sábado, 8 de maio de 2010

O romance mirabolante de Glorinha e Antenor

Bem sacudidinha. Passa rebolando dobrando as esquinas, entortando pescoços, provocativa que só. Toda senhora de sua irreparável e negra sedução. Grandona, coxas largas como o sorriso, solto e divertido. Nem pobre nem rica. Dinheirinho que dá pros gastos com a roupa de promoção e os produtos de beleza divididos em cinco vezes. Trabalhando duro como funcionária pública, no escritório do seu Armando, chefe do almoxarifado, que babava descaradamente por ela. O depravado ganhou até babadouro dos amigos, só de sacanagem, num desses amigos secretos de fim de ano. E ela, altaneira, como porta-bandeira de escola de samba em dia de graça, sabia de todas as histórias e fingia total desconhecimento, pra manter o respeito e o emprego. Saía do trabalho desfilando sua beleza abrasiva e dobrava as esquinas deixando homens e mulheres a deriva.

Em casa, asseada e com poucos móveis, uma estante comprada nas casas Bahia e já paga, uma mesa de centro com flores amarelas de plásticos bem no meio, ela caia pesada nos sonhos. Sonhava com um homem como tinha lido numa revista de fofocas. Grande e bonito e cheiroso. Trabalhador, dono de uma pequena propriedade (ela adorava essa palavra, cheia de r, p e d) com uma piscina na frente. Nem precisava ser grande, a casa e a piscina. Só pra domingos de churrascos. Com amigos e pagodes da hora. Ele, assim, branco, educado que falasse as palavras com calma, soletradas como faziam as crianças sabidas naqueles programas de sábado a tarde. Que tivesse estudo e pudesse ler histórias pra ela no meio da noite, depois do sexo longo e redentor. Ela encostada no peito dele, caladinha, ainda cheirando a suor, respirando as palavras de contos de fada saídas da boca dele.

E como a natureza prega as suas peças e ela acreditava piamente nas peças que a natureza pregava, eis que calhou de num dia de terça-feira um desses esbarros espalhafatosos de provocar risadas nos transeuntes. Numa esquina. Ela se estabacou no chão, desancando sua até então impávida elegância natural. Ele um magrelo desengonçado, feio que só, quicou no corpo escultural dela, enroscou-se nos próprios cambitos e se desmilinguiu feito macarrão em água fervente, tombando fragosamente na calçada. Apulpos da platéia. Risos altos ribombaram nos metros quadrados ao redor do acidente besta. Ela, furibunda, torpedeou:

- Imbecil. Olha por onde anda!

O desmilinguido ainda zonzo pelo tombo tomado, atrás do riso tímido, soltou a boa do dia:

- Seu impropério se desvanece diante de tanto fulgor.

A morena franziu o senho desentendida e com uma cara francamente divertida. Que língua é essa, pensou. Mas, não pode esconder o sorriso de cantinho de boca diante da figura e linguajar engraçados do magricela. Era a senha que faltava para que o pobre moço estendido no chão se levantasse de um sem pulo e se desmanchasse em salamaleques para ela. Por uns momentos ela anuiu que o rapaz de cabelos crespos e olhar doce tinha lá seu charme. Deixou até o telefone com o moço. Ali, começava, sem que os dois soubessem, uma relação digna de um romance, onde amor e prazer, desejo e rejeição se uniriam de forma tão intensa como poucas vezes se veria no mundo. Começava o romance mirabolante de Glorinha e Antenor.

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