sábado, 17 de outubro de 2009

Te vejo flores em você

Sempre defendi a tese de que a gentileza é um dos grandes remédios para curar os males desse nosso castigado mundo. O velho e amigo “bom dia” jogando o tapete vermelho para o sorriso cordial da pessoa do outro lado, o pedido de desculpas na hora certa, desarmando rancores e raivas gratuitas, o “como vai você?” dito com sincero interesse... tudo isso faz uma doce diferença, ainda que resistamos a esse tipo de grandeza. E isso não é “coisa de viado” como poderiam sustentar os duros de coração. Gentileza é simplesmente um gesto límpido de humanidade. Ah, e como estas atitudes se mostram cada vez mais essenciais nessa era de chumbo e ácido...

A música é também uma gentileza para os ouvidos quando chega robusta e com brilho próprio ou mesmo inquieta e provocadora, buscando uma cadeira cativa em nosso coração. Todo esse prólogo foi inspirado, na verdade, por uma banda curitibana que se chama exatamente Gentileza. O grupo me chegou sem apresentação. O nome curioso, por tudo aquilo que escrevi antes beirando até à pieguice, me chamou logo a atenção. Botei o cd da turma na vitrolinha e me surpreendi com o que ouvi: uma sonoridade plural que ora lembra os cariocas dos Los Hermanos, ora remete aos emergentes candangos do Móveis Coloniais de Acajú e até mesmo a leveza sinfônica, com elementos do leste europeu, do ícone Beirut.

O sexteto curitibano faz no álbum Gentileza (2009)um som que desafia classificações. No meio do tsunami de influências no qual cada um dos seis jovens integrantes são chacoalhados, o resultado sonoro não poderia sem mais democrático e encantador. Poderia-se dizer que Gentileza é uma banda de rock e de MPB, ou um híbrido com toda a liberdade desses dois gêneros sem a pretensão, diga-se de passagem, de ser exato nessa definição. É legal ouvir ecos de Los Hermanos – uma comparação inevitável que o vocalista Heitor Humberto (também guitarra, violino e cavaquinho) já chamou de preguiçosa – na bolerosa e interessante “Coracion”, com seu arranjo de metal precioso.

Fugindo da indesejável – para a banda – comparação, a trupe capitaneada por Heitor e cimentada por Artur Lipori (trompete, guitarra, baixo, kazuo), Diego Perin (baixo, concertina), Diogo Fernandes (bateria), Emílio Mercuri (guitarra, violão, viola caipira, ukelele, backings) e Tetê Fontoura (saxofone, teclado) passeia por outras praias. Escute, por exemplo, o violino e metais típicos do leste europeu, presentes também em algumas criações do Móveis Coloniais, sonoridade que tempera ainda “Afinal de Contas”, essa condimentada pela música brega nordestina, com direito a citação literal de uma frase de música do Reiginaldo Rossi.

Os meninos e menina da banda são francamente generosos nessa estréia. Oferecem um leque amplo de gêneros musicais aos ouvintes. Seduzem na ótima “O Estopim”, com sua cadência circense e exercício a la Nino Rota. São ainda brejeiros no pouco inspirado rock rural “Teu Capricho, meu Despacho” e atacam com toda simpatia do mundo no pseudo ska “33B” e até de baticum na super bem humorada “Preguiça”, que, se é preguiçosa na melodia inspirada nos sambinhas antigos se supera na bem engendrada letra. Nesse hino à vagabundice, Heitor, com sua voz pequena, diverte a gente: “Minha vida é quase esteira ergométrica / Eu ando e ando e não chego a lugar algum(...) E dessa forma só lamento a minha preguiça, mas fazer nada é uma delícia/ Se for pra mim, diga que não estou”.

As boas letras são, aliás, um dos grandes trunfos desse disco bem intencionado. Rimas e construções poéticas inteligentes valorizam as composições, como na já citada “O Estopim”, de refrão memorável: “Pois o estupor foi o estopim de todo esse horror que se instalou em mim/ Mas, se alguém falou, eu nada ouvi. E por não pôr tudo a perder, tudo perdi”. Ou ainda em “Coracion”: “Meu coração anda contente, já faz tempo que não sente/ Já faz tempo que não bate. Eu bato nele, ele consente/ Eu sinto muito disparate em que ele não dispare, quando você está presente”. São boas sacadas que compensam algumas derrapadas como no samba gramatical “Maior com Sétima” e no dispensável e bobo funk “Pseudo Eu”. De qualquer forma, uma estréia excepcional de um grupo que tem gana e potencial de surpreender ainda mais.

Cotação: 3

Faça a gentileza:

http://www.4shared.com/file/130011822/1ae6af73/Banda_Gentileza_-_Banda_Gentileza__2009_.html

5 comentários:

Heitor Humberto disse...

Alô, Dr. Tímpano. Obrigado pela resenha e pela atenção em sua audição. Ficamos muito contentes com o espaço aqui no Todoouvido e especialmente felizes com a menção ao Nino Rota. Grande abraço!

DR.TÍMPANO - BSB/DF disse...

Oi, Heitor. Acredito na trabalho de vocês. Continuem sendo gentis com seu público e fazendo música de qualidade. Todos vamos agradecer de coração!

Dr. Tímpano

Guilherme Mendes disse...

É engraçado como estamos levando tão à sério essa história da liberdade autoral via internet que acaba-se esquecendo dos meios tradicionais. Baixei o disco, gostei muito, senti muita vontade de comprá-lo - mas aonde?
Nos mil sites/twitter/myspace e afins da banda, dá para encontrar o link para baixar o cd, lindo, com a arte e o escambau, mas procurei para descobrir aonde aqui em Curitiba eu poderia comprá-lo, mas ainda estou na mesma.
Afinal, aonde?

Ps: Parabéns, o som é espetacular. Em especial a poesia.

DR.TÍMPANO - BSB/DF disse...

Oi, Guilherme...

Esse é um fenômeno meio chato mesmo. Adoro o CD oficial, com o encarte bem impresso, uma boa qualidade de gravação e, é claro, um bom preço. Mas, está difícil mesmo encontrar um trabalho nas lojas dessa turma nova, mais alternativa. Na verdade, está difícil encontrar até as lojas mesmo...

Sugiro que você vá no twitter da turma e mande um recado pra eles e como você está em Curitiba fica mais fácil.

Abraços,

Dr. Tímpano

Heitor Humberto disse...

Alô, Guilherme. Tudo certo? Só li seu comentário agora. Procurei o seu e-mail e não encontrei. Pra comprar o disco, é só falar conosco. Pode ser no porgentileza@gmail.com . Custa R$10. Neste sábado tem o show de lançamento aqui em Curitiba. Será durante a tarde, em um quintal de uma casa. Abraço.