembraria do velho já meio esqualido, castigado pelo câncer, tantas e incontáveis vezes levado aos panos frios de uma maca de hospitais,dissecado pelas máquinas, ruminado por medicamentos. Memórias melhores hão sobre ele.

Acho que lembraria daquele velho de cara boa nos seu momentos de bom humor. Imenso bom humor congelado agora em minha memória. "O bom escoteiro ri até nas adversidades", disse ele cheio de dentes num programa de TV, um pouco depois de uma daquelas vezes que passou dias no hospital enganando o câncer e a morte. Velho e bom escoteiro. Lembraria dele demonstrando uma positividade e uma alegria inacreditável, imensurável, diante de sua frágil condição de saúde. Lembro dele herói de todos nós nessa mesma guerra santa contra o câncer. Vontade imperturbável e exemplar de seguir em frente, se desviando dos males como se levitando estivesse. Nosso velho ninja. Lembraria dele cantando o hino de seu clube de futebol naquela mesma entrevista na TV citada nesse parágrafo, o desconhecido Nacional de Muriaé, e socando o ar com sua mão ao final da música como um torcedor cheio de vitalidade. Como um menino. Lembraria dele como um menino.

José Alencar morreu, menino, nessa tarde do dia 29 de março de 2011. O drible na morte dessa vez não deu certo. Almas boas deixam saudade. Com saudades já estou.

2 comentários:

Anônimo disse...

Embora já tenha tempo frequentando esse espaço, só agora estou comentando algo. Não podia deixar. Acho que era assim mesmo que ele se sentia; um menino em toda a beleza da meninice. Sinto invejo daquele que teimou em tentar ser menino, apesar da seriedade e gravidade da vida. Por isso mesmo.
É o tempo a "carrega(r) tudo que cria".
Abs e muito obrigado por ter e manter o blog.

Hugo C.
Estância-SE

DR.TÍMPANO - BSB/DF disse...

Beleza, Hugo?

O tempo que "carrega tudo que cria" é o mesmo que cria tudo o que carregamos de melhor e, infelizmente, de pior. Brigadaço pelo comentário. E por ler esse intempestivo blog.

Dr.Tímpano