quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Baianos envenenados

Pode pensar em qualquer tipo de remédio, quer sejam pílulas, ungüentos, xaropes, folhinhas rezadeiras, infusões ou reza braba. Difícil querer curar assim, na base do medicamento ou de misticismo, as dores de amor ou aquela paixão que insiste em deixar o pobre atingido tonto e febril. Essa lição básica está presente na música “Frascos Comprimidos Compressas”, que é também o nome singular do segundo disco da banda Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta. Esse sentimento tão essencial, banhado aqui em dendê e pimenta forte, é, na verdade, a tônica de um álbum provocador, autoral, que marca o retorno desses baianos que não abrem mão da inventividade. Os Ladrões de Bicicleta se inspiram nas mazelas e delícias do amor para voltar a exercitar sua sonoridade de assinatura própria, calcada um tanto no rock dos anos 70 e um muito no samba e na poesia torta.

Quando lançaram o primeiro CD em 2005, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta apresentaram sua mistura de samba e rock sem que esta pudesse ser classificada exatamente como samba rock, aquele gênero de swing irresistível que tem como representantes ídolos como Jorge Ben e Bebeto. Um belo trabalho que instigou a crítica e revelou um quarteto que curtia os sambinhas da antiga e a MPB evolucionista praticada por um Caetano Veloso e um Tom Zé tropicalistas, da fase em que estavam mais ligados em experimentações e ao rock. Essas referências marcaram a musicalidade da banda, o que pode ser sentido de forma mais clara nesse trabalho, forjado cinco anos depois da estréia. Uma gestação lenta, baiana (desculpe o estereótipo), que originou um álbum maduro, difícil de classificar e que para ouvidos menos treinados pode até soar estranho.

O primeiro impulso é querer definir Frascos Comprimidos Compressas como um disco de samba. Esse gênero, porém, é a base para que Ronei(voz e violão), Edinho(guitarra e teclados), Pedrão(bateria) e Sérgio(baixo) injetem suas influências roqueiras, destiladas quase sempre em guitarras distorcidas e venenosas. Caso da ótima “Você Sabe dessas Coisas (Nega)”, onde sambinha e distorção estão a serviço de uma melodia sinuosa, com ar de desalento, mas que tem, por mais contraditório que pareça, uma pegada forte. A sincopada “Quem Vem Lá” utiliza-se da guitarra delineadora e abusada para mais uma apropriação criativa do samba, numa cadência e linguagem que tem a cara da banda. Em ritmo ainda mais cadenciado, e com pinceladas de jazz, “A Respeito do Sono” é balada matadora com refrão memorável. Sem dúvida, uma das mais instigantes do álbum.

Esse samba esquentado pelas guitarras vira em Frascos Comprimidos Compressas um amálgama cheio de personalidade, um som autoral, hipnótico. As melodias arrastadas, e que te arrastam junto, as mudanças de andamento das canções, os climas viajandões criados por essa sonoridade inventiva diferenciam Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta da maioria dos grupos brasileiros. Até porque também os músicos não fazem muitas concessões. A modernidade que emprestam a músicas como a psicodélica “Azucrim”, uma das melhores do álbum, e a climática e também marcante “Vidinha”(veja clipe no final da postagem) pode desagradar a muita gente. Mas é um caminho estético de quem realmente maturou o som e sabe o que quer. Irrequietos, esses baianos cantam para quem prefere fugir do lugar comum.

A identidade musical do grupo é construída ainda em cima de uma poética objetiva e que tem no amor a grande inspiração. Em “Aquela Dança”, o papo é reto, mas sem perder a ternura: “O seu caminho é o carnaval/O meu não é um só”. Em “Tanto fez Tanto faz”, o letrista assume o simulacro das relações: “Se eu te entendo demais, tanto fez, tanto faz/ Palavras não seguem mesmo linhas retas”. Precisa, a poesia em “Ó Você Dizendo” é declaração amorosa criativa: “Parece que é prece, que é só ilusão/Parece que o coração vai parar/é prova de que preciso te amar/ Vou treinar esse mágica de vez”. Bom saber que essa turma tem uma preocupação, longe de ser esnobe, com estilo e linguagem. Inteligência nunca faz mal e Ronei Jorge prova com seu novo trabalho uma coerência incomum. Coisa de quem vê o mundo com generosidade, sem medo de se expor ou dar de cara no muro. Esses caras podem até se espatifar lá na frente com sua coragem, mas que vão deixar rastros, isso já deixaram.

Cotação: 5

Sinta os baianos em erupção, no control c control v:

http://www.mediafire.com/?vt2kytmj2tj

Assista o clipe de “Vidinha”:

2 comentários:

Mateus Borba disse...

Sem dúvida, uma das melhores bandas do país. Ronei já mostra sua qualidade como compositor desde a Saci Tric, e com o tempo só fez melhorar. É um dos melhores compositores que surgiram na década de 90.

DR.TÍMPANO - BSB/DF disse...

Podicrê, Mateus. Acompanho o trabalho dessa galera baiana boa de boa há algum tempo. E nada como um bom e inteligente som para conquistar a gente. Obrigado pelo comentário.